A polêmica sobre os cheques pós-datados
Antonio Carlos de Oliveira Freitas*
Entretanto, afirma-se que foi na Inglaterra, a partir do século XVII, onde se verificou seu momento de impulso, chegando seu uso até mesmo em alguns casos a substituir a moeda.
No Brasil o cheque figurou de início como costume no ordenamento jurídico, tendo sido o Decreto nº 917, de 24 de outubro de 1890 o diploma legal, onde a expressão foi utilizada pela primeira vez. Hoje com tradição de mais de 150 anos, sendo, após a moeda, o meio de pagamento mais utilizado nas relações comerciais.
A Lei 7.357/85 (clique aqui) disciplina esse que é um dos títulos de crédito mais utilizados, cuja definição técnica é de “ordem de pagamento à vista”. Entretanto, a sociedade em constante mutação criou diferenciação, a qual, pelo rigor da lei, não poderia conter a denominação de cheque na acepção jurídica do termo.
A referida lei, promulgada em 1985, anterior à Constituição Federal de 1988, foi por esta recepcionada e permanece vigente até hoje. Insta acrescentar a inegável diminuição da emissão de cheques nos últimos tempos em razão do avanço na utilização dos cartões eletrônicos.
Vale, ainda, expor o disposto no art. 887 do Código Civil, onde conceitua título de crédito como documento necessário ao exercício de direito literal e autônomo nele contido, somente produzindo efeito quando preenchidos os requisitos da lei.
A partir desses conceitos surgiram confusões relacionadas ao cheque, dentre elas a existente entre título de crédito e título executivo extrajudicial, institutos jurídicos distintos. No primeiro caso há a figura definida pelo art. 887 do Código Civil e, no segundo, a do título executivo extrajudicial, este criado por questão de política legislativa (art. 585, CPC). Portanto, nem todo título executivo extrajudicial é título de crédito, mas a afirmação contrária é válida.
O saudoso Prof. André Franco Montoro, in “Introdução à Ciência do Direito”, ed. Revista dos Tribunais, 7ª ed., SP – 1979, ao discorrer acerca do tema “Fontes do direito”, afirma que se trata de expressão figurada ou um caso de analogia metafórica, destaca como uma das fontes materiais: a realidade social, isto é, o conjunto de fatos sociais que contribuem para a formação do conteúdo do direito. Assim, a figura do chamado cheque pré-datado ou pós-datado, pelo rigor exacerbado da lei, não existiria, mas o Direito não pode desamparar àqueles que buscam a solução de seus conflitos junto ao Poder Judiciário.
A omissão na solução de conflitos suscitados pelas partes não é possível (art. 5º, XXXV, da CF). Da mesma forma os artigos do Código Civil e do Código de Processo Civil impõem que, omissa a lei, o magistrado se socorrerá da analogia, dos usos e costumes para solucionar o problema, não podendo deixar de apreciar a questão sub judice.
Os cheques pós-datados começaram a ser questionados na justiça, em virtude da ausência de previsão legal. Tais títulos devem ser respeitados, pois, por meio do costume, mais antiga das fontes do direito, “criação espontânea pela consciência comum do povo e não editada pelo poder público”, ob.cit., foram criados e são utilizados em grande escala pelo comércio, do mesmo modo que fora o cheque em sua concepção tradicional.
Segundo consta, a figura do cheque pós-datado tem sua origem no início do século XX quando se materializou por meio das práticas comerciais norte-americanas.
A primeira referência legal ao referido título nasceu com a Lei Uniforme de Genebra, tendo o Brasil como signatário, promulgando o Decreto nº 57.595, de 7 de janeiro de 1966, no seu art. 28, alínea 2, onde ficou previamente aceita a apresentação do cheque antes da data nele consignada. O referido disposto foi acolhido pela atual Lei do Cheque, em seu art. 32, parágrafo único. Tal regra permite que o credor do cheque possa apresentá-lo mesmo que a data consignada seja posterior à estabelecida <_st13a_personname w:st="on" productid="em lei. Assim">em lei. Assim, a data futura pactuada entre as partes não o invalida, nem o torna ineficaz ou proíbe o uso da pós-data.
Cediço que as leis são rígidas, pois, caso contrário, haveria instabilidade social, mas não podem permanecer imutáveis ante a evolução da realidade social. Essa peculiaridade se operou com a Lei do Cheque 7.357/85.
Diante disso, o cômputo da data base do início da contagem do prazo para apresentação dos cheques começou a ter interpretações diferentes e equivocadas.
Em reiteradas decisões, inclusive precedentes do E. Superior Tribunal de Justiça, muitos juízes de primeiro grau e algumas Câmaras de Tribunais estaduais, permaneceram prestigiando a interpretação restritiva e não extensiva da Lei do Cheque, o que é equivocado.
A expressão, “Bom Para”, inserida no cheque visa exprimir a estipulação de comum acordo entre as partes (emitente e credor) para cumprimento da obrigação em data diferente da sua efetiva emissão para apresentação e deve ser respeitada. A data a posteriori há de prevalecer, sob pena de o credor ao descumpri-la estar sujeito a ressarcir o emitente pelos danos a ele causados.
O tema é relevante, pois tem repercussão imediata nos meios de cobrança judicial. O cheque, se prescrito, possibilita ao credor se valer da Ação Monitória, na qual se busca a formação de título executivo judicial para, posteriormente, tentar a recuperação do crédito, via expropriação de bens.
Outro ponto fundamental está no fato de a apresentação do cheque pós-datado ocorrer antes da data pactuada entre as partes envolvidas. Nessa hipótese haverá o dever de indenizar o emitente por danos morais e/ou materiais, desde que comprovados esses últimos.
Deve ser ressaltado o momento de início da contagem do prazo prescricional, onde não há que se falar na data de sua primeira apresentação. Com relação à matéria, a 12ª Câmara do extinto Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, em sede de recurso de Apelação nº 882.608-4, deu provimento por maioria de votos, nos seguintes termos: “EMBARGOS À EXECUÇÃO – Cheques pré-datados – Descaracterização – Impossibilidade do lapso prescricional ser contado nos moldes estabelecidos pela Lei nº 7.357/85, à vista do entendimento de que a apresentação antes da data avençada sujeita o favorecido ao pagamento de indenização ao emitente – Início a contar da apresentação – Recurso provido.”
Ora, note-se que mesmo evidente a impossibilidade de existência de dois pesos e duas medidas, há pensamentos dissonantes, como no caso acima, onde um dos integrantes da Câmara julgadora foi contrário ao entendimento dos demais membros da E. Corte.
Patente no caso de cheques pós-datados o dever de ser respeitada a data pactuada entre as partes para que se tenha início o prazo de apresentação do título, 30 dias para mesma praça de pagamento e 60 dias com praças distintas. Assim, o cômputo será a partir do término do prazo para apresentação, sendo a base a data posterior inserida – “Bom Para” - e não a de sua efetiva emissão.
Assim, ultrapassados 30 ou 60 dias da apresentação, inicia-se a contagem dos seis meses para o título se caracterizar como prescrito. Portanto, seria absurdo prestigiar o inadimplemento partindo-se de premissa equivocada, ou seja, considerando válido o cheque pós-datado, mas mantendo o cômputo para início da contagem do prazo prescricional como sendo o da data de sua efetiva emissão.
Situações como a acima mencionada podem ser resolvidas de modo mais célere, diminuindo o acúmulo de recursos aos tribunais, com a Súmula vinculante, recentemente aprovada por Emenda Constitucional. Trata-se de instrumento cujo efeito pode ser benéfico, mas de se observar com cautela, pois poderá conter entendimento equivocado, gerando problemas por vezes intransponíveis.
Desse modo, o mais prudente é, não somente levar em consideração a aplicação da lei de modo sistemático, mas também confrontar o caso concreto com a realidade da sociedade, com o intuito de a decisão judicial não se tornar inócua, afastando-se de seu fim maior, qual seja, a busca pela Paz Social.
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*Advogado do escritório Luchesi Advogados; Pós-graduado <_st13a_personname w:st="on" productid="em Direito Processual Civil">em Direito Processual Civil pela PUC/SP; Membro Efetivo do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo