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Um guia para advogados brasileiros: o pedido de discovery nos termos da seção 1782

O Discovery sob a seção 1782, se bem utilizado, pode ser uma importante ferramenta a advogados brasileiros que queiram reforçar os mecanismos de obtenção de provas disponíveis e, em última instância, aumentar suas chances de sucesso.

18/12/2019

Em geral, advogados de fora dos Estados Unidos ficam admirados com o nosso processo de Discovery. Tal processo é gerido primordialmente pelas partes sem o envolvimento constante dos tribunais. A fase de Discovery, no entanto, pode ter um custo bastante elevado e a maioria das disputas comerciais complexas chega a custar milhões de dólares apenas na fase de e-Discovery (Discovery de documentos eletrônicos). Além disso, o Discovery é um processo extenso, para dizer o mínimo. De acordo com a Federal Rules of Civil Procedure dos EUA, para que o Discovery seja cabível, a parte precisa apenas comprovar que o objeto do pedido não está sob sigilo profissional e que é, de alguma forma, “relevante” para seu pleito ou defesa1.

Dado esse escopo abrangente, os mecanismos de Discovery dos Estados Unidos – que podem incluir solicitações de documentos e depoimentos das principais testemunhas e empresas, entre outros – são ferramentas poderosas para fundamentar um caso. Muitos advogados estrangeiros (principalmente aqueles atuando no polo ativo da ação) frequentemente desejam ter acesso a ferramentas semelhantes. A seção número 1782 do title 28 do United States Code (“Seção 1782”) atende a esse desejo.

Mais especificamente, a seção 1782 estabelece que uma federal district court nos EUA (i.e., uma vara federal de 1ª instância) “pode exigir” que uma pessoa física ou jurídica, que “resida” dentro da jurisdição do tribunal, “forneça seu testemunho, depoimento, apresente documento ou outro objeto para uso em um processo perante um tribunal internacional ou no exterior”.

Discovery nos termos da seção 1782 para utilização em procedimentos no Brasil

A seção 1782 vem se revelando uma ferramenta particularmente poderosa na produção de provas (Discovery) para utilização em processos em curso no Brasil. Tal Discovery já foi deferido para uso em diversos casos, desde litígios trabalhistas até processos criminais e de falência, entre outros.

Por exemplo, no caso In re Application for an Order for Judicial Assistance in a Foreign Proceeding in the Labor Court of Brazil, uma federal trial court do Northern District of Illinois (em Chicago) concedeu um pedido de produção de provas nos termos da seção 1782 para uso em processos que estavam em curso perante as 68ª e 72ª Varas do Trabalho da Capital de São Paulo. O caso envolvia uma ação de rescisão indevida ajuizada pelos ex-diretor presidente e ex-diretor financeiro de McDonald’s Comércio de Alimentos Ltda., uma subsidiária brasileira de McDonald’s Corporation. Os ex-diretores apresentaram, nos EUA, um pedido amplo de produção de provas nos termos da Seção 1782, requerendo resposta a interrogatórios, apresentação de documentos e depoimentos (depositions) de funcionários de McDonald’s referentes a diversos assuntos, incluindo, por exemplo, os registros da companhia sobre os diretores, a decisão de demiti-los, as políticas de rescisão de McDonald’s, questões sobre as franquias, questões tributárias, benefícios aos funcionários, observância da lei americana, auditorias contábeis e indenizações de seguros, entre outros tópicos. O tribunal concedeu o pedido de Discovery impondo apenas algumas limitações específicas.

Os tribunais dos Estados Unidos também ordenaram a produção de provas nos termos da seção 1782 para utilização em um processo no Brasil envolvendo questões de direito sucessório. No caso In re Application of Jurema Dimas de Melo Pimenta and Dimas de Melo Pimenta Filho, por exemplo, uma federal trial court em Miami deferiu pedido de produção de provas decorrente de alegações de ocultação de ativos distribuídos em um inventário. Dimas de Melo Pimenta faleceu e deixou um testamento que foi contestado perante a 7ª Vara de Família e Sucessões do Foro Central do Tribunal de Justiça de São Paulo. As partes – a viúva do sr. Pimenta, os dois filhos dela e os filhos do sr. Pimenta do primeiro casamento – resolveram a controvérsia por meio de um acordo, que estabelecia que, se quaisquer dos herdeiros ocultassem ativos, tais ativos deveriam ser distribuídos entre os filhos do sr. Pimenta. Os filhos de seu primeiro casamento apresentaram um pedido nos termos da seção 1782 para obtenção de informações sobre bens que, alegadamente, teriam sido ocultados pela viúva do sr. Pimenta. O pedido buscava documentos e depoimentos de pessoas e empresas que estariam envolvidas em tal ocultação de bens. O tribunal proferiu decisão favorável ao requerimento.

O pedido de Discovery nos termos da seção 1782 também já foi concedido para produção de provas a serem utilizadas em processos envolvendo direito de família no Brasil. Por exemplo, no caso In re Lopes, uma federal trial court em Miami deferiu o pedido feito nos termos da seção 1782 para produção de documentos a serem utilizados em processo de separação em trâmite em São Paulo. A sra. Lopes buscava informações sobre eventuais contas bancárias ou outros ativos financeiros mantidos em nome do marido para contestar a versão apresentada por ele perante o tribunal brasileiro de que não possuía contas nos Estados Unidos. O tribunal deferiu o pedido da autora, determinando a produção de documentos por dois bancos nos Estados Unidos. O Tribunal de Apelação do Eleventh Circuit confirmou a decisão.

Os tribunais também concederam pedido de Discovery de acordo com a seção 1782 para utilização em processos criminais no Brasil. Por exemplo, no caso Medeiros v. International Game Technology, ajuizado perante uma federal trial court em Nevada em 2016, o sr. Medeiros fez um requerimento de Discovery para utilização em um processo criminal relacionado à suposta posse ilegal de certos equipamentos de jogos de azar. Mais especificamente, o sr. Medeiros requereu a produção de documentos por parte de International Game Technology para reforçar sua tese de defesa apresentada no processo brasileiro de que os dispositivos que ele possuía foram importados para o Brasil antes de serem declarados ilegais. O tribunal concordou que os documentos solicitados eram relevantes para defesa e deferiu o pedido.

Como realizar um pedido de Discovery de acordo com a seção 1782

A seção 1782 permite que partes em processos no exterior utilizem os tribunais dos Estados Unidos e seus mecanismos de Discovery para obter documentos ou testemunhos de  pessoas residentes nos Estados Unidos. Para obter tal Discovery, as partes devem protocolar um requerimento comprovando: (1) que o destinatário do pedido de Discovery reside ou se encontra na jurisdição dos Estados Unidos em que o requerimento foi apresentado, (2) que o Discovery solicitado é para uso em “processo[s]” no exterior e (3) que a parte que busca o Discovery é uma “parte interessada”.

Primeiro passo: Identificar a jurisdição dos EUA em que a Parte alvo do pedido de Discovery reside

Determinar se uma pessoa física ou jurídica “reside ou se encontra” nos Estados Unidos é muito semelhante a estabelecer se um tribunal possui jurisdição sobre tal pessoa. Para pessoas físicas, o domicílio geralmente é determinado com base em sua residência, i.e., onde a pessoa mora. Para empresas e outras entidades, a consulta é um pouco mais complexa, mas, em geral, o domicílio é considerado a jurisdição em que as empresas foram constituídas ou mantêm seu principal estabelecimento comercial.

Para atender o requisito de domicílio, tudo que uma parte requerendo o Discovery deve fazer é protocolar o pedido conforme a seção 1782 na jurisdição em que o destinatário reside. Para a maioria das pessoas físicas ou jurídicas, uma simples pesquisa em registros públicos deve ser suficiente para identificar a jurisdição apropriada. Mas, às vezes, pode ser um pouco mais complicado.

No caso In re Application of Fernando Celso De Aquino Chad, por exemplo, um administrador judicial em um processo de falência perante a 9ª Vara Cível de São Bernardo do Campo apresentou um requerimento sob a seção 1782 para obrigar certos bancos americanos a apresentarem registros de transações financeiras, sob o argumento de que tais registros comprovariam a alegada diluição de ativos antes do pedido de falência. O tribunal concedeu o pedido apenas em relação aos bancos com sede em Nova York, onde o pleito de Discovery havia sido apresentado. O tribunal explicou que a jurisdição não poderia ser estendida aos outros bancos porque, embora eles operassem em Nova York, nenhuma das supostas condutas de tais bancos na cidade de Nova York estavam ligadas à alegada diluição de ativos que fundamentava o requerimento feito nos termos da seção 1782.

Segundo passo: Comprovar que as provas solicitadas no pedido de Discovery serão utilizadas em processos estrangeiros ou internacionais

A parte que busca o Discovery deve comprovar que os documentos ou testemunhos solicitados são “para uso em um processo perante um tribunal estrangeiro ou internacional”. Destaca-se que a lei não diz nada sobre se o processo deve já estar em andamento. A parte deve apenas apresentar indícios objetivos de que o protocolo da petição inicial ou o início do processo estão sendo considerados/contemplados caso o processo ainda não esteja em andamento.

Além disso, para ser qualificado como um “processo” (nos termos da seção 1782), alguns tribunais defendem que deve existir uma disputa pendente perante o tribunal estrangeiro ou internacional, ou seja, exige-se que o processo possua uma natureza “adjudicativa”. Assim, por exemplo, no caso Jiangsu Steamship Co. v. Success Superior Ltd., uma federal trial court de Nova York considerou que a seção 1782 não autorizava o Discovery para utilização em ação cautelar de arresto de bens (pre-judgment attachment proceeding) ou em processo de cumprimento de sentença (post-judgment execution proceeding), porque não havia disputa sobre responsabilidade nessas etapas.

Outros tribunais discordam. Por exemplo, o Tribunal de Apelação do Eleventh Circuit, que abrange a Flórida, entre outros Estados, adotou uma abordagem diferente. No caso In re Clerici, o tribunal considerou que a seção 1782 autorizava o Discovery para utilização em processos de cumprimento de sentença (post-judgment proceedings), nos quais a responsabilidade já fora definida.

Outra questão importante não resolvida em relação ao requisito de “processo” é se arbitragens internacionais privadas poderiam ser consideradas como “processo[s] em um tribunal estrangeiro ou internacional”. Pelo menos o Second e o Fifth Circuit dos Tribunais de Apelação dos Estados Unidos (abrangendo, mais significativamente, os Estados de Nova York e Texas) decidiram que arbitragens privadas não são “processo[s]” nos termos da seção 1782, visto que tribunais arbitrais constituídos por partes privadas não são “tribunal[is] estrangeiro[s] ou internacional[is]”. Consequentemente, de acordo com tais decisões, a seção 1782 não pode ser invocada para obter Discovery para produção de provas a serem utilizadas em uma arbitragem privada internacional.

Porém, o caso Intel Corp. v. Advanced Micro Devices, decidido pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 2004, colocou essas decisões em dúvida. Em tal caso, a Suprema Corte citou com aprovação artigo de autoria do prof. Hans Smit, um dos redatores da emenda proposta à seção 1782 no ano de 1964, que afirma que tribunais arbitrais são considerados “tribunais” nos termos da seção 1782. Até o momento, contudo, a Suprema Corte não decidiu esse ponto específico, de modo que os tribunais federais continuam divididos sobre tal questão (i.e., se as arbitragens internacionais privadas podem ser consideradas “processo[s] em um tribunal estrangeiro ou internacional” para fins da Seção 1782). 

Por exemplo, apenas alguns meses atrás, o juiz Rakoff, da District Court do Southern District of New York, decidiu no caso In re Petrobras Securities Litigation que, apesar da decisão da Suprema Corte no caso Intel, a seção 1782 não autoriza o Discovery para produção de provas a serem utilizadas em uma arbitragem privada. Por outro lado, apenas alguns dias antes de tal decisão, uma federal trial court de Rhode Island decidiu, no caso In re CMPC Celulose Riograndense LTDA., que tribunais arbitrais internacionais efetivamente constituíam “tribunais” sob a seção 1782, autorizando o Discovery para produção de provas a serem utilizadas em uma arbitragem no Brasil.

Desde então, o Tribunal de Apelação do Sixth Circuit, que abrange parte do sul e do centro-oeste americano, concordou com a decisão do tribunal de Rhode Island. No caso Abdul Latif Jameel Transportation Company Ltd. v. FedEx Corp., o referido Tribunal de Apelação decidiu que a seção 1782 autoriza o Discovery para produção de provas a serem utilizadas em arbitragens comerciais privadas.  Mais recentemente, uma federal trial court de Miami deferiu um pedido de Discovery feito sob a seção 1782 que buscava a produção de provas a serem utilizadas em uma arbitragem em trâmite em São Paulo. Por fim, cumpre ressaltar que tal questão (uso da seção 1782 em arbitragens privadas) também está atualmente pendente de decisão no caso Servotronics, Inc. v. Rolls-Royce PLC, perante o Tribunal de Apelação do Seventh Circuit, que abrange Illinois, entre outros Estados do centro-oeste.

Além de demonstrar que o processo em questão de fato atende ao requisito de “processo” nos termos da Seção 1782, a parte que busca o Discovery deve também demonstrar que os documentos ou testemunhos podem ser efetivamente utilizados no processo estrangeiro ou internacional. A parte não precisa demonstrar que necessariamente usará os documentos produzidos, tampouco que tais documentos ou outras provas são particularmente importantes. A parte deve apenas demonstrar a possibilidade de utilização das provas a serem produzidas. Assim, se os documentos ou testemunhos estiverem sujeitos à exclusão de acordo com alguma norma estrangeira ou de sigilo profissional (privilege), o pedido com base na seção 1782 pode não ser aceito.

Terceiro passo: Comprovar que a parte que busca o Discovery é uma “pessoa interessada”

Uma parte em um processo estrangeiro ou internacional é claramente uma “pessoa interessada” nos termos da seção 1782. No entanto, uma pessoa física ou jurídica com mera participação financeira ou ideológica no processo não o é.

O espaço entre esses dois extremos, no entanto, é um pouco confuso. Quando um terceiro requer o Discovery conforme a seção 1782, os tribunais normalmente avaliam, por exemplo: se o requerente tem o direito de apresentar tais evidências perante o tribunal estrangeiro, se a pessoa tem alguma relação com as partes (i.e., agente-principal ou empregado-empregador) e se a pessoa é um credor.

Quarto passo: Superar os fatores discricionários

Mesmo quando uma parte cumpre os três requisitos legais, no entanto, o pedido de Discovery pode ainda ser indeferido, uma vez que a decisão final é deixada ao critério discricionário da district court.

Ao exercer seu poder discricionário para deferir ou não um pedido sob a seção 1782, os tribunais em geral consideram (1) se o tribunal estrangeiro ou internacional poderia determinar o Discovery diretamente, (2) qual é a natureza de tal tribunal, (3) quais são as características do processo em trâmite no exterior, (4) se há receptividade à assistência dos tribunais americanos, (5) se a parte buscando o Discovery está tentando contornar restrições de coleta de provas no país estrangeiro ou órgão internacional e (6) se o pedido é excessivamente oneroso. A parte se opondo ao pedido de Discovery possui o ônus de comprovar que tais fatores discricionários (ou ainda outros fatores) demandam a rejeição de tal pedido.

Por exemplo, no caso In re Postalis, uma federal trial court em Nova York exerceu seu poder discricionário para negar o pedido feito por Postalis nos termos da Seção 1782. A Postalis, explicou a decisão, apresentou pedido de Discovery em face do Bank of New York Mellon para utilização de tais provas contra subsidiárias desse banco em processos no Brasil. À luz do relacionamento entre controladora e subsidiária, o tribunal considerou desnecessário o Discovery sob a seção 1782, porque o autor da ação poderia obter os documentos por meio de um pedido no processo brasileiro. O tribunal sugeriu, no entanto, que em outras circunstâncias – incluindo, por exemplo, a hipótese em que o tribunal estrangeiro não permitiria a produção de documentos pelas afiliadas da parte contrária –, o requerente poderia obter tais provas por meio de um pedido sob a seção 1782.

Ao elaborar pedidos sob a seção 1782, é importante considerar também a natureza dos processos em que as provas serão apresentadas. Por exemplo, um pedido de Discovery para ser utilizado em um sistema adversarial (adversary system) pode ter maior probabilidade de êxito do que um pedido para uso em um sistema inquisitorial (inquisitorial system). Nessa última hipótese, o requerimento sob a seção 1782 pode ser interpretado como uma tentativa de contornar restrições na produção de provas no processo estrangeiro.

Por fim, também é importante garantir que um requerimento sob a seção 1782 seja cuidadosamente formulado. Um pedido amplo de Discovery pode ser visto como uma busca excessivamente onerosa (fishing expedition).

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O Discovery sob a seção 1782, se bem utilizado, pode ser uma importante ferramenta a advogados brasileiros que queiram reforçar os mecanismos de obtenção de provas disponíveis e, em última instância, aumentar suas chances de sucesso.

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1 Artigo originalmente redigido em inglês e traduzido para o português.

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*Jessica Ortiz é sócia do escritório MoloLamken em Nova York.

*Lauren Weinstein é associada do escritório MoloLamken em Washington, D.C.

*Rafael Savastano é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados em São Paulo e associado estrangeiro visitante do escritório MoloLamken em Nova York, habilitado para advogar apenas no Brasil.

 

 

 

*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. 

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