A lei, embora seja um instrumento normativo e disciplinador das atividades humanas, nem sempre recebe aplausos da população porque, em grande parte dos casos, traz em seu conteúdo regras limitadoras ou até mesmo as que majoram tributos, impostos e taxas, que irão trazer sérios dissabores aos contribuintes.
Mas algumas leis, por outro lado, canalizam seu conteúdo pelo campo estritamente social visando aperfeiçoar o relacionamento humano, traçando novas diretrizes que irão gravitar em torno do reconhecimento de novos direitos com acentuada tutela humanista.
É o caso, por exemplo, da lei 13.977, de 8 de janeiro de 2020, conhecida por Lei Romeo Mion, que instituiu a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), a ser expedida gratuitamente pelos órgãos responsáveis pela execução da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Os estabelecimentos públicos ou privados engajados na divulgação poderão exibir a fita quebra-cabeça, que é o símbolo mundial do transtorno do aspecto autista, para sinalizar a prioridade de atendimento às pessoas assim consideradas.
Ao modificar a lei 12.764/12, conhecida por Lei Berenice Piana, a novatio legis estabelece claramente seus objetivos no art. 3º-A: “É criada a Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea), com vistas a garantir atenção integral, pronto atendimento e prioridade no atendimento e no acesso aos serviços públicos e privados, em especial nas áreas de saúde, educação e assistência social”.
O parâmetro basilar estabelecido na Constituição Federal quando erigiu a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental do Estado Democrático do Direito (art. 1º, III), assim como da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência, lei 13.146/15), é a promoção da igualdade entre as pessoas.
A Constituição Federal não ungiu cidadãos de primeira e segunda classes e nem criou uma base utópica protetiva, aparelhando as pessoas com os mesmos potenciais. Toda pessoa humana contém, na sua imensa grandeza, o sentido próprio do universo, assim como é depositária de todo o valor da humanidade. Se todos são iguais perante a lei, o regramento isonômico não permite outra interpretação a não ser um posicionamento inequívoco em defesa da vida.
A lei 12.764/12 é taxativa em afirmar que a pessoa com transtorno do espectro autista é pessoa considerada com deficiência para todos os efeitos legais e, consequentemente, passa a ser destinatária dos cuidados e direitos expostos no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Ribeiro, de forma arguta, comentando o artigo 4º da referida lei, arrebata: “Sua natureza jurídica incorporou um novo modelo social, alvidrado pelos Direitos Humanos, que é a reabilitação da própria sociedade como um todo, trazendo a necessidade de minorar as barreiras de exclusão e incluir a pessoa com deficiência na comunidade. Garante o Estatuto à pessoa com deficiência uma vida independente, com igualdade de direitos, no exercício de sua plena capacidade jurídica.”1
Percebe-se, até com certa facilidade nos dias atuais, que, ao lado da evolução e crescimento moral e espiritual do homem, uma nova estruturação legal também se desenvolveu no sentido de prestigiar a natureza humana em sua totalidade, fazendo ver que a unicidade do homem deve ser reconhecida, prestigiada e valorizada. Cada pessoa carrega a semente da humanidade, que assim vai se perpetuando e se aperfeiçoando.
A respeito de Romeo Mion é um jovem autista, entusiasta e cheio de vida, que contou com a incessante luta de seu pai e de toda comunidade autista para a aprovação da lei. A conquista, na realidade, é da comunidade brasileira.
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1 Ribeiro, Luciana Esteves Zumstein. Estatuto da pessoa com deficiência. Coordenador Antonio Cláudio da Costa Machado. São Paulo: Estante de Direito, 2019, p. 46.
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