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Insolvência civil vs. personal bankruptcy nos Estados Unidos

O instituto da insolvência civil no Brasil, e seu equivalente em outras partes do mundo, permite que um indivíduo seja declarado insolvente. Praticamente todos os países com um sistema jurídico moderno apresentam alguma forma de alívio das dívidas para pessoas físicas.

11/12/2019

O presente artigo pretende comparar o instituto da insolvência civil no Brasil, com o modelo de insolvência norte americano (personal bankruptcy). A insolvência civil se baseia na execução contra devedor insolvente, o qual o patrimônio total não é suficiente para honrar com suas dívidas, esse instituto é equiparado a falência, mas de pessoa física. Importante salientar que devido a sua baixa popularidade, o instituto da insolvência civil no Brasil, ainda é bastante desconhecido para as pessoas que estão fora do universo jurídico, e, portanto, a produção jurisprudencial é de pequena escala, tornando o tema ainda mais impopular. Entretanto, como veremos, o oposto ocorre nos Estados Unidos, que possuem um número bem maior de adesão ao personal bankruptcy, e com isso a dinâmica bem como o objetivo a serem alcançados são diferentes de um país para o outro.

A discussão tem como ponto de partida o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), que já trazia previsão legal ao instituto de insolvência civil e sua decretação como medida considerada extraordinária. O caminho processual adotado é o da liquidação do patrimônio da pessoa física, visando cumprir com as obrigações de tal devedor, e, portanto, havendo concorrência de todos os credores. Com o Código de Processo Civil de 2015 (NCPC) não houveram mudanças no que tange o instituto de insolvência civil, pois o NCPC não trouxe dispositivos específicos sobre o tema, apenas optando por ditar no seu art. 1052 que mantinha as disposições das prescrições do CPC/73. Por não contar com leis mais específicas e abrangentes, o instituto da insolvência civil é considerado análogo ao processo de falência, muito embora o primeiro seja aplicado a devedor pessoa física e o segundo a devedor jurídico. Portanto, facilmente se verifica como a legislação referente a esse instituto é de certa forma esparsa, gerando mais dúvidas que respostas, e infelizmente causando uma impopularidade do instituto de insolvência civil no Brasil.

Se, no Brasil, a insolvência é impopular, nos Estados Unidos a personal bankruptcy é tão popular que gera um receio grande entre os estudiosos da área, uma vez que, por qualquer prisma que se observe, resta claro que a insolvência civil não é remédio para todos. Por isso, nos Estados Unidos, as entidades públicas optaram por criar materiais educativos para conscientizar os cidadãos das vantagens e desvantagens de declarar personal bankruptcy, diminuindo assim o número de pessoas que declaram insolvência.

Outra observação, é que no Brasil, ainda que realizada pelo próprio devedor, a insolvência civil gera vencimento antecipado de todas as obrigações vincendas e liquidação do patrimônio do devedor não sendo levada em consideração (na verdade já desconsiderada), a boa-fé do devedor. Já nos Estados Unidos, o objetivo da decretação da insolvência é possibilitar ao devedor de boa-fé quitar as dívidas, com exoneração do passivo restante, de forma a garantir-lhe o chamado fresh start, gerando tempo para que esse devedor se reorganize financeiramente.

Por isso, importante verificar e enumerar as principais diferenças trazidas até o momento, de maneira a analisar e comparar de forma geral e básica o sistema brasileiro com o sistema norte americano no que tange insolvência civil.

a)    Quantidade de leis e jurisprudências tratando do tema é muito diferente, enquanto no Brasil é escassa, nos Estados Unidos é abundante;

b)    O instituto de insolvência civil no Brasil é quase um desconhecido, já nos Estados Unidos a personal bankruptcy é tão popular que muitas vezes é usada de maneira irresponsável, uma vez a personal bankruptcy é muitas vezes vista como milagrosa (o que não é verdade).

c)    Informações sobre insolvência civil estão em todas as partes nos Estados Unidos, e um enorme número de pessoas possuem acesso a tais informações, já no Brasil (como exposto), o instituto de insolvência civil é praticamente um desconhecido.

d)    Por fim, temos a diferença da presunção de boa-fé do devedor. Enquanto no Brasil o devedor é visto de maneira exageradamente negativa e somente em casos extremos as dívidas são perdoadas. Nos Estados Unidos, há uma possibilidade para o que o devedor de boa-fé possa realmente quitar suas dívidas, com exoneração do passivo restante, de forma a garantir-lhe um fresh start.

Importante salientar que no Brasil, o mecanismo de recuperação judicial destinava-se exclusivamente às pessoas jurídicas, entretanto, esse ano houve uma enorme novidade, que é a recuperação judicial do empresário rural pessoa física no Brasil. Um verdadeiro avanço nesse sentido, e claramente através desse instituto haverão mais projetos que abrangerão além do empresário rural, as pessoas físicas no geral.

Portanto, apesar de todas as diferenças que foram aqui apontadas entre a insolvência civil do Brasil e a personal bankruptcy dos Estados Unidos, a inovação da recuperação judicial do empresário rural no Brasil, alimenta a esperança de que novos projetos de lei nesse sentido serão finalmente aprovados, e desta forma avançaremos de maneira positiva para um sistema mais similar ao dos Estados Unidos. Afinal, é possível concluir sem maiores delongas que o individamente de pessoa física é matéria que requer maior cuidado, pois trata-se de um fenômeno de cunho social e jurídico.  

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Edmonds, Thomas N.; Stevenson, Leo J.; Swisher, Judith, Forgive Us Our Debts: The Great Recession of 2008-09, Journal of Legal, Ethical and Regulatory Issues, Vol. 14, No. 2, July 2011;

Cottle, Michelle, The Right to Default: When Did Bankruptcy Become an Accepted Fixture of Everyday Life?, The Washington Monthly, Vol. 29, No. 3, March 1997;

Baird, Douglas G.; Rasmussen, Robert K, The End of Bankruptcy, Stanford Law Review, Vol. 55, No. 3, December 2002;

Theodoro Júnior, Humberto, A Insolvência Civil - 6ª Ed., 2009;

ACS, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT, Insolvência civil X Falência, 2018.

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*Natasha De Vuono é advogada associada na MoselloLima Advocacia. Mestra em Direito Coorporativo e Economista pela Indiana University.

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