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Uma contribuição à consulta do Banco Central sobre ATMs

O Banco Central divulgou recentemente a consulta pública 75/19, que contém proposta de regulamento que visa trazer para seu âmbito de regulação as atividades de saque e aporte nas máquinas de autoatendimento bancário, as chamadas ATMs.

24/1/2020

O surgimento de fintechs fomenta diversos debates envolvendo concorrência e regulação em atividades relacionadas ao sistema financeiro. No contexto dessas discussões, o Banco Central (BACEN) divulgou recentemente a consulta pública 75/19, que contém proposta de regulamento que visa trazer para seu âmbito de regulação as atividades de saque e aporte nas máquinas de autoatendimento bancário, as chamadas ATMs. O ponto de partida da Consulta Pública é que é necessária a regulação com o fim de proporcionar acesso aos serviços de saques e aporte em ATMs aos bancos digitais, emissores de moeda eletrônica e bancos de menor porte.

A consulta pública inicia, assim, uma discussão em torno da relevância de uma rede que viabiliza acesso a papel-moeda num mundo cada vez mais digital. Trata-se de tema relevante, uma vez que o aumento da concorrência e a inclusão financeira são premissas inquestionáveis. Entretanto, o tema suscita questionamentos extremamente complexos.

As dúvidas se dão em três níveis. O primeiro é de natureza econômica, posto que regulação de acesso obrigatório à rede de ATMs pode eliminar incentivos ao desenvolvimento de novas formas de negócio ou à entrada de novas empresas para concorrer neste setor. De modo similar, obrigações de acesso são muitas vezes acompanhadas por alguma forma de controle sobre modelos de remuneração de acesso, o que pode distorcer incentivos e produzir efeitos negativos sobre os consumidores.

O segundo nível de análise diz respeito ao design das obrigações regulatórias sob a ótica da teoria da regulação do Estado sobre a economia. Faria sentido nesse caso falar em interoperabilidade quando os bancos digitais não guardarão uma relação de reciprocidade, ou seja, não darão acesso a uma rede própria em contrapartida ao acesso às redes já existentes?

O terceiro aspecto envolve a disciplina jurídica da ordem econômica, tanto no que tange à Constituição Federal quanto às normas infraconstitucionais. É preciso discutir, de início, se uma regulação como a pretendida viola a Lei da Liberdade Econômica e/ou a livre iniciativa. Outro ponto é questionar se caberia ao Banco Central disciplinar a atividade por meio de regulação ou se eventuais mudanças dependeriam da aprovação de lei pelo Congresso Nacional.

 Esses questionamentos demandarão ampla discussão por parte da sociedade brasileira. Dado o inafastável risco de que a regulação possa trazer mais custos que benefícios, qualquer decisão deve ser amplamente refletida e discutida. Não por acaso, a recém-aprovada Lei da Liberdade Econômica demanda uma análise de impacto regulatório para qualquer forma de regulação pretendida pelo Estado.

Com o fim de contribuir para esse debate, e considerando que o tema tem sido objeto de simplificações um tanto oportunistas em certos foros, gerando muita desinformação e confusão, é relevante destacar alguns pontos factuais centrais à discussão.

Nesse sentido, um fato geralmente ignorado (intencionalmente ou não) é a existência de redes de ATMs que não são exclusivas de uma ou outra entidade financeira. Há mais de 23 mil ATMs em todo o território nacional que não são vinculadas a um banco específico. O papel social dessas ATMs tem sido fundamental na inclusão financeira da população, pois as máquinas, nos últimos anos, chegaram a locais distantes e beneficiaram clientes bancários que antes sofriam para sacar e depositar dinheiro em espécie, trazendo liquidez a economias locais com altíssimo grau de inovação em termos de logística, segurança e tecnologia, resultando numa operação extremamente eficiente.

O mercado das ATMs é um segmento com potencial de expansão, e o desejável é que isso seja levado a cabo por meio da livre concorrência. As empresas que nele atuam praticam preços competitivos e acessíveis aos bancos de menor porte, às novas instituições bancárias digitais e fintechs. Diferentemente do que alguns querem fazer crer aproveitando a oportunidade da Consulta Pública, não há discriminação em desfavor dos agentes de pequeno porte ou fintechs.

A maior evidência de que as condições de acesso e preço são objetivas e pró-competitivas é que integram a rede da maior empresa do segmento, a TecBan (Banco 24 Horas), mais de 100 instituições. São empresas de distintos portes, incluindo fintechs e bancos pequenos. Não há registro de qualquer caso de instituição que tenha pleiteado acesso à rede da TecBan e tenha tido seu pedido negado por razões arbitrárias. É, inclusive, do interesse da TecBan que mais e mais instituições sejam incluídas na rede. Justamente por reconhecer a importância das fintechs, a TecBan criou recentemente um programa chamado Hub Digital, que proporciona a instituições financeiras de pequeno porte, instituições de pagamento, fintechs e bancos sociais condições facilitadas de acesso e preço para desfrutar dos serviços do Banco24Horas. Portanto, no presente, todo e qualquer agente financeiro pode contar com a rede de ATMs Banco24Horas. Antes de qualquer regulação, a TecBan já oferta acesso amplo e não discriminatório a sua rede a todos os agentes independentes, incluindo fintechs e bancos digitais, disponibilizando, ainda, a seus clientes quatro saques digitais gratuitos por mês.

Diante desse contexto em que já existe ampla rede de ATMs acessível a todos os agentes financeiros em condições não discriminatórias, qualquer proposta de regulação impondo obrigações de acesso e controle de precificação deve ter muito cuidado para não distorcer as condições de mercado que fomentaram ampla evolução de uma rede aberta e acessível, e que vem claramente beneficiando os consumidores com maior inclusão financeira. A regulação pode ter efeitos adversos importantes neste caso, incluindo alterações na estrutura de remuneração que gerem a necessidade de cobrança direta dos consumidores pelo uso dos ATMs, o que significaria amplo retrocesso em termos de acesso da população e inclusão financeira.

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1 Disponível em: clique aqui. Acesso em: 16 jan. 2020.

2 Disponível em: clique aqui. Acesso em: 16 jan. 2020.

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*José Del Chiaro é ex-secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça, sócio fundador da Advocacia José Del Chiaro, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e membro do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP). É advogado da TecBan.

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