Migalhas de Peso

Quando é necessário enfrentar com energia o que se sucede com o clima!

Sim, plantando, replantando, “tresplantando” árvores, seja onde for, seja reflorestando, certamente, com provas científicas sem contestação, os ecossistemas serão renovados e prestarão serviços de ecossistemas ou serviços ecológicos.

23/12/2019

O evento de Madri sobre as mudanças climáticas e seus efeitos, poucos mensurados até recentemente, mas que, no cotidiano, sentimos suas indeléveis consequências. E, como vem acontecendo nos últimos anos, busco em fontes idôneas propostas que me convençam: as melhores, mais custosas e viáveis, que formem um quadro adaptável para o futuro do homo sapiens! Elegi La Recherce1, como fonte primeira, dado o cuidado com que define suas fontes, propiciando as edições em um sóbrio editorial, com seu quinhão de atualidades, em um seríssimo Dossiê, com temas fundamentais dos mais variados, com sumários de livros dedicados a diversos campos do conhecimento, sempre acompanhados da respeitada seleção de textos, para concluir com uma agenda de eventos relacionados com atividades científicas, sociais, exposições, festivais dentro do Hexágono e jogos (enigmas, com respostas em separado), para concluir, sempre, com um tema inquietante e reflexivo.

Pois bem, desta vez, debrucei-me sobre um dossier sobre o clima, que se encaixa no título deste escrito.

Este dossier ocupa o espaço de treze páginas!2

Pela relevância das entrevistas e dos convidados a prestar seu depoimento sobre um tema decisivo para o homem contemporâneo e seu futuro na Gaia, sinto a necessidade de compartilhar com os interessados envolvidos na temática, de modo particular com os advogados da área, nos que saem dos casulos e pisam no brejo e no lamaçal das interpretações metafísicas para se sentirem à vontade com a pregação do Papa Francisco3.

1. Nathalie de Noblet-Ducoudré4 enfrenta com sólidos argumentos o relatório (08/08/2019) do Grupo de Experts Intergovernamentais sobre a Evolução do Clima (com a sigla, em francês, GIEC), dizendo, com franqueza, que a questão climatológica é crucial, para mostrar que o relatório do GIEC concentrou-se sobre o temas emergenciais: “onde nós vivemos, onde nós produzimos, onde nos alimentamos, onde respiramos” (p. 32).

Destaco do depoimento mais estas informações:

1.1. Setenta porcento das terras aráveis e livres de gelo são exploradas ou ocupadas pelos homens, no entanto,

1.2. As superfícies terrestres sofreram uma ampla pressão. Exploradas ou ocupadas pelos homens, com os solos se degradando, perderam uma parte de sua fertilidade, de sua capacidade de armazenar carbono e a biodiversidade que é o seu habitat. A isso se confere o efeito do clima, pois os continentes esquentam quase duas vezes mais que todo o planeta. E as consequências disso são incontestáveis, a saber, prolongados e graves e, em cotejo, as chuvas são mais intensas e as inundações mais frequentes (aqui, no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte os estragos são pluviométricos). Além disso, a extensão da seca, em várias partes do globo, entre 1981 e 2010, reduziram áreas cultiváveis de milho e soja, diminuindo significativamente. E mais: aumento galopante da desertificação, com cerca de 1% ao ano, entre 1961 e 2013. E, de sobra, houve modificação nos ecossistemas terrestres, além de que os solos cada vez mais se degradam, acentuando-se as erosões, sem possibilidade de restauração, porque os níveis das marés sobem desproporcionalmente à expectativa e à capacidade de se aplicar investimentos suficientes e disponíveis. Tudo isso, lamentando mais, com as agressões a zonas bioclimáticas.5

1.3. Para debelar o problema, Nathalie sugere quatro categorias de soluções que são passiveis de se aplicar:

1.3.1. A primeira abarca as categorias de prevenção. Trata-se de parar o desflorestamento.

1.3.2. A segunda categoria diz respeito a reprimir a gestão dos sistemas agrícolas, dos sistemas de pastoreio e das florestas. Só para destacar, esses modos já são conhecidos e não podem ser utilizadas igualmente os mesmos em cada região. É óbvio, mas isso não ocorre (sublinho!).

1.3.3. Aqui, e não acontece com frequência, como terceira categoria, é indispensável criar e, sempre, sistemas de alerta. Que são eles? Simplesmente, eles agem quando há um evento e que permita reagir prontamente. Exemplo flagrante é o caso de Brumadinho em que tudo se deu fora do critério das boas práticas de prevenção e, agora, depois de tantos óbitos, tantos danos materiais, tantos danos ambientais, sociais, culturais, psicológicos, comunitários e políticos, procuram-se remediar com medidas inteligentes e técnicas adequadas. Mas, frente aos fatos, predominou o cinismo, a mentira corporativa, a falsa vigilância, a gritante manipulação técnica dos que assinavam laudos enganosos e manipulados!

1.3.4. A quarta categoria implica em repensar, reeducar e reimplementar tudo, ou quase tudo, no que se refere aos hábitos alimentares. Custe o que custar aos governos conscientes, se é que isso existe em qualquer parte de Gaia, começando nas escolas com as merendas escolares (quando não desviadas de seu propósito), com as comunidades, com as associações, com os grupos familiares e outros tantos para que se aumentem o consumo de cereais, de castanhas, de legumes e de frutas, para tentar reduzir a elevada taxa de carbono e, embora o agronegócio se lamente, ele poderá produzir carne com a combinação da policultura, ou seja, os animais; em resumo, o gado alimentado por uma programação dirigida ao consumo especifico, propiciando o enriquecimento do solo em matéria orgânica e favorecerendo o desenvolvimento da biodiversidade.

1.3.5. Isto, em sua aplicação, necessita de apoio do governo, sobretudo do Congresso na elaboração legislativa com pouco lobby, com forte intervenção fiscalizadora do Estado que precisa entender que, se abolidos muitos privilégios de certas e desonestas categorias, poderá, se quiser ou for constrangido, aplicar e controlar verbas destinadas à fiscalização do cumprimento da lei.

Sonho? Quem sabe?

Sim, plantando, replantando, “tresplantando” árvores, seja onde for, seja reflorestando, certamente, com provas científicas sem contestação, os ecossistemas serão renovados e prestarão serviços de ecossistemas ou serviços ecológicos: eles são os que produzem benefícios aos serem humanos diretamente.

Ouso advertir: a plantação de árvores não pode competir com as terras férteis e ela deverá operar com espécies ao contexto “pedagógico” climático e também visar se o contexto hidrológico foi observado nas plantações.

1.3.6. Finalmente, como parte final das considerações de Nathalie, as quais comentei e pontualizei com a realidade da minha prática ambiental, cumpre informar, com respaldo em fonte digna entre 2001 e 2015, milhões de hectares, ocorreu a perda de cobertura arborizada, na América do Norte, 70; na América Latina, 18; na Europa, 15; na África, 39; na Rússia, China e Ásia do Sul, 64; na Ásia do Sudeste, 39 e na Oceania, 10.

Socorro!

2. Passando ao segundo tema, constatado pelo relatório do Griec, como mal-estar, as geleiras derretem a olhos nus, o nível dos mares aumenta, os oceanos se esquentam e suas águas se tornam ácidas e estão desequilibradas as correntes marítimas.

Conclusão: é uma situação de fato crítica e comprovada que modifica profundamente os modos de vida e coloca em perigo os habitantes das zonas costeiras. E digo: em todo mundo.

2.1. Emendo: no contexto, “no curso do século XX, o nível dos oceanos aumentou 15cm, na escala mundial. Segundo diferentes cenários, em função da amplitude preconizada do aquecimento climático, esta alta poderá chegar de 30 cm a 1.10 cm de hoje até o fim do século”6.

2.2. E o articulista Vincent Bordenave, que redigiu o segundo tema As populações costeiras em segundo plano, profetizou:

Hoje, 680 milhões de pessoas habitam em regiões situadas a menos de 10 metros de altitude e eles serão provavelmente pelo menos 1 bilhão em 2050. O relatório (Griec) fala de 280 milhões de pessoas recolocadas em outros lugares em razão de que as águas subirão de hoje ao fim do século. Este número, todavia, não levado em conta pelos que deveriam (os políticos), porque ele não aparece em nenhuma publicação e não leva em conta forçosamente o conjunto de fatos. Para as populações costeiras ameaçadas, não haverá além de duas soluções: construir dique... ou partir.7

Pois é, em Veneza, já vão construir (novamente) diques, depois de os administradores terem deixado milhões de Euros para seus bolsas! Apocalipse now!

3. Sempre tendo suporte o relatório Giec, foi confiado pela Recherce ao professor Cheikh Mbow, diretor da plataforma de pesquisa Futuro da África, na Universidade de Pretoria, que elaborou um tema essencial para aquele continente: Como reconciliar nossa alimentação com o clima8.

3.1. Logo no início do seu artigo, o autor afirma que colaborou no relatório Giec, sobre o uso dos solos e a mudança climática. Categórico, sustenta que o empobrecimento dos solos, a redução de terras cultiváveis, a superalimentação e o desperdício, conduzem a uma ameaça global à provisão de alimentos.

3.2. Crítico do que rotula de “agricultura moderna”, apoliticamente, afirma – sim, afirma - levará a diversas consequências, sendo “de uma parte a integridade dos ecossistemas, de outra parte a saúde dos países ricos”, continuando no mesmo diapasão “a corrida pela abundância, corolário da riqueza econômica, conduziu, na Europa e na América do Norte, à exaustão dos solos e ao subconsumo alimentar”.

3.3. O professor Mbow é otimista, quando afirma o resultado desse desenvolvimento agrícola, que é nocivo e responsável pelo aumento de subalimentados no mundo, em apenas um ano: de 811 milhões passou a 820 milhões (2017 a 2018)! E, isso, provém da FAO (ONU)!

Pois muito bem, sempre com auxílio da FAO, paradoxalmente, comparou a obesidade (670milhões de pessoas): disse que há coexistência surrealista entre a subnutrição e a obesidade, com o mundo em um desequilíbrio alimentar, como andar no gelo sem o equipamento adequado. Daí, repetindo os mesmos graves efeitos (desertificação, precipitação das chuvas intensas ou calor exagerado), acentuam os desníveis produtivos e levam também uma assimetria, digo eu, no preço das commodities em manipulação bursátil e, como resultado, as populações, digo outra vez, (as populações) ficam inseguras e a fome campeia, sobretudo, nas camadas de baixa renda. Tout court, passaram-se de 22% a 35% na taxa que representa, ou pretende, os “sistemas alimentares” em todas emissões antrópicas de gás com efeito nocivo.

3.4. O professor Mbow não mencionou em nenhum ponto: I) os efeitos nocivos dos agrotóxicos; II) a perversidade da ausência de saneamento básico; III) o desequilíbrio nos cuidados médicos à população em geral, para enfrentar, vencer e sobrepujar, as secas, obstáculos climáticos, incêndios criminosos, precarização do trabalho (ao invés de proletários teremos precários)!

3.5. Com excelente tomada de atitude, Mbow busca construir um cenário bastante otimista para adaptação aos efeitos das mudanças climáticas, com a implantação de estratégias que busquem otimizar as colheitas, minimizar as perda alimentares, tentar (?) controlar as oscilações dos preços e aprimorar as práticas agrícolas, e, dentre as medidas, o escoamento rápido, seguro e eficiente dos produtos (dentro do território ou para exportação) e a garantia de que os padrões adotados sejam praticados!

3.5.1. O professor Mbow sugere que para uma “produtividade resiliente” devemos nos concentrar em quatro eixos: I) reduzir a perda na produção e distribuição dos alimentos, assim como as “perdas consentidas” (digo, para adaptar “desperdícios”); II) mudar os hábitos alimentares (digo, atacando as publicidades enganosas e proibindo que produtos propositadamente calóricos sejam oferecidos ao público, com maquiavélico pendor ao público infantil, quando se torna evidente o conluio com laboratórios farmacêuticos); III) sobrepujar os desafios que enfrentam os produtores para incrementar as culturas na Gaia (intensificação de métodos de produção durável, com a utilização de energia própria etc..) e IV) adotar práticas agrícolas duráveis, sobretudo, melhor gestão dos níveis climáticos e severo controle dos “mecanismos do mundo”.

3.6. O professor Mbow não escapa de assumir posição não resiliente defronte ao tema que aceita enfrentar. E, digo eu, deixa ao largo a necessária e a urgente decisão politica de redimir a dignidade dos povos do Continente africano e, sobretudo, da descontrolada corrupção política em seu país.

Enfim, quase todas as opções fundadas sobre a gestão da cadeia de valor (escolhas alimentares, redução as perdas após a colheita, redução do desperdício alimentar) e a dos riscos que podem contribuir à erradicação da pobreza e eliminação da fome.

Nossas sociedades são confrontadas com as escolhas prementes. O caminho em direção a uma produtividade resiliente e um ambiente, permitindo favorecer as condições de produção foi esboçado. Mas a tentação de tentação (de encontrar) soluções que ofereçam um ganho imediato e que permaneça vivo. Deveríamos continuar a seguir nosso modelo econômico cegamente face à uma ameaça crescente para a humanidade ou escolher uma vida que agregue, enfim, o progresso econômico à justiça social e os benefícios ambientais?”

Eu acrescento: o Continente africano não é composto unicamente de um tipo humano, mas abriga centenas de opções e tribos, logo...

4. O desejo histórico da atuação sobre os solos (ou as terras) para modificar o clima: desde quando isso pode ter ocorrido?

Dois pesquisadores, na verdade historiadores, foram encarregados de tentar apresentar fatos relevantes que pudessem juntar dados para oferecer uma revista razoável à inquietação: a Recherche9 elegeu Jean Baptiste Fressoz e Fabien Locher, ambos pesquisadores do renomado CNRS.10

4.1. Eu questiono: apenas o valor de estudar e dar importância para a história das ciências este tema?

E a resposta vem do “box” intitulado Os primeiros debates sobre a mudança climática não datam de hoje. No século XVI, eles mostram a ligação entre o desflorestamento, o ciclo de água e o clima. No fim do século XIX, cuidam do CO2, que era considerado na época, como um fator positivo.11

4.2. O debate, ao longo desse lapso temporal, nunca foi marginal, segundo os autores. E eles falam de histórias que irrompem das arenas políticas e científicas no interior da Academia das Ciências (francesa) e no Royal Society (inglesa), remontando ao inicio do século XIX. E eles preconizam que “avanços fundamentais ocorrerão” e o ciclo do carbono com “projeções que parecem atualmente espantosas tanto que a situação se tornou preocupante”.

4.3. Eu digo: não sei porque os historiadores não se debruçam sobre o Continente europeu, que sofreu fortemente. Exemplo histórico contundente a destruição de todo – enfatizo: todo! – Sul da Itália.

Lembro-me de Old Calabria12, de Norman Douglas, que abordou os graves efeitos do desflorestamento do Sul da Itália e ainda demonstrou que, simplesmente, isto conduziu toda a região a um verdadeiro deserto de habitantes, pois a malária grassou de forma contundente. Foram as causas que levaram a Calabria a se degradar: e, com isso, impulsionado o desemprego, começaram a surgir organizações criminosas que depois de espalharam por toda a região (Máfia, Camorra e 'Ndrangheta).

4.4. Historicamente, não se pode apartar das mudanças climáticas in genere da questão social, com suas diversas nuances. E espero que isso possa ocorrer!

Finalizando, cito Leonardo Caffo13:

A filosofia contemporânea é uma questão da vida em periferia. Estamos conscientes de nosso papel marginal e entendemos que a ecologia é mais importante que a metafísica. Então, em que modo podemos organizar o futuro?

4.5. Digo e peço a quem se interessar sobre o que ocorre em São Paulo, para melhorar o ambiente, consulte: curucutu.org.com.

_____

1 Dossier spécial Climat: les consensus scientifique après les trois rapports du Giec. Nov. 2019, nº 553.

2 p. 32 a 45.

3 Papa Francisco. Carta Encíclica: Laudato Si: sobre o cuidado da casa comum, 2015.

4 Bioclimatóloga, é pesquisadora do laboratório de ciências do clima e meio ambiente (CEA, CNRS e universidade de Versalhes Saint-Quentin-en-Yvelines).

5 Define-se uma zona bioclimática aquela que é o abrigo térmico e pluviométrico de um bioma (p.33).

6 Idibem, p. 37.

7 Idibem, p. 38.

8 Idibem, p. 39.

9 p. 44-5.

10 Fressoz e Locher dirigem suas pesquisas em um grupo que trabalha com o núcleo de historiadores envolvidos na evolução da difusão ambiental na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris.

11 Estampado na página 44.

12 DOUGLAS, N. Old Calabria. Londres: Century Publishin Co,, 1985.

13 La vita di ogni giorno: cinque lezioni di filosofia per imparare a stare al mondo. Torino: Giulio Einaudi editore s.p.a, 2016, p. 114.

______

 

*Jayme Vita Roso é advogado e fundador do site Auditoria Jurídica.

 

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