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Recurso cabível da decisão que homologa a liquidação da sentença - Da impossibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal

A problemática se instaura a partir do momento que se confunde o que de fato coloca fim a lide, ou pelo menos a questão colocada em discussão, vez que fácil perceber a linha tênue que separa determinadas situações.

21/1/2020

A questão que se traz a discussão está inserida em um dos principais problemas contemporâneos, no que se refere a tipicidade dos recursos, vez que muito já se debateu sobre a fungibilidade recursal.

Sempre com o fito de evitar injustiças, o princípio da fungibilidade recursal já foi amplamente suscitado, levando-se em consideração as dúvidas que pairavam sobre qual o tipo de recurso deveria ser apresentado em determinadas situações decisórias.

Dentro da predominância doutrinária, mesmo sendo compreensivo para organização dos procedimentos jurídicos, é pacífico o entendimento de que quando estamos a frente de uma decisão que põe fim a determinado processo, tal decisão importa na interposição do recurso de apelação, e, em contrapartida, caso estejamos diante de uma decisão que não extingue a demanda, respeitando as possibilidades dentro do “rol taxativo mitigado” do artigo 1.015 do CPC, o recurso, via de regra, será o agravo de instrumento.

A problemática se instaura a partir do momento que se confunde o que de fato coloca fim a lide, ou pelo menos a questão colocada em discussão, vez que fácil perceber a linha tênue que separa determinadas situações.

Como situação do artigo em apreço, o cerne da questão é justamente encontrar a natureza jurídica da liquidação da sentença, bem como encontrar o melhor caminho recursal quando esta fase processual é decidida.

Podemos afirmar que, a doutrina é dividida quando se fala sobre a sua natureza jurídica, uma vez que tem perfil de ação de conhecimento, com característica de ação incidental.

Vale dizer, a fase de liquidação da sentença ainda se encontra na fase cognitiva, dentro do sincretismo processual, mas com certa autonomia, não tendo dependência da ação originária que lhe deu ensejo, bem como da ação executiva que poderá ser iniciada após liquidada a sentença.

Ou seja, desenhada desta maneira, muitos são os erros cometidos pelos advogados que, diante de uma decisão que homologa os cálculos apresentados pelo liquidante e coloca fim a esta fase processual, apresentam por equívoco, recurso de apelação.

Tal conduta gera enorme prejuízo a parte que sucumbiu, uma vez quem seu recurso não será conhecido, inexistindo hipótese de haver emenda ou aplicação do princípio de fungibilidade recursal.

O Superior Tribunal de Justiça, alinhado aos demais tribunais pátrios, tem o tema já pacificado, entendendo como erro grosseiro a interposição do recurso de apelação no lugar do recurso de agravo de instrumento. Vejamos:

TRIBUTÁRIO. DECISÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA QUE NÃO EXTINGUE A EXECUÇÃO. ART. 475-H DO CPC/73. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO. ERRO GROSSEIRO. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. PARA CONHECER DA APELAÇÃO. PRECEDENTES. ALEGAÇÃO DE DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SÚMULA N. 83/STJ. I - A jurisprudência do STJ é no sentido de que, conforme prevê o art. 475-H do CPC/73, o recurso cabível contra decisão de liquidação é o agravo de instrumento. Assim, entende-se que a interposição de apelação constitui erro grosseiro que impede a aplicação do princípio da fungibilidade. Precedentes: REsp n. 1.650.609/RJ, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 14/3/2017, DJe 27/4/2017; AgRg no REsp n. 1.044.447/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 7/11/2013, DJe 11/12/2013; e EDcl no AREsp n. 257.973/MG, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 7/2/2013, DJe 26/2/2013. II - Ainda de acordo com a jurisprudência desta Corte, entende-se que a decisão judicial que resolve incidente de liquidação deixa de ter natureza interlocutória se extinguir o próprio processo, sendo cabível nesses casos a impugnação da decisão por meio do recurso de apelação. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 1.054.164/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 15/8/2017, DJe 21/8/2017. III – [...] V - Agravo interno improvido. (STJ - AgInt no REsp: 1623408 PB 2016/0230536 - 1, Relator: Ministro FRANCISCO FALCÃO, Data de Julgamento: 05/02/2019, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/02/2019)[g.n.].

APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA - APURAÇÃO DOS LUCROS CESSANTES RECONHECIDOS NO TÍTULO JUDICIAL A FIM DE POSSIBILITAR SUA EXECUTORIEDADE – LIQUIDAÇÃO QUE REPRESENTA INCIDENTE DO PROCESSO DE CONHECIMENTO – PRONUNCIAMENTOS JUDICIAIS PROFERIDOS NO CURSO DA LIQUIDAÇÃO TÊM NATUREZA INTERLOCUTÓRIA – DECISÃO IMPUGNADA PELA VIA INADEQUADA – RECURSO CABÍVEL É O AGRAVO DE INSTRUMENTO – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.015, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC/15 - Recurso não conhecido. (TJ - SP 00229617020168260196 SP 0022961 - 70.2016.8.26.0196, Relator: Cesar Luiz de Almeida, Data de Julgamento: 12/06/2018, 28ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 13/06/2018) [g.n.].

Linha de raciocínio esta que permanece presente desde o advento da lei 11.232/05, que reorganizou o Código de Processo Civil de 1973, na parte condizente ao capítulo IX – Da Liquidação da Sentença, mais precisamente no seu artigo 475 - H que dizia: “Da decisão de liquidação caberá agravo de instrumento”.

Tal sistemática se manteve com a chegada do novo caderno processual, contudo de maneira diferente, vez que o artigo que apontava expressamente qual o recurso cabível dentro do próprio capítulo da liquidação da sentença, foi levado capítulo correspondente ao recurso de agravo de instrumento, justamente no famigerado artigo 1.015, precisamente em seu parágrafo único, que diz:

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

Neste prisma de observância, podemos afirmar que caberia crítica ao sistema, vez que muitos defendem a fase de liquidação da sentença como procedimento sincrético, mas com natureza de ação autônoma e que faz parte de um complemento do dispositivo sentencial.

Importa ainda afirma que, em harmonia com o princípio da primazia da decisão de mérito, o relator deve conceder prazo legal para que o recorrente faça a adequação necessária a peça para atender à finalidade e às formalidades do recurso adequado, conforme parágrafo único do artigo 932 do CPC/2015.

Outro ponto a ser considerado, é o fato de que os autos têm a tendência de se tornarem em definitivos como eletrônicos, premissa essa que deve ser levado em consideração, não havendo a necessidade de suscitar o artigo 1.017 e 1.018 como justificativa.

No mais, devemos somente levar em consideração que o recurso de apelação possui efeito suspensivo, enquanto o recurso de agravo de instrumento tem efeito suspensivo ope judicis. Entretanto, mesmo ocorrendo a interposição do recurso de apelação no lugar do recurso de agravo de instrumento, este poderia ser admitido, revestindo-se de agravo, não ocasionando qualquer tipo de prejuízo as partes.

Portanto, diante do demonstrado, podemos afirmar que, questionável sim, seria a não aceitação do recurso de apelação por meio da fungibilidade recursal frente a uma decisão que homologa o quantum debeatur na fase de liquidação da sentença, uma pelo fato desta fase recursal ter natureza integrativa da decisão primária (sentença), outra por não causar maiores prejuízos a parte contrária, e por último, pelo fato de ser dever do julgador intimar o recorrente para emendar e sanar o vício dentro da sua peça recursal.

______________

*Cesar Matos Silva é pós-graduado em Administração, gestão e marketing do negócio jurídico e pós-graduando em processo civil pela PUC-SP. Advogado do escritório Ferreira e Chagas Advogados.

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