Vez por outra é bem difícil argumentar diante do óbvio.
E quando é consagrado um absurdo - para lá de descabido – por uma Corte Superior da Justiça, a dificuldade só aumenta.
Apesar disso a jurisprudência passa a seguir cegamente o que foi sumulado, sem atentar ao equívoco do seu enunciado.
Diz a súmula 621 do Superior Tribunal de Justiça: Os efeitos da sentença que reduz, majora ou exonera o alimentante do pagamento retroagem à data da citação, vedadas a compensação e a repetibilidade.
Ao conferir efeito retroativo aos alimentos fixados na sentença, à data da citação do credor, incentiva o inadimplemento e acaba por punir quem atende ao encargo alimentar durante a tramitação da demanda revisional.
É mais do que óbvio que a retroatividade só pode ocorrer quando a sentença aumenta o valor dos alimentos. E ainda assim, sobre parcelas não pagas. Bela motivação para que o devedor não deixe de pagar os alimentos em face do pedido de majoração formulado pelo credor. Ainda que ele tenha apresentado reconvenção, buscando o achatamento do valor.
Nem a redução e nem a exoneração do encargo alimentar podem dispor de efeito retroativo. Afinal, até a sentença da ação revisional, os alimentos são devidos e devem ser pagos.
No entanto, pelo que diz a súmula, quem pagou, perdeu! Os valores pagos não podem ser compensados. Quem não pagou, sai beneficiado. Vai pagar somente o valor que foi reduzido pela sentença. Ou vai ficar exonerado a partir da data em que o alimentado foi citado para a ação.
Agora a prática passou a ser a seguinte: o devedor deixa de pagar os alimentos e ingressa com ação revisional ou exoneratória. Fica inadimplente até o trânsito em julgado da sentença. Eventual execução proposta pelo credor acaba suspensa por estar sendo questionado o valor da obrigação.
E quanto tempo isso pode demorar?
Durante quantos anos o credor ficará sem alimentos?
O equívoco sacramentado pela súmula, admitindo a retroatividade do encargo alimentar, perdoa o devedor de dívida vencida e não paga. A redução do valor atinge o crédito do alimentando a partir do momento em que ele for citado na ação revisional. Exonerado o devedor, livra-se de pagar todas as parcelas a partir do momento em o credor tomou conhecimento da pretensão exoneratória.
De outro lado, em face do princípio da irrepetibilidade, que não admite compensação do encargo alimentar, a Justiça diz “bem feito” ao alimentante que prossegue pagando o valor devido, enquanto aguarda o julgamento de seu pedido revisional.
Ou seja, o Superior Tribunal de Justiça incentiva o inadimplemento. Assegura indevido benefício do devedor. E pior, acarreta severo prejuízo ao credor.
Deste modo, é urgente a revisão da indigitada súmula.
E, até lá, indispensável que a jurisprudência a ignore.
Afinal, a Justiça não pode compactuar com o mau pagador. Perdoar dívida do devedor que age de má-fé. Punir quem paga o encargo enquanto aguarda decisão judicial. E – principalmente – não pode comprometer a sobrevivência de alguém, cuja necessidade de perceber alimentos já foi reconhecido.
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