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Controle jurídico (Político?) prévio das normas e sua urgente implementação no ordenamento jurídico. Segurança Jurídica. Separação de poderes e a necessária convergência de interpretações para sua aplicação plena

O que se apresenta como reflexão é a necessária mudança do sistema de controle de constitucionalidade das normas para passarmos a adotar (também) o controle prévio de leis.

27/1/2020

Sem entrar no mérito da decisão do exmo. sr. dr. ministro do STF, Luiz Fux, que suspendeu, liminarmente1, e de forma monocrática, algumas normas do chamado “pacote anticrime”, entendo que já está mais do que na hora de discutirmos o necessário controle prévio e efetivo jurídico da norma, visando a segurança jurídica, um dos pilares para o desenvolvimento de uma sociedade.

Na separação dos poderes o que se buscou foi a separação de funções do Estado, mesmo considerando, de fato, o poder único e indivisível.

Ocorrendo a separação a tendência é o surgimento de divergência das opiniões, o que resulta em uma maior dificuldade de governabilidade e entendimento.

Nesse caso, a separação criada navega de acordo com os interesses, cada qual agindo em prol da sua melhor interpretação, seja por qual motivo for.

A tão sonhada separação apenas se faz eficaz e eficiente quando os interesses e objetivos são convergentes, o que importa dizer que uma norma será considerada apta ao ordenamento jurídico somente quando entre os poderes não houver qualquer divergência.

Uma lei no Brasil será declarada constitucional (sim, existe essa ação por aqui!) se na análise de sua “constitucionalidade” não houver nenhuma outra ofensa do ponto de vista individual ou de seu grupo.

Em uma sociedade como a brasileira, cujo interesse atual e primário é o individual (ou de grupos destacados) a separação de poderes torna-se perigosa e passível de “trocas” que buscam apenas a convergência com relação aos interesses “primários”.

“... . A Constituição é, finalmente, o resultado de sua interpretação, uma vez que uma coisa só é (algo, uma coisa) na medida em que é interpretada (porque compreendida “como” algo).“ 2

Não se está a propagar a ideia de que o poder volte a ser absoluto em um único poder. Jamais! Essa ideia parece não ser a ideal.

No entanto, caso tenha a separação de poderes, o mínimo que se pode esperar é a identidade de pensamento antes da norma entrar em vigor.

A título de exemplo com apenas uma sessão o STF pode acabar com todo um orçamento amplamente discutido no Parlamento.

Basta a decisão da Corte determinar a devolução de um determinado tributo declarado inconstitucional por seus membros.

Em decorrência desse absurdo criou-se, com a devida vênia, o que se chama na “engenharia doméstica” de “gambiarra”, ao criar a figura da “modulação dos efeitos”, a fim de evitar um “dano maior” (como a efetiva devolução do tributo no caso acima mencionado), sendo permitido ao STF considerar uma norma nula (inconstitucional) a partir de um determinado período (efeitos ex nunc), contrariando princípios básicos do direito.

Estaria, então, o Poder Judiciário apto a exercer o controle político da norma?

Não creio, com a devida vênia, que a análise de constitucionalidade não passe também na verificação do caráter político (ou, extrajurídico da norma), não se limitando apenas á análise de compatibilidade do texto com a norma principal, seja em qual controle for (posterior ou anterior).

O que não se pode permitir em um sistema como o nosso é que essa análise seja feita posteriormente á entrada em vigor da norma, sofrendo ainda mais a pressão de grupos que identificam o interesse individual como primário.

Para que isso não ocorra, ou seja amenizado, mister se faz implementar no Brasil, de forma imediata, o sistema de controle jurídico, efetivo e prévio de constitucionalidade da norma.

E para tanto seria necessário uma modificação da estrutura do STF e suas funções, destacando seu papel de Corte Constitucional propriamente dita, analisando as questões de constitucionalidade em abstrato, incluindo o controle prévio, e a função de Corte de Justiça, responsável pelo julgamento das demais competências do STF, tais como última instância, competência originária, dentre outras estabelecidas no texto constitucional.

E nesse ponto caberia a função de Corte Constitucional apenas a verificação da compatibilidade da norma que SE PRETENDE ingresso no sistema jurídico do país, e das que já ingressaram e que são passíveis de análise. O controle prévio buscaria evitar inúmeros problemas na aplicação da norma trazendo segurança jurídica a todos.

Como proposta o que seria interessante, em um primeiro momento, é a aplicação do controle prévio somente às leis que afetem os direitos fundamentais, bem como toda e qualquer emenda constitucional, sem impossibilitar ou vedar o controle posterior das demais.

A França, até pouco tempo, utilizava apenas o controle prévio, o que era bastante criticado pela doutrina, sendo criado o controle posterior através da Questão Prioritária de Constitucionalidade – QPC.3

O que não se pode ter é aprovação e entrada em vigor de uma norma, após ampla participação social, sem ao certo se ter a certeza de que aquela norma será, ou deverá ser aplicada, sem que antes se manifeste a Suprema Corte.

Imagine um governo que consiga aprovar junto ao Legislativo uma mudança na Previdência, e com isso tenha previsão de receita, inclusive já prevendo gastos, e seja surpreendido por uma declaração de inconstitucionalidade de alguma norma que possa afetar o referido cálculo?

Imagine um deputado que tenha trabalhado e gasto muitos recursos públicos em prol da aprovação da mesma norma, e essa venha a ser declarada inconstitucional? O quanto se gastou e moveu a população e servidores em prol de uma norma que não irá permanecer no ordenamento jurídico?

Nota-se claramente que a participação do Poder Judiciário, e vou além, a do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil nessa análise prévia seja extremamente necessária para a melhora do sistema atual.

Não ter um controle prévio da norma que se pretende inserir no ordenamento e que afete diretamente direitos fundamentais gera insegurança jurídica e possibilidade de aplicação de forma diversa pelos inúmeros órgãos do Poder Judiciário e pela própria Administração Pública.

Para tanto, o que se apresenta como reflexão é a necessária mudança do sistema de controle de constitucionalidade das normas para passarmos a adotar (também) o controle prévio de leis, especificamente ás relacionadas aos Direitos Fundamentais e das emendas constitucionais, com a participação do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil trazendo segurança jurídica a todos.

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1 https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=435253&ori=1

2 “Hermenêutica Jurídica e(m) Crise – Uma Exploração Hermeneutica da Construção do Direito’ – 8ª edição – Livraria do Advogado – Lênio Luiz Streck, pág. 308.

3 Le controle de constitutionnalité restait un contrôle a priori que seules les autorités politiques pouvaient déclancher. Sans doute, depuis longtemps, des voix s’élevaient en faveur d’un contrôle a posteriori. » La QPC – Gazette du Palais – Lextenso Éditions, 2ª édition, Sous la Direction de Dominique Rousseau, page 2.

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*Sérgio Antunes Lima Júnior é advogado, mestre em Direito pela Unesa-RJ e mestre em Direito pela Univ. Strasbourg, France.

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