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Honorários sucumbenciais para advogados públicos

A compreensão do pagamento de parte dos estipêndios recebidos pelos advogados públicos através da percepção de honorários sucumbenciais, além de ser perfeitamente compatível com a Constituição, é objeto de autorização legal expressa.

28/1/2020

A Advocacia Pública é função essencial à justiça contemplada nos art.131 e 132 da Constituição Federal cuja missão primordial é exercer a advocacia dos interesses dos diversos entes públicos do Estado brasileiro, na esfera dos interesses públicos primários e secundários cometidos aos diversos entes estatais, políticos e administrativos no plano dos três níveis federativos. Cuida-se, portanto, de função imprescindível à conformação e sustentabilidade jurídica das políticas públicas implementadas pelo Poder Público, a demandar adequada orientação jurídica e a atuação judicial em defesa dessas mesmas políticas.

Isto aponta para a essencialidade da atuação da advocacia de estado que deve conter em seus quadros, dada a relevância das funções, profissionais da advocacia com qualificação técnica e habilidades jurídicas que promovam a mais eficiente atuação estatal.

É nesse contexto que se insere a discussão sobre a inclusão dos honorários sucumbenciais como mecanismo meritório que compõe a contraprestação do trabalho advocatício exercido pelos membros da advocacia pública em suas mais diversas esferas federativas.

Aliado a esse fato temos que aos membros da advocacia pública em todos seus níveis e espectros incumbe a atuação em uma quantidade excessiva de trabalho e, ao mesmo tempo, de valor explosivo para os cofres públicos, conforme destacou o CNJ em relatório dos 100 maiores litigantes do país, dentro os quais se inserem o INSS, União e Estado do Rio Grande do Sul1.

Apesar desses números a atuação eficiente dos advogados públicos em âmbito federal, segundo a Advocacia-Geral da União (AGU),  conseguiu obter ganho em causa em favor dos entes públicos federais em  59,8%  dos processos  judiciais2.

Desse modo, exercendo atividade advocatícia3, os advogados públicos possuem seu regime remuneratório  perfeitamente compatível com a percepção de parte dos seus estipêndios provenientes de recursos advindos de honorários advocatícios decorrentes de vitórias judiciais.

Até porque, um regime remuneratório que permita que parte da verba mensal seja custeada com honorários de sucumbência, ou seja, pagos pela parte contrária, além de representar uma economia ao erário, é um estímulo à atuação eficiente, com resultados favoráveis ao erário e às políticas públicas. Dados consolidados pela Procuradoria da Fazenda Nacional dão conta de que a implementação do pagamento dos honorários como parte da remuneração dos advogados públicos federais implicou em incremento na arrecadação4. Registre-se que, para cada R$1 que a União deixou de arrecadar com honorários/encargos, a PGFN recuperou R$ 80 em outros créditos.

Trata-se, os honorários sucumbenciais, de verba de natureza privada paga pela parte vencida (e não pelo ente que remunera o procurador), de tal forma que a parcela de honorários advocatícios é perfeitamente compatível com o regime de remuneração por subsídio. Até porque, enquanto o subsídio do advogado público é verba paga em parcela única pelo ente público, os honorários sucumbenciais são verba eventual e variável, paga pela parte adversa5.

Embora de natureza privada e paga pela parte adversa, é importante mencionar que, no âmbito da advocacia pública federal, recente lei 13.957/19 veio submeter o recebimento dos valores de honorários de sucumbência ao teto constitucional previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição6. Trata-se de verba sujeita ao pagamento de imposto de renda, conforme já teve oportunidade de se manifestar a Receita Federal do Brasil7.

No tocante ao aspecto remuneratório é válido mencionar que em passado relativamente recente, em que a remuneração de advogados públicos federais era significativamente inferior a outras carreiras jurídicas como magistratura e Ministério Público, havia uma evasão dos quadros das carreiras jurídicas da AGU na ordem 40%8. Os honorários, no plano da decisão política de estímulo à eficiência na advocacia pública teve, ainda, como reflexo positivo a retenção de talentos nos quadros da advocatura de Estado9.

Além do que, cuida-se de autêntica prerrogativa inerente à atividade advocatícia que, no âmbito federal tem expressa previsão legal, tanto no art.85, §19 do CPC, arts. 3º, § 1º; 22; 23 e 24, § 3º, do Estatuto da Advocacia (lei 8.906/94) e art.27 da lei 13.327/1610.

A bem da verdade o pagamento de honorários advocatícios a advogados públicos não é caso raro ou inovação do CPC de 2015. Ao contrário, exceto as carreiras da Advocacia-Geral da União (AGU), no âmbito federal, há distribuição de honorários a advogados públicos nos Estados e Municípios do país11.

Em âmbito estadual, podemos citar, como exemplos de leis que contemplam e regulam o  direito à percepção de honorários por advogados públicos os seguintes atos normativos: Lei estadual 18.017/09 de Minas Gerais, Lei municipal 11.995/10 de João Pessoa/PB, Lei  estadual 2.350/95 do Amazonas, Lei estadual 15.711/16 em Pernambuco, Lei estadual 772/84 do Rio de Janeiro, Lei Complementar 478/86 no Estado de São Paulo, entre outros.

Mesmo na época em que o Ministério Público exercia a representação judicial da União, antes da Constituição da 1988, era previsto o pagamento de honorários advocatícios na forma dos artigos 47, 48 e 49 da lei 1.341, de 30 de janeiro de 1951 que fixavam o pagamento de percentual pelo pagamento de dívida ajuizada pelo promotor de justiça que tenha atuado na cobrança da dívida da União12.

Na mesma linha, a lei 4.439, de 27 de outubro de 1964, em seu artigo 21, disciplinou os percentuais a serem recebidos sobre a dívida ativa federal e que eram pagos a Promotores de Justiça, Procuradores da República e Procuradores da Fazenda.

De outro lado, no plano internacional, podemos mencionar que a adoção do regime remuneratório que contempla o pagamento de parte dos ganhos dos advogados públicos através de honorários advocatícios tem experiências na Espanha, Argentina e Paraguai, ao menos.

Como bem tratou Marcelo Kokke13, os Advogados do Estado na Espanha, quanto aos honorários, teve disciplina regulada pela Instrucción 4/1998, de 11 de Septiembre, que trata do  Complemento de Productividad Adicional por Objetivos. E acrescenta que no plano da legislação Argentina a previsão dos honorários para advogados públicos foi regulada pela Resolución 57/2000, na qual o Governo Argentino veio a Apruébase un Régimen de Percepción y Distribución de Honorarios Judiciales. Cite-se, ainda, no Paraguai a Ley 2796/05, que Reglamenta el Pago de Honorarios Profesionales a Asesores Jurídicos y otros auxiliares de justicia de entes públicos y otras entidades.

No caso do Paraguai, como observa Kokke, a Corte Suprema de Justiça do Paraguai, na Sentença 1456, proclama expressamente que a remuneração dos advogados do Estado se compõe dos valores pagos pelos cofres públicos e pelos valores devidos pelos entes privados sucumbentes.

No Brasil, o tema está afetado ao STF que deverá apreciar um bloco de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (nºs 6053, 6135, 6158, 6159, 6160, 6161, 6162, 6163, 6164, 6165 e 6166) ajuizadas pela Procuradoria Geral da República.

Merece registro, ainda, que, no âmbito do Congresso Nacional tramita o projeto de lei 6.381, de 2019, do deputado federal Marcel Van Hatten, do Partido NOVO, que visa a revogar o §19 do art. 85 da Lei 13.105/15 (Código de Processo Civil).

Analisando as Cortes de Justiça do Brasil, embora possamos observar que o tema ainda reclame uma pacificação14, há inúmeros precedentes destacando a plena constitucionalidade do pagamento dos honorários sucumbenciais para advogados públicos15. Destaque para o julgamento da Ação direta de inconstitucionalidade de 30.721/MA na qual o Tribunal de Justiça do Maranhão afirmou a constitucionalidade do pagamento de honorários a advogados públicos e sua compatibilidade com o regime de subsídio16.

Ademais, o tema já foi submetido à análise jurídica por parte do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Britto, que se posicionou pela pertinência e juridicidade da percepção dos honorários por advogados públicos17.

Sendo assim, a compreensão do pagamento de parte dos estipêndios recebidos pelos advogados públicos através da percepção de honorários sucumbenciais, além de ser perfeitamente compatível com a Constituição, é objeto de autorização legal expressa que lhe formata um regime próprio de pagamento que atende a um só tempo à eficiência, e a excelência na atuação jurídica, prestigia o mérito e promove ganhos financeiros ao Estado e musculatura às políticas públicas assistidas.

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1 CNJ. INSS lidera número de litígios na justiça. 2011. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020.

2 SANTOS, Diogo Palau Flores dos. Honorários de advogado público: uma discussão sobre a legitimidade dos honorários de sucumbência ao advogado público. In Jota, 2019. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020.

3 Art.3º da Lei 8.906/94 expressamente consigna que os integrantes da advocacia pública no âmbito da União, dos Estados e Município, inclusive sua administração indireta exercem atividade típica de advogado típica de advogado.

4 PGFN. Honorários: meritocracia e interesse público. 2017. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020.

5 O fato de a verba ter “entrada pública” ou “ingresso em conta pública”, isso não torna a verba privada em pública, eis que não se incorpora em definitivo ao erário, posto que tem destino e titulação própria dirigida aos advogados públicos, conforme enfatiza Murillo Giordan Santos com fulcro na Lei 4.320/64 e doutrina especializada. SANTOS, Murilo Giordan. A compatibilidade do subsídio com a verba honorária de sucumbência. In Revista de informação legislativa, a.50, n. 199, Brasília, 2013, p. 179-195.

6 Mesmo os cargos comissionados estão submetidos a esse mesmo teto constitucional.

7 RECEITA FEDERAL. Solução de Consulta nº 139-Cosit, 17 de fevereiro de 2017. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 de jan 2020. E ainda: RECEITA FEDERAL. Solução de Consulta nº 139-Cosit, de 22 de agosto de 2017. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020.

8 William Douglas, em artigo no qual aponta a evasão de 40% mencionada, destacava ainda a diferença remuneratória dos integrantes das carreiras da AGU com outras carreiras e enfatizava que não faz sentido, no plano da gestão, ter advogados ruins ou mal remunerados. DOUGLAS, William. A Advocacia-Geral da União na UTI (do SUS, às escuras) e o surgimento de uma nova AGU. In Jusbrasil, 2015. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020.

9 No período de 2015 e 2016 vivenciou-se período crítico e desvalorização da advocacia pública federal devido, em grande medida, pela defasagem remuneratória, fato que ocasionou grande evasão de talentos para outras carreiras jurídicas, em detrimento da melhor defesa do erário e das políticas públicas (SANTOS, Diogo Palau Flores dos. Honorários de advogado público: uma discussão sobre a legitimidade dos honorários de sucumbência ao advogado público. In Jota, 2019. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020).

10 Dispõe sobre o valor do subsídio, o recebimento de honorários advocatícios de sucumbência e outras questões que envolver os cargos de Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional, Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil. O regime estatuído pela Lei 13.327 contempla, no art.31, pagamento progressivo para os recém ingressos nessas carreiras e regressivo para aqueles egressos por aposentadoria, prestigiando, de modo proporcional, o trabalho e o êxito nas demandas obtidos pela atuação desses advogados públicos.

11 PGFN. Confira matéria do procurador-geral da Fazenda Nacional ao Valor: Honorários para os advogados públicos. 2016. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020.

12 KOKKE, Marcelo. Análise científica dos modelos de representação jurídica do Estado e dos honorários de sucumbência da Advocacia Pública. In SSRN, jan/2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020.

13 KOKKE, Marcelo. Análise científica dos modelos de representação jurídica do Estado e dos honorários de sucumbência da Advocacia Pública. In SSRN, jan/2020. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020.

14 Como entendimento pela inconstitucionalidade, podemos citar acórdão proferido pelo TRF2 na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0011142-13.2017.4.02.0000, Rel. Desembargador Federal MARCELO PEREIRA DA SILVA, julgado em 22/02/2019, Data de disponibilização14/03/2019.

15 Conforme destacado na NOTA DA COMISSÃO NACIONAL DA ADVOCACIA PÚBLICA (CNAP) sobre honorários de sucumbência e sua natureza privada:  TRF-5 – PLENO - PROCESSO: 08026233720144050000, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO, Pleno, JULGAMENTO: 30/10/2018; TRF5, 3ªT., AC-0800178-58.2017.4.05.8401, rel. Des. Federal Rogério Roberto Gonçalves de Abreu (convocado), j. 30.07.2018; TRF4, AG 5027045-12.2018.4.04.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA, juntado aos autos em 24/10/2018; TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, ApReeNec - APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA - 1757780 - 0023173-87.2012.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO, julgado em 23/04/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/05/2018; TRF1 - QUINTA TURMA - AC 0009355-13.2016.4.01.3200, DESEMBARGADORA FEDERAL DANIELE MARANHÃO COSTA, TRF1 -, e-DJF1 30/04/2018). OAB. Nota da Comissão Nacional da Advocacia Pública (CNAP): Honorários de Sucumbência são verba de natureza privada devida a todos os advogados. 2019. Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020.    

16 Justamente porque se trata de verba é variável, paga mediante rateio e devida pelo particular (parte sucumbente na demanda judicial), não se confundindo com a remuneração paga pelo ente estatal. TJMA. ADI 0307212010, Rel. Desembargador(a) PAULO SÉRGIO VELTEN PEREIRA, TRIBUNAL PLENO, julgado em 11/07/2012 , DJe 15/08/2012.

17 Parecer requisitado pela União Nacional dos Advogados Públicos Federais – UNAFE (Hoje, ANAFE). BRITTO, Carlos Ayres. Ayres Britto emite parecer favorável aos honorários advocatícios para Advogados Públicos Federais.  Disponível em: Clique aqui. Acesso em 21 jan 2020.

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*Ricardo Cavalcante Barroso é procurador federal/AGU, doutor em Direito pela UFPE e membro da Comissão da Advocacia Pública da OAB/PE.

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