Proxy e o Mercado de Capitais Brasileiro: Comentários Iniciais
José Luiz Homem de Mello*
Leonardo Cruz*
Nesse contexto, surgem novas questões com relação à distribuição de poderes entre acionistas e administradores, e aos conflitos de interesses daí decorrentes. Em relação à governança das companhias, o Conselho de Administração passa a exercer um papel central, de representante dos interesses de todos os acionistas, de liderança no estabelecimento de diretrizes e metas, e de acompanhamento e supervisão dos seus resultados.
No entanto, a participação dos acionistas é de fundamental importância para o monitoramento e fiscalização do Conselho de Administração, garantindo que sua atuação seja sempre pautada pelos seus interesses. Nesse sentido, a tendência nos EUA e em outros países em que a grande maioria das companhias tem capital pulverizado é o incentivo à participação dos acionistas, que muitas vezes não têm o mesmo interesse de participar do processo decisório em vista de sua reduzida participação acionária. Uma forma de facilitar e permitir essa representatividade é através do uso da sistemática de voto por proxy.
O conceito de proxy vem do direito norte-americano e está ligado ao conceito de representação (agency). Consiste em um mecanismo de representação/mandato de acionistas em assembléias gerais por terceiros, usualmente administradores e/ou outros acionistas, para votação de matérias previamente informadas por meio de correspondências e/ou anúncios. O acionista envia seu cartão de proxy já com o teor do voto pelo correio, para ser considerado na assembléia. Ou seja, nada mais é do que uma procuração para que alguém represente os acionistas em determinada votação em assembléia e com instrução específica se o voto é favorável, contrário ou se há a abstenção.
A utilização da sistemática de voto por proxy se tornou prática comum nos EUA desde sua criação em 1934, e tem como principal objetivo permitir a tomada de decisões pelas companhias, considerando a generalizada pulverização de capital e o reduzido número de acionistas que comparecem às assembléias gerais. Assim, verifica-se que o voto por proxy é um artifício que facilita a aprovação de deliberações em assembléias gerais de acionistas em resposta (i) à dificuldade de reunião de um grande número de pessoas em um mesmo local, data e horário e (ii) ao absenteísmo.
O uso da proxy no mercado americano é detalhadamente regulado pela Securities Exchange Comission - SEC1. Nesse sentido, vale o registro de alguns conceitos aplicáveis à realidade americana:
(a) Proxy Form/Card: uma espécie de cédula de voto por meio da qual o acionista aceita a representação em assembléia geral pelo terceiro e indica se concorda, rejeita ou se abstém de votar a deliberação indicada no documento;
(b) Proxy Statement: documento recebido pelo acionista junto com a proxy form, que contém informações sobre todas as matérias constantes da ordem do dia, vantagens e desvantagens da proposta apresentada, de forma que o acionista possa tomar uma decisão informada sobre a matéria a ser deliberada;
(c) Solicitation: pedido de autorização à SEC encaminhado pelos interessados em obter as proxies para representação de acionistas em assembléia geral.
As proxies são utilizadas como importante instrumento de disputa de poder nas companhias americanas, principalmente quando se trata de eleição e/ou manutenção dos administradores. Nesse cenário, acionistas descontentes com a forma de condução dos negócios da companhia e executivos interessados em perpetuar suas posições na administração travam confrontos pela coleta de proxies que lhes confiram forças para a defesa de seus interesses nas assembléias gerais de acionistas (proxy fights). As proxy fights ocorrem todos os anos nos Estados Unidos e envolvem as mais diversas questões relacionadas às companhias, desde a administração, conforme exemplo acima mencionado, fusões, aquisições e reorganizações, até a alteração de políticas ambientais.
Atualmente, discute-se nos EUA a utilização da internet para que o investidor acesse o material do voto por proxy e possa imprimir seu voto (proxy card). Entre outros pontos, algumas das propostas discutidas chamam a atenção, por exemplo: (i) os acionistas deverão permanecer com o direito de receber os documentos impressos; (ii) meios para certificar a validade de assinatura na proxy card; e (iii) prazos e condições para informar os acionistas acerca dos materiais e informações disponibilizados na internet2.
Após os breves comentários sobre a aplicação das proxies no mercado norte-americano, fazemos algumas considerações sobre a utilização de procurações no direito societário brasileiro.
Inicialmente, comentamos que os quoruns de instalação de uma assembléia em uma sociedade anônima brasileira são altos para padrões de companhias com capital pulverizado (ressalvadas as exceções previstas em lei, em primeira convocação, 25% do capital social com direito de voto, em segunda convocação, em qualquer número3).
A legislação brasileira permite a representação de acionista por procurador constituído há menos de um ano, e precisa ser acionista, administrador ou advogado e, no caso de companhias abertas, pode também ser instituição financeira7.
O §2° do artigo 126 da Lei n° 6.404/76 (clique aqui) prevê a possibilidade de pedido de procuração, mediante correspondência ou anúncio publicado, sem prejuízo da regulamentação que sobre o assunto vier a baixar a Comissão de Valores Mobiliários, observado ainda que o pedido deve (i) conter todos os elementos informativos necessários ao exercício do voto pedido; (ii) facultar ao acionista o exercício de voto contrário à decisão com indicação de outro procurador para o exercício desse voto; (iii) ser dirigido a todos os titulares de ações cujos endereços constem da companhia. O §3° do mesmo artigo 126 estabelece a faculdade de acionistas titulares de, no mínimo, meio por cento do capital social da companhia, solicitarem relação de endereços dos acionistas para o envio de pedido de procurações.
A própria Exposição de Motivos da Lei n° 6.404/76, vislumbrando uma futura pulverização de capital das companhias brasileiras, menciona a função do pedido público de procurações, fazendo, inclusive, referência expressa às proxy fights ocorridas nos EUA8.
Uma leitura do §2º do artigo 126 da Lei n° 6.404/76 dá a entender que, apesar de a CVM ter o poder de regulamentação sobre a matéria, já é possível aplicá-lo. No entanto, vários doutrinadores9 expressam a importância de que esse tema seja regulamentado pela CVM, com intuito de (i) definir os contornos técnicos que deverão ser observados nos pedidos de procuração e a forma de controle da atividade por parte daquele órgão, e (ii) evitar abusos pelos agentes de mercado. Essa regulamentação ainda não foi emitida.
Entendemos que a regulamentação da CVM deverá pautar-se nos princípios da publicidade e da igualdade, sendo o primeiro entendido pelo disclosure de informações necessárias ao exercício do voto, mediante a remessa de informações e documentos aos acionistas, possibilitando que estes decidam sobre o mérito do pedido, até mesmo exprimindo sua oposição às medidas propostas. Enquanto que, pelo princípio da igualdade, entende-se como o zelo no equilíbrio de forças entre administradores e acionistas em proxy fights, considerando a possibilidade de administradores se beneficiarem da estrutura da companhia para o controle e manuseio de informações.
Em relação à regulamentação da matéria, alguns dos itens a serem considerados são os seguintes:
(a) qual o conteúdo mínimo de informações que o pedido de procurações deveria conter, e se será previamente submetido à CVM para registro, para verificação de que as informações apresentadas aos acionistas solicitados são suficientes para uma tomada de decisão consciente;
(b) quais as conseqüências se esse pedido de procurações contiver informações incorretas ou omissões;
(c) se a companhia arcará integralmente com os custos do pedido de procuração pelos administradores;
(d) regular o sistema de envio de pedido de procurações por acionistas opositores, seja por intermédio da companhia, seja por conta própria, e o tratamento de respectivos custos na confecção de materiais e envio;
(e) definição da forma e periodicidade de publicação de correspondências e/ou anúncios para a coleta de procurações;
(f) de que forma a internet poderá ser utilizada nesse processo.
Há ainda uma dificuldade adicional em relação aos acionistas estrangeiros, já que procurações advindas do exterior devem ser notarizadas e legalizadas no Consulado Brasileiro, traduzidas e registradas em Registro de Títulos e Documentos.
Por fim, comentamos que a matéria que vem ganhando interesse entre as companhias brasileiras. O debate entre os diversos participantes do mercado é bem-vindo para examinarmos a utilidade de que o pedido de procurações seja futuramente regulamentado no mercado de capitais brasileiro.
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1Securities Exchange Act de 1934 e Rules 14a-<_st13a_metricconverter productid="1 a" w:st="on">1 a 14a-13; 14c-<_st13a_metricconverter productid="1 a" w:st="on">1 a 14c-7; e 14d-<_st13a_metricconverter productid="1 a" w:st="on">1 a 14f-1, entre outros normativos.
2Atualmente, toda essa documentação deve ser encaminhada pela companhia pelo correio.
3Art. 125 da Lei n° 6.404/76
4Art. 129 da Lei n° 6.404/76
5Art. 136 da Lei n° 6.404/76
6Art. 136, §2º da Lei. 6.404/76. A esse respeito, no Processo CVM RJ 2006/3453 há autorização recente concedida à Eternit S.A. para redução do quorum qualificado estabelecido no §2° do art. 136 da Lei. 6.404/76, haja vista a moderada dispersão de seu corpo acionário e a comprovação de ausência, nas últimas três assembléias gerais, de acionistas titulares de ações superiores a 50% das ações votantes.
7Art. 126, §1º da Lei 6.404/76.
8Comentários sobre a Assembléia Geral no Projeto de Lei e a Exposição de Motivos da Lei n° 6.404/76: “(...) (e) o §2° do artigo 126 confere à CVM competência para disciplinar o pedido público de procurações que, embora não usual no Brasil, poderá ocorrer - a exemplo das conhecidas proxy fights da prática americana - quando aumentar entre nós, o número de companhias com capital amplamente distribuído no mercado.”
9Nesse sentido, Modesto Carvalhosa, in Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, pág. 692 e ss., 2° Volume, 3° edição, 2003, ed. Saraiva. J.C. Lacerda de Sampaio, in Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, pág. 65, Vol. 3, 1978, ed. Saraiva. Roberto Barcellos de Magalhães, in Lei das S.A., pág. 533, Vol. 1, 2ª. Edição, 1997, ed. Freitas Bastos.
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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