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Segurança e medicina do trabalho e seus impactos no custeio previdenciário

As empresas devem se atentar ao fato de que há uma contribuição previdenciária adicional vinculada à moldura trazida pela medicina e segurança do trabalho, a qual poderá ser arbitrada à medida que não se tenha os documentos adequados ou que esses documentos destoem entre si.

29/1/2020

A legislação brasileira cuida há tempos de muitos aspectos relacionados à medicina e segurança do trabalho. Em 1919, por exemplo, o decreto 3.724 tratou dos então chamados “accidentes no trabalho”; em 1978, a portaria 3.214 do então Ministério do Trabalho trouxe inúmeras normas regulamentadoras e estabeleceu uma série infindável de obrigações para empresas e empregados.

A segurança e medicina do trabalho compõem um capítulo da CLT que tem por objetivo maximizar o ambiente no qual o trabalho é desenvolvido afastando todas aquelas circunstâncias que trazem perigo à saúde e à vida dos trabalhadores.

Ora, e como a segurança e medicina do trabalho podem impactar no custeio previdenciário?

Dentre os inúmeros tópicos existentes, trataremos do benefício que aproxima enormemente o direito previdenciário do direito do trabalho: a aposentadoria especial.1 Atualmente, a aposentadoria especial é devida àquele segurado que tiver trabalhado sob intensa exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à sua saúde ou integridade física durante 15, 20 ou 25 anos.

Os agentes químicos apresentam-se sob incontáveis formas, podendo ser vistos, inclusive, em poeiras, gases, vapores, névoas e até fumos. Os agentes físicos, mais comuns, estão expressos por ruídos, umidade, calor, frio, radiações e vibrações. Já os agentes biológicos podem ser representados por micro-organismos, vírus e até bactérias.

Isso não quer dizer, no entanto, que qualquer pessoa em contato intenso com poeiras pode se aposentar após 15 anos. A legislação trazida pelo regulamento da Previdência Social aponta quais situações geram a concessão desse benefício após determinado tempo de contribuição. No caso dos 15 anos, por exemplo, apenas os trabalhos permanentes em frente de produções em subsolo de mineração subterrânea alavancam essa aposentadoria especial; no caso dos 20 anos, a mineração subterrânea, cujas atividades, entretanto, sejam exercidas em frentes de produção acima do subsolo; e assim por diante.

São condições especiais aquelas que trazem para os trabalhadores exposição a agentes nocivos químicos, físicos, biológicos ou à associação de agentes, em concentração, intensidade e tempo de exposição que ultrapassem os limites de tolerância (avaliação quantitativa) ou que, dependendo do agente, torne a simples exposição em condição especial prejudicial à saúde (avaliação qualitativa).

Logo, a avaliação quantitativa, mais tangível, traz limites de tolerâncias, ainda que precisem ser apurados com a utilização de equipamentos específicos. Os elementos insalubres relacionados ao ruído, calor, radiação ionizante, vibração, gases, vapores, poeiras e particulados são comumente averiguados dentro de critérios quantitativos.

A avaliação qualitativa, por outro lado, está vinculada ao elemento danoso, propriamente dito, e ao trabalho do perito quando da apuração do assunto. A radiação não ionizante, o frio, a umidade, os elementos químicos e os elementos biológicos são objeto dos critérios qualitativos.

De uma forma ou de outra os danos à saúde ou à integridade física deverão ser robustamente comprovados.

Não é tarefa fácil. O laudo que será produzido pelo médico do trabalho ou pelo engenheiro de segurança do trabalho deverá observar diversos elementos constitutivos.

De fato, o laudo deverá identificar, de forma muito clara, o setor em que o trabalhador cumpre/ cumpria com suas atividades. Estas atividades deverão ser descritas sobre premissas amparadas pela casuística, tais como o guide de que cargos são compostos por funções e essas, por sua vez, são compostas por tarefas.

Há que se falar, ainda, na identificação do agente nocivo capaz de causar o dano. Como dito linhas atrás, aqui o direito previdenciário traz um bom alinhamento com o direito do trabalho, firmando que esses danos são físicos, químicos, biológicos, ou mesmo a junção destes. Nada se fala, no entanto, sobre os riscos trazidos pelo eSocial, tais como os ergonômicos-ambientais (v.g. pisos escorregadios), os ergonômicos psicossociais-cognitivos (v.g. excessos de demandas emocionais ou afetivas no trabalho) e os mecânicos (v.g. queda de objetos).

Presume-se, portanto, que os riscos trazidos pelo eSocial são apenas informativos dentro daquela obrigação acessória, afastando-se qualquer comando quanto ao pagamento de adicionais ou mesmo aumento da carga previdenciária.

O médico ou engenheiro do trabalho também deverão indicar (i) as possíveis fontes geradoras desses agentes danosos; (ii) a periodicidade e forma de exposição do trabalhador ao agente nocivo; e (iii) as potenciais medidas de controle existentes.

Todo esse contexto deve estar absolutamente alinhado com o custeio previdenciário. De fato, a aposentadoria especial é financiada com os recursos provenientes da contribuição social previdenciária de Risco Ambiental do Trabalho (RAT, antigamente chamada de SAT), cujas alíquotas de 1%, 2% ou 3% serão acrescidas de 12, 9 ou 6 pontos percentuais, conforme a atividade exercida pelo segurado permita a concessão da aposentadoria especial após 15, 20 ou 25 anos de contribuição, respectivamente.

Se a empresa tem uma alíquota RAT de 3% e empregados trabalhando em uma área cujo risco químico propicie a concessão de aposentadorias especiais após 25 anos, para esses trabalhadores o custeio previdenciário se dará com base na alíquota de 9% (3% + 6%). Note-se, haverá aplicação da alíquota de 9% somada àquelas da cota-empresarial (20% ou 22,5%) e de terceiros (Sistema S, geralmente na casa dos 5,8%).

O Fator Acidentário de Prevenção (FAP), por outro lado, será aplicado apenas sobre a alíquota de 3%, e não 9%.

Ainda assim, trata-se de valor bastante expressivo, dependendo do tamanho da folha de pagamento da empresa. Além disso, essa contribuição adicional de 6%, 9% ou 12% será lançada por arbitramento quando os auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil constatarem que determinada empresa não possui os programas de medicina e segurança do trabalho obrigatórios ou que existe incompatibilidade entre seus elementos.

Arbitramento nada mais é que uma técnica utilizada pela autoridade fiscal e trazida pelo Código Tributário Nacional que busca a verdadeira base de cálculo do tributo nas situações em que haja indícios de manipulação das informações.

Assim, se a empresa não apresentar seu programa de prevenção de riscos ambientais à auditoria-fiscal, a contribuição previdenciária adicional poderá ser arbitrada. Da mesma forma, se o laudo técnico das condições do ambiente do trabalho destoar do perfil previdenciário profissiográfico, a auditoria-fiscal também poderá arbitrar essa contribuição previdenciária adicional.

De forma mais contundente, se houver incoerência entre os programas de medicina e segurança do trabalho e quaisquer documentos emitidos com base na legislação trabalhista, pela empresa prestadora de serviços, pela empresa tomadora de serviços, pelo Instituto Nacional do Seguro Social ou pela Receita Federal do Brasil, também se arbitrará os valores dessas contribuições adicionais.

Em todas essas situações, caberá à empresa o ônus da prova em contrário.

Posto isto, as empresas devem se atentar ao fato de que há uma contribuição previdenciária adicional vinculada à moldura trazida pela medicina e segurança do trabalho, a qual poderá ser arbitrada à medida que não se tenha os documentos adequados ou que esses documentos destoem entre si.

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1 Enquanto aguarda-se a regulamentação via Lei Complementar do inciso II, §1º, Art. 201 da Constituição Federal, alterado pela recente Reforma da Previdência (EC 103/19).

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*Marcel Cordeiro é doutor e mestre em Direito Previdenciário, tem MBA em Direito Tributário e Societário, especialista em Direito do Trabalho, advogado e administrador de empresas e sócio no escritório Loeser, Blanchet e Hadad Advogados.

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