O presente artigo pretende comparar o instituto da insolvência civil no Brasil, com o modelo de insolvência norte americano (personal bankruptcy). A insolvência civil se baseia na execução contra devedor insolvente, o qual o patrimônio total não é suficiente para honrar com suas dívidas, esse instituto é equiparado a falência, mas de pessoa física. Importante salientar que devido a sua baixa popularidade, o instituto da insolvência civil no Brasil, ainda é bastante desconhecido para as pessoas que estão fora do universo jurídico, e, portanto, a produção jurisprudencial é de pequena escala, tornando o tema ainda mais impopular. Entretanto, como veremos, o oposto ocorre nos Estados Unidos, que possuem um número bem maior de adesão ao personal bankruptcy, e com isso a dinâmica bem como o objetivo a serem alcançados são diferentes de um país para o outro.
A discussão tem como ponto de partida o Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73), que já trazia previsão legal ao instituto de insolvência civil e sua decretação como medida considerada extraordinária. O caminho processual adotado é o da liquidação do patrimônio da pessoa física, visando cumprir com as obrigações de tal devedor, e, portanto, havendo concorrência de todos os credores. Com o Código de Processo Civil de 2015 (NCPC) não houveram mudanças no que tange o instituto de insolvência civil, pois o NCPC não trouxe dispositivos específicos sobre o tema, apenas optando por ditar no seu art. 1052 que mantinha as disposições das prescrições do CPC/73. Por não contar com leis mais específicas e abrangentes, o instituto da insolvência civil é considerado análogo ao processo de falência, muito embora o primeiro seja aplicado a devedor pessoa física e o segundo a devedor jurídico. Portanto, facilmente se verifica como a legislação referente a esse instituto é de certa forma esparsa, gerando mais dúvidas que respostas, e infelizmente causando uma impopularidade do instituto de insolvência civil no Brasil.
Se, no Brasil, a insolvência é impopular, nos Estados Unidos a personal bankruptcy é tão popular que gera um receio grande entre os estudiosos da área, uma vez que, por qualquer prisma que se observe, resta claro que a insolvência civil não é remédio para todos. Por isso, nos Estados Unidos, as entidades públicas optaram por criar materiais educativos para conscientizar os cidadãos das vantagens e desvantagens de declarar personal bankruptcy, diminuindo assim o número de pessoas que declaram insolvência.
Outra observação, é que no Brasil, ainda que realizada pelo próprio devedor, a insolvência civil gera vencimento antecipado de todas as obrigações vincendas e liquidação do patrimônio do devedor não sendo levada em consideração (na verdade já desconsiderada), a boa-fé do devedor. Já nos Estados Unidos, o objetivo da decretação da insolvência é possibilitar ao devedor de boa-fé quitar as dívidas, com exoneração do passivo restante, de forma a garantir-lhe o chamado fresh start, gerando tempo para que esse devedor se reorganize financeiramente.
Por isso, importante verificar e enumerar as principais diferenças trazidas até o momento, de maneira a analisar e comparar de forma geral e básica o sistema brasileiro com o sistema norte americano no que tange insolvência civil.
a) Quantidade de leis e jurisprudências tratando do tema é muito diferente, enquanto no Brasil é escassa, nos Estados Unidos é abundante;
b) O instituto de insolvência civil no Brasil é quase um desconhecido, já nos Estados Unidos a personal bankruptcy é tão popular que muitas vezes é usada de maneira irresponsável, uma vez a personal bankruptcy é muitas vezes vista como milagrosa (o que não é verdade).
c) Informações sobre insolvência civil estão em todas as partes nos Estados Unidos, e um enorme número de pessoas possuem acesso a tais informações, já no Brasil (como exposto), o instituto de insolvência civil é praticamente um desconhecido.
d) Por fim, temos a diferença da presunção de boa-fé do devedor. Enquanto no Brasil o devedor é visto de maneira exageradamente negativa e somente em casos extremos as dívidas são perdoadas. Nos Estados Unidos, há uma possibilidade para o que o devedor de boa-fé possa realmente quitar suas dívidas, com exoneração do passivo restante, de forma a garantir-lhe um fresh start.
Importante salientar que no Brasil, o mecanismo de recuperação judicial destinava-se exclusivamente às pessoas jurídicas, entretanto, esse ano houve uma enorme novidade, que é a recuperação judicial do empresário rural pessoa física no Brasil. Um verdadeiro avanço nesse sentido, e claramente através desse instituto haverão mais projetos que abrangerão além do empresário rural, as pessoas físicas no geral.
Portanto, apesar de todas as diferenças que foram aqui apontadas entre a insolvência civil do Brasil e a personal bankruptcy dos Estados Unidos, a inovação da recuperação judicial do empresário rural no Brasil, alimenta a esperança de que novos projetos de lei nesse sentido serão finalmente aprovados, e desta forma avançaremos de maneira positiva para um sistema mais similar ao dos Estados Unidos. Afinal, é possível concluir sem maiores delongas que o individamente de pessoa física é matéria que requer maior cuidado, pois trata-se de um fenômeno de cunho social e jurídico.
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*Natasha De Vuono é advogada associada na MoselloLima Advocacia. Mestra em Direito Coorporativo e Economista pela Indiana University.