Um caso típico de legítima defesa
Hugo de Brito Machado*
Causou grande estranheza, aos jornalistas que noticiaram o referido acontecimento, e especialmente ao ilustre cronista, o fato de haver sido a senhora, que portava arma e com ela se defendeu, presa e indiciada por porte ilegal de arma e lesão corporal grave. Crimes em conseqüência dos quais poderá vir a ser condenada a no mínimo três anos de cadeia, enquanto o assaltante foi indiciado por tentativa de roubo e assim poderá ser condenado a apenas um ano de reclusão.
Na verdade o caso comporta solução bem diferente. A assaltada que reagiu não pode ser punida porque se defendeu. A lógica e o bom senso dizem que ela não merece punição nenhuma. Pelo contrário, ela praticou uma conduta que, se adotada por todos, terminaria por eliminar ou reduzir consideravelmente a prática de assaltos. Conduta perigosa para ela própria, mas sem dúvida uma conduta com reflexos positivos para a sociedade. E sendo assim o Direito há de ter, e tem, solução adequada para o caso, que não a solução criticada por quantos até agora se manifestaram sobre o assunto.
A corajosa assaltada que se defendeu atirando no assaltante deve ser absolvida. O crime de porte ilegal de arma de fogo no caso foi absorvido pelo crime de lesão corporal. É crime meio porque ficou bastante claro que o único objetivo do porte da arma era a defesa pessoal. Não é que o porte de arma seja em geral permitido. Não é. Nas circunstâncias do caso, porém, era o único meio de defender-se eficazmente dos assaltantes que infestavam a área e a polícia não se mostrava apta a garantir a tranqüilidade das pessoas. E do crime de lesão corporal a indiciada deve ser absolvida por ter agido em legitima defesa.
Em geral a idéia de legítima defesa aparece ligada ao crime de homicídio. Fulano matou em legítima defesa porque se não o fizesse seria morto. Somente o direito à vida poderia ser protegido pela denominada autodefesa. Essa é uma idéia equivocada que se criou na mente das pessoas em geral em virtude das disputas freqüentemente travadas nos tribunais do júri popular, onde são julgados os que matam alguém. Equivocada porque na verdade a autodefesa é admitida com mais amplitude. Os direitos em geral podem ser defendidos por seus titulares diretamente, bastando para tanto que seja impraticável a busca de ajuda das autoridades.
A lei, aliás, é muito clara. Diz que não há crime quando o agente pratica o fato em legítima defesa. E entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. São as palavras da lei. Lógicas, aliás, porque não se justificaria impor a quem seja vítima de agressão a direito seu, permitir que o dano se consume sem nada fazer. Exige a lei, é certo, moderação no uso dos meios de defesa. E que o uso desses meios seja necessário. Tais exigências são razoáveis mas não podem ser concebidas de modo a anular a possibilidade de defesa eficaz do direito ameaçado.
A ninguém se pode negar o direito de ir e vir em locais públicos, com seus objetos de uso pessoal, sem ser molestado por assaltantes. A defesa esboçada pela senhora que foi vítima de assalto caracteriza plenamente a legítima defesa, causa de exclusão da ilicitude penal.
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*Juiz aposentado do TRF da 5a Região; Professor Titular de Direito Tributário da UFC e Presidente do ICET - Instituto Cearense de Estudos Tributários
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