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Os juros de mora sobre o débito trabalhista - A múltipla inconstitucionalidade da MP 905/19

Os juros de mora sobre o débito trabalhista devem continuar a ser apurados com base na redação original do art. 39 da lei 8.177/91.

9/12/2019

“Quando chegar o momento, esse meu sofrimento, vou cobrar com juros, juro”

  (Chico Buarque, na música “Apesar de você”).

A medida provisória 905/19, além de instituir regras específicas para o chamado “contrato verde e amarelo”, também alterou, de forma substancial, diversos artigos da CLT que se aplicam a todos os contratos de trabalho. Dentre essas inovações estão as novas redações dos arts. 39 da lei 8.177/91 e do art. 883 da CLT, que, em tese,  teriam vigência imediata, a saber:

Art. 39. Os débitos trabalhistas de qualquer natureza, quando não satisfeitos pelo empregador ou pelo empregado, nos termos previstos em lei, convenção ou acordo coletivo, sentença normativa ou cláusula contratual, sofrerão juros de mora equivalentes ao índice aplicado à caderneta de poupança, no período compreendido entre o mês subsequente ao vencimento da obrigação e o seu efetivo pagamento.

 

§ 1º. Aos débitos trabalhistas constantes de condenação pela Justiça do Trabalho ou decorrentes dos acordos celebrados em ação trabalhista não pagos nas condições homologadas ou constantes do termo de conciliação serão acrescidos de juros de mora equivalentes ao índice aplicado à caderneta de poupança, a partir da data do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die, ainda que não explicitados na sentença ou no termo de conciliação.

 

Art. 883. Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação, acrescida de custas e juros de mora equivalentes aos aplicados à caderneta de poupança, sendo estes, em qualquer caso, devidos somente a partir da data em que for ajuizada a reclamação inicial.”

 

Entretanto, a medida provisória 905/19 é manifestamente inconstitucional, sobretudo no que se refere  aos artigos acima transcritos.

 

A inaplicabilidade da medida provisória 905/19, em especial na parte que fixa os juros de mora de forma equivalente aos juros da caderneta de poupança, decorre de 7 (sete) fundamentos jurídicos, a saber:

 

(1) Inconstitucionalidade formal por violação do art.62, “caput”, da Constituição Federal, em virtude da ausência dos requisitos “relevância” e “urgência”;

 

(2)  Inconstitucionalidade formal  por violação do art.62, §1º, I, “b”, da  Constituição Federal,  em virtude de versar  sobre temas de direito processual.

 

(3) Inconstitucionalidade material por violação do  direito fundamental de propriedade ( art. 5º, XXII, CF)  - remuneração do capital do credor.

 

(4)  Inconstitucionalidade material por violação do princípio de duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, CF), com prejuízo para a celeridade e efetividade das decisões judiciais, estimulando a inadimplência.

 

(5) Inconstitucionalidade material por violação do princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, CF) e discriminação do credor trabalhista em detrimento do credor civil (art.406/Código Civil)) e do credor tributário, que são destinatários de juros da mora à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, CTN)

 

(6)  Inconstitucionalidade material por violação do princípio que veda o retrocesso social ou  princípio da não-regressão – art.7o, “caput”, da CF - ;

 

(7) Inconstitucionalidade material por violação do princípio da proibição de   proteção deficiente dos direitos  fundamentais ("Untermassverbot"); 

 

PRIMEIRO, a MP 905/19 padece de INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL por violação do art.62, “caput”, da Constituição Federal. A  edição de medidas provisórias pelo presidente da República está subordinada ao atendimento de dois requisitos essenciais: relevância e urgência, segundo a dicção inequívoca do art.62 da Constituição Federal. É de bom alvitre ressaltar que a Carta Magna exige a concorrência de ambos os pressupostos de forma simultânea, e não apenas de um deles, como evidencia o conetivo “e” - relevância e urgência. A estrutura gramatical só pode conduzir a essa interpretação sintática. Requer-se, portanto, relevância mais urgência.                       

De acordo com  Manoel Antonio Teixeira Filho, “é interessante notar, aliás, o arraigado fascínio que os srs. presidentes da República soem manifestar pela possibilidade de se converterem em legisladores ocasionais, cuja obsessão se iniciou, entre nós, nos tempos modernos, com os Decretos-leis (...) Não se diga que os pressupostos constitucionais de relevância e urgência são de foro, exclusivamente, político, motivo por que o exame de sua verificação ficaria fora do controle jurisdicional. Data venia, sabemos haver em sede de Medidas Provisórias uma linha algo sutil a separar os casos em que elas são editadas em nome de incontestáveis imperativos de relevância e urgência, daqueles em que tais atos do sr. presidente da República são produto de uma certa vocação ditatorialesca, são mero pretexto para usurpar a competência histórica do Congresso Nacional. Lá, o que se tem é uma discricionariedade que se justifica segundo o legítimo interesse público que se encontra em jogo; aqui, o que há é uma intolerável arbitrariedade posta a serviços de interesses meramente pessoais ou grupos”. O douto jurista paranaense acrescenta que “se determinada medida provisória se ajustar ao segundo caso, e o Congresso Nacional não se der conta disso, será absolutamente indispensável que o Poder Judiciário, desde que provocado, intervenha para fazer prevalecer a supremacia constitucional. Convém lembrar que aos juízes, em especial, incumbe respeitar e fazer respeitar as leis e a Constituição. Esse controle da constitucionalidade pode ser exercido tanto de forma concentrada (ação direta) quanto difusa (incidental), inclusive - nesta última hipótese, pelos juízos de primeiro grau” (Revista Ltr vol.61, no04, pp.450/452)

 

Destarte, a medida provisória 905/19 padece de inconstitucionalidade formal, vício insanável que subsistirá mesmo em caso de  eventual conversão em lei, pois o defeito original na formação da norma não é passível de correção a posteriori, haja vista que os atos transgressores da Carta Magna são insusceptíveis de convalidação pelo processo legislativo ordinário. Como bem pondera Teixeira Filho, “o que se violou, violado permanece.”

No julgamento da  ADI n. 2213-MC, o decano da Suprema Corte, ministro Celso de Mello, fez questão de, incidentalmente, consignar a seguinte passagem, em coerência com o que já apontara na ADI 221:

 

"EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - A QUESTÃO DO ABUSO PRESIDENCIAL NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - (…) POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS (URGÊNCIA E RELEVÂNCIA) QUE CONDICIONAM A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. (...)UTILIZAÇÃO ABUSIVA DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - INADMISSIBILIDADE - PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. - A CRESCENTE APROPRIAÇÃO INSTITUCIONAL DO PODER DE LEGISLAR, POR PARTE DOS SUCESSIVOS PRESIDENTES DA REPÚBLICA, TEM DESPERTADO GRAVES PREOCUPAÇÕES DE ORDEM JURÍDICA, EM RAZÃO DO FATO DE A UTILIZAÇÃO EXCESSIVA DAS MEDIDAS PROVISÓRIAS CAUSAR PROFUNDAS DISTORÇÕES QUE SE PROJETAM NO PLANO DAS RELAÇÕES POLÍTICAS ENTRE OS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO. - Nada pode justificar a utilização abusiva de medidas provisórias, sob pena de o Executivo - quando ausentes razões constitucionais de urgência, necessidade e relevância material -, investir-se, ilegitimamente, na mais relevante função institucional que pertence ao Congresso Nacional, vindo a converter-se, no âmbito da comunidade estatal, em instância hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o regime das liberdades públicas e sérios reflexos sobre o sistema de "checks and balances", a relação de equilíbrio que necessariamente deve existir entre os Poderes da República. - CABE, AO PODER JUDICIÁRIO, NO DESEMPENHO DAS FUNÇÕES QUE LHE SÃO INERENTES, IMPEDIR QUE O EXERCÍCIO COMPULSIVO DA COMPETÊNCIA EXTRAORDINÁRIA DE EDITAR MEDIDA PROVISÓRIA CULMINE POR INTRODUZIR, NO PROCESSO INSTITUCIONAL BRASILEIRO, EM MATÉRIA LEGISLATIVA, VERDADEIRO CESARISMO GOVERNAMENTAL, PROVOCANDO, ASSIM, GRAVES DISTORÇÕES NO MODELO POLÍTICO E GERANDO SÉRIAS DISFUNÇÕES COMPROMETEDORAS DA INTEGRIDADE DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DE PODERES. (...)" (ADI 2213 MC, Relator(a): min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 4/4/02, DJ 23/4/04) .

Como se vê, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, mais de uma vez, deixou assentado que  as Medidas Provisórias não podem ser banalizadas, como se o Presidente da República resolvesse, de uma hora para outra, em gesto autoritário descabido, fazer-se substituir ao Congresso Nacional brasileiro, atropelando o processo legislativo em sua dinâmica política natural. Justamente por fatos que assim ocorrem, o Ministro Edson Fachin considerou recentemente, em Recurso Extraordinário, que " (..) é dado ao Judiciário invalidar a iniciativa presidencial para editar medida provisória por ausência de seus requisitos em casos excepcionais de cabal demonstração de INEXISTÊNCIA DE RELEVÂNCIA E DE URGÊNCIA DA MATÉRIA VEICULADA (ARE 1147266 AgR, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, DJe-019 DIVULG 31/1/19 PUBLIC 1/2/19)".

No mesmo sentido - e novamente em sede de ADI -, a ministra Cármen Lúcia anotou que "(..) a jurisprudência deste Supremo Tribunal admite, em caráter excepcional, a declaração de inconstitucionalidade de medida provisória QUANDO SE COMPROVE ABUSO DA COMPETÊNCIA NORMATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO, pela ausência dos requisitos constitucionais de relevância e urgência. Na espécie, NA EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DA MEDIDA PROVISÓRIA NÃO SE DEMONSTROU, de forma suficiente, OS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS DE URGÊNCIA DO CASO. (..) [ADI 4717 / DF, Relatora, Min. CÁRMEN LÚCIA, DJe 15/2/19]". 

Por conseguinte, como bem ponderou o  Magistrado GERMANO SILVEIRA DE SIQUEIRA, Juiz Titular da 3a. Vara do Trabalho de Fortaleza/CE, no julgamento do processo ATOrd 0000236-53.2019.5.07.0005, “levando em conta essas considerações e examinada a exposição de motivos da medida provisória 905, pode-se dizer que os requisitos constitucionais de urgência e relevância absolutamente não foram observados, comprometendo a sua integral eficácia.”.

Destarte, a medida provisória 905/19 incide em manifesta inconstitucionalidade formal diante da flagrante violação do art. 62 da Carta Magna em virtude da  ausência dos requisitos “urgência” e “relevância”.

SEGUNDO a MP 905/19 padece de INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL por afrontar o disposto no  art. 62, §1º, I, “b”, da Constituição da República, que veda  a edição de Medida Provisória sobre matéria relacionada a direito processual, seja de natureza civil (incluindo trabalhista) ou penal. 

Tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto o Supremo Tribunal Federal já se pronunciaram no sentido de que  “os juros moratórios possuem natureza processual”. Por exemplo, a título de ilustração, cito os seguintes precedentes: STJ – EREsp 1207197-RS, EDcl no MS 15485-DF, AgRg nos EmbExeMS 11097-DF, AgRg nos EmbExeMS 11819-DF; STF – AI-AGR 776497, AI-AGR 746268, AI-AGR 767094, RE-AGR 559445, RCL 2683-PR, AI-AGR 754077.

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. JUROS MORATÓRIOS. DIREITO INTERTEMPORAL. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. ARTIGO 1º-F, DA LEINº 9.494/97. MP 2.180-35/2001. lei 11.960/09. APLICAÇÃO AOS PROCESSOS EM CURSO.

1. A maioria da Corte conheceu dos embargos, ao fundamento de que divergência situa-se na aplicação da lei nova que modifica a taxa de juros de mora, aos processos em curso. Vencido o Relator.

2. As normas que dispõem sobre os juros moratórios possuem natureza eminentemente processual, aplicando-se aos processos em andamento, à luz do princípio tempus regit actum. Precedentes. 3. O art. 1º-F, da lei 9.494/97, modificada pela medida provisória 2.180-35/2001 e, posteriormente pelo artigo 5º da lei 11.960/09,tem natureza instrumental, devendo ser aplicado aos processos em tramitação. Precedentes. 4. Embargos de divergência providos – g.n..

(STJ - EREsp: 1207197 RS 2011/0028141-3, relator: ministro Castro Meira, Data de Julgamento: 18/5/11, CE - CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJe 2/8/ 11)

A propósito, esclareço que, no exemplo citado pelo acórdão acima transcrito, a MP 2.180-35/2001 foi editada em 24/8/01, ou seja, antes da promulgação da Emenda Constitucional 32, de 11/9/01, que alterou a redação do art.62 da Carta Magna para estabelecer limites a edição de Medidas Provisórias. Daí não haver, naquele acórdão,  controvérsia sobre a constitucionalidade da norma. De qualquer modo, o relevante para o nosso caso concreto é que, na ocasião, o STJ deixou assentado que juros de mora versam sobre direito processual, razão pela qual, depois da EC 32/01, nenhuma medida provisória poderia tratar mais dessa questão, sob pena de ofensa direta do art. 62, §1º, I, “b”, da Constituição da República

Por conseguinte, as alterações dos artigos 883 da CLT e do parágrafo primeiro do art. 39 da lei 8.177/91, promovidas pela medida provisória 905, editada após a vigência da EC nº 32/2001, padecem do vício de inconstitucionalidade formal por versarem sobre questões de direito processual, afrontando, literalmente,  o art.62,§1º, I, “b”, da Constituição Federal.

Na verdade, a redução dos juros de mora para as dívidas trabalhistas caracteriza  um “EFEITO BACKLASH patrocinado pelo Executivo Federal contra decisão do TST no Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade .479-60.2011.5.04.0231 (que afastou a TRD) e contra as decisões do STF no julgamento das ADIS 4.357 e 4.225: “quantificação dos juros moratórios relativos a débitos fazendários inscritos em precatórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança vulnera o princípio constitucional da isonomia (CF, art. 5º, caput) ao incidir sobre débitos estatais de natureza tributária, pela discriminação em detrimento da parte processual privada que, salvo expressa determinação em contrário, responde pelos juros da mora tributária à taxa de 1% ao mês em favor do Estado (ex vi do art. 161, §1º, CTN)”. Se esse raciocínio é válido para um crédito contra a Fazenda Pública, “a fortiori”, com muito mais razão, vale para um crédito trabalhista, o qual tem privilégio legal pelo seu caráter alimentar – art.186/CTN.

 

Portanto, além da violação de diversos preceitos constitucionais, está em jogo algo ainda muito mais grave: o desrespeito proposital ao princípio republicano da Separação dos Poderes, a pedra angular do Estado Democrático de Direito. Afinal, ao patrocinar um “backlash” estatal, o Executivo Federal não apenas usurpou competência exclusiva do Congresso Nacional (legislando sobre matérias que não poderiam ser objeto de medida provisória por vedação expressa do art. 62/CF), mas também afrontou decisões reiteradas do Poder Judiciário, inclusive da mais Alta Corte do País, o Supremo Tribunal Federal. 

 

TERCEIRO, a MP 905/19 também incorre em INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL por  violação do direito fundamental de propriedade privada do trabalhador (art. 5º, inciso XXII, da CF).

 

A Constituição consagra o direito à propriedade privada e, em um regime capitalista, todos têm direito à efetiva remuneração de seu capital, inclusive o trabalhador. Ao deixar de pagar uma obrigação trabalhista no prazo legal, o empregador está se apropriando de um numerário que não lhe pertence, usando o dinheiro que deveria ter pago ao reclamante em benefício próprio.

 

Silvio Rodrigues ensina, com simples palavras, o conceito de juros: “... Juros é o preço do uso do capital. Vale dizer, é o fruto produzido pelo dinheiro, pois é como fruto civil que a doutrina o define. Ele a um tempo remunera o credor por ficar privado de seu capital e paga-lhe o risco em que incorre de o não receber de volta” (Curso de Direito Civil Vol. 2, página 257).

 

Mais adiante, Silvio Rodrigues acrescenta: “Enquanto o ‘empréstimo ao consumo’ podia representar, quando oneroso, uma exploração do necessitado que dependia do auxílio alheio e, portanto, da caridade, tal não ocorria quando se tratava do ‘empréstimo à produção’. O empresário que recorre ao dinheiro alheio visa aplicá-lo, a fim de obter lucro; de modo que, em seu caso, ao contrário da parêmia ‘numus numum non gerat’, o dinheiro produz fruto. Portanto, nada mais justo do que permitir àquele que se beneficia com a utilização do capital alheio, a faculdade de retribuir o favor, através de remuneração adequada e convencional” (Curso de Direito Civil Vol. 2, página 257). Como se vê, aquele que utiliza capital alheio (no caso, o devedor que deixou de pagar, no momento oportuno, o direito do credor), deve remunerar, com uma taxa de juros adequada, o capital do qual indevidamente se apropriou.  Afinal, vivemos em uma economia de mercado liberal.

 

A constituição de juros de mora como consequência natural da violação do direito de propriedade  tem precedente histórico nas Ordenações Filipinas, Livro 3º, Título 66, §1º, e Livro 4º, Título 67, §3º, bem como nas Leis Imperiais de 9 de setembro de 1826 e de 24 de outubro de 1832, sobrevindo, em seguida, o  Código Civil de 1916. Trata-se, portanto, de um corolário inafastável da utilização  do patrimônio alheio em benefício próprio.  E essa remuneração deve ser adequada e proporcional, respeitando os patamares fixados para outros créditos de igual hierarquia, a fim de preservar o direito de propriedade.

 

Nem se diga que os juros fixados na medida provisória seriam equivalentes àqueles pagos a quem aplica na caderneta de poupança. Há uma enorme diferença  entre um poupador que escolhe fazer uma aplicação financeira com o dinheiro que lhe sobra, de forma voluntária e consciente, e um credor que teve o seu crédito confiscado, contra a sua vontade,  por quem não cumpriu com uma obrigação no prazo legal, apropriando-se de  um numerário que não lhe pertence. Daí não haver analogia possível entre um caso e outro. Logo, a simetria deve ser estabelecida com o credor tributário ou com o credor cível, que estão em uma posição hierárquica até inferior ao credor trabalhista, na forma do art. 186 do Código Tributário Nacional.

 

QUARTO,  a MP 905/19 incorre, ainda, em   afronta ao princípio de duração razoável do processo ( art. 5º, LXXVIII, da CF). Ao fixar uma taxa de juros irrisória, a norma ordinária promove a  morosidade e compromete a efetividade do  processo judicial, estimulando o devedor a não quitar seu débito, uma vez que ele ganhará muito mais com uma aplicação financeira ou com o pagamento de outras dívidas mais onerosas. Trata-se, assim, de medida que também vulnera o princípio da “eficiência da administração pública” (art.37, “caput”, da CF), o qual, por óbvio, estende-se ao  Poder Judiciário.

 

Cruz e Tucci leciona  que "devemos dar ao tempo do processo o seu devido valor. O demandado, em certas ocasiões, pode não ter efetivo interesse em comprovar que a pretensão do autor é improcedente, mas, simplesmente, deseja manter o bem perseguido em seu poder, mesmo que consciente de não ter razão, pelo maior tempo possível, sem que, contra essa situação, possa o processo investir" (Tempo e  Processo, Ed. Rev Tribunais, 1997, p.111).

Defende, a propósito, Marinoni que, se o demandante é prejudicado aguardando o cumprimento da tutela jurisdicional,  o réu, que manteve o bem da vida conservado em sua esfera patrimonial, durante o longo curso do processo, é presentado pela  demora na resolução da controvérsia. "O processo, portanto, é um instrumento que sempre prejudica o autor que tem razão e beneficia o réu que não a tem" (Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, São Paulo: Ed.Revista dos Tribunais, 1997, p.23).

MAURO CAPPELLETTI já afirmava que o trâmite processual constitui "fenômeno que propicia a desigualdade...é fonte de injustiça social, porque a resistência do pobre é menor do que a do rico; este, e não aquele, pode, via de regra, aguardar, sem sofrer grave dano, uma injustiça lenta...Um processo  longo   beneficia,  em última análise, a parte rica em detrimento da parte desafortunada." (in Il Processo come fenomeno sociale di massa, in Giustizia e Società, Milano: Comunità, 1997, p.337 - Nesse mesmo sentido CHASE - Oscar G., Civil Litigation delay in Italy and the United States, in The American Journal of comparative law, 36:1988, p.84-5).

Deveras, seguindo o raciocínio trilhado por CAPPELLETTI, no sentido de que “a resistência do pobre é menor do que a do rico”, somente uma inaceitável APOROFOBIA poderia explicar a iniciativa de se retribuir o crédito do trabalhador, justamente o mais hipossuficiente de todos os credores, com uma taxa de juros muito menor do que a fixada para a fazenda pública, para um comerciante ou para os bancos. É uma  absurda inversão de prioridades, que tem, por desiderato oculto, retardar o cumprimento das obrigações trabalhistas.

QUINTO, a MP 905 incide em INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL por vulneração do princípio constitucional da isonomia (art. 5º, caput, CF) e discriminação do credor trabalhista em comparação com o credor cível e com o credor tributário, que são destinatários de juros da mora à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, CTN) ou da taxa SELIC, resultando em uma completa inversão de valores (subversão axiológica) e em inevitável contradição sistêmica.

 

A  inconstitucionalidade material se evidencia pela  violação do princípio da isonomia, resultando em  SUBVERSÃO AXIOLÓGICA e INCOERÊNCIA MACROSSISTÊMICA, na medida em que o crédito trabalhista, que tem precedência e goza de privilégio legal em face de sua natureza alimentar (art.186/CTN), seria remunerado com juros menores do que os devidos a um credor tributário ou mesmo a um credor civil quirografário.

 

Afinal, segundo o artigo 406 do Código Civil, na falta de estipulação em contrário, a taxa dos juros de mora: (i) seria a taxa de 1% (um) por cento ao mês, prevista no artigo 161, § 1º do Código Tributário Nacional, ou (ii), como vem entendendo o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA,  seria a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), por força do que dispõe as Leis 9.250/95, Lei 8.981/95 e Lei 9.430/96. Entrementes, a nova redação do art.883 da CLT, por força da MP 905, fala em juros da poupança, ou seja, inferiores aos fixados no Direito Civil.

 

Em resumo: se prevalecesse o critério da MP 905, o crédito trabalhista, mais privilegiado, teria uma remuneração muito menor do que o crédito de natureza civil. Daí a incoerência macrossistêmica e a subversão axiológica, evidenciando a notória falta de razoabilidade dessa norma ordinária.

 

Nunca é demais relembrar que o Direito não é um conjunto disforme de normas  isoladas e dispersas, mas sim um SISTEMA harmônico e autopoiético (LUHMANN  - Teoria dos Sistemas), baseado nos conceitos de unidade, completude e COERÊNCIA (BOBBIO – Teoria do Ordenamento Jurídico).

 

Portanto, nenhuma norma  pode ser interpretada de forma isolada, devendo, antes, ser contextualizada no sistema no qual está inserida, a fim de se preservar a harmonia e a coerência do ordenamento jurídico. Á semelhança do conceito-chave da Gestalt, poderíamos dizer que “o todo tem existência própria, sendo maior e diferente do que a mera  soma das partes”. Logo, se quisermos preservar a coesão do  sistema, precisamos interpretar o todo (interpretação “sistemática”), e não uma norma apartada. Em uma linguagem ainda mais simples, podemos recorrer à seguinte ilustração: se alguém tentar transplantar um órgão ou um membro para um corpo incompatível, o organismo possivelmente rejeitará o transplante e o paciente poderá até mesmo vir a óbito. Da mesma forma, tentar modificar o ordenamento jurídico  trabalhista por meio de normas esparsas e incompatíveis com o sistema em que estão inseridas, ainda mais por medida provisória, pode levar a  contradições insuperáveis, tal como estabelecer que um crédito de natureza alimentar seja remunerado com uma taxa de juros inferior a de um crédito de natureza civil. Esse contrassenso nos levaria a uma situação absurda: uma dívida bancária ou comercial teria remuneração muito maior do que uma dívida trabalhista decorrente da falta de pagamento de salários. Na prática, estaríamos passando para o devedor a seguinte mensagem: pague, primeiro,  o banco, depois os fornecedores e deixe os trabalhadores por último. Isso é moralmente aceitável e compatível com a ênfase constitucional na proteção do trabalho como um valor fundamental da nossa sociedade? Evidente que não. 

SEXTO, a Medida Provisória 905/2019 viola o princípio que VEDA  O RETROCESSO SOCIAL, o qual impede que normas ordinárias ou mesmo emendas constitucionais venham a restringir ou limitar os direitos fundamentais consagrados na Carta Magna, dentre eles os direitos sociais previstos no art.7o. da Norma Ápice. Ressalto que a fundamentalidade dos Direitos Sociais é confirmada até mesmo por  uma simples  exegese topológica, dispensando maiores digressões doutrinárias. Basta ver que o Título II da Constituição (Dos Direitos e Garantais Fundamentais) é composto pelos seguintes capítulos:  I- DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS (art.5o); II -  DOS DIREITOS SOCIAIS (art.6o a art.11); III – DA NACIONALIDADE (art.12 a 13); IV – DOS DIREITOS POLÍTICOS (art.14 a 16) e V- DOS PARTIDOS POLÍTICOS (art.17). Portanto, a simples leitura do texto constitucional deixa bastante claro que os direitos sociais previstos no art.7o  integram o capítulo II do Título II da Constituição, que trata “dos direitos e garantias fundamentais”, preceitos que formam a base nuclear do Estado Democrático de Direito e que não podem ser abolidos ou restringidos nem mesmo por uma Emenda Constitucional, constituindo cláusula pétrea (art.60, §4o, IV, da CF).

O princípio do NÃO RETROCESSO SOCIAL está previsto no art. 7o, “caput”, da  Carta Magna: “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.  Extrai-se daí que as normas infraconstitucionais podem ampliar ou até regulamentar esses direitos, mas nunca suprimi-los ou mesmo reduzi-los.

Se nem uma Emenda Constitucional poderia promover essa supressão, o que se dirá de uma mera Medida Provisória? LUIZ ROBERTO BARROSO, ministro do STF e professor de Direito Constitucional da UERJ, defende que o princípio da vedação do retrocesso social deve incidir mesmo quando se trata de uma norma que dependa de regulamentação infraconstitucional. Diz o ilustre constitucionalista: ‘o fato de uma regra constitucional contemplar determinado direito cujo exercício dependa de legislação integradora não a torna, só por isso, programática. Não há identidade possível en? ??p3??ff??Alp???`?'plg???0M? ??E?.?@?w?????E?h?(P[?rV <_i27_p10_08_13_3f_3f_e3d_22_margin-left3a_ _.5pt3b_="" text-align:="" _justify3b_="" text-justify:="" _inter-ideograph3b_22_="">Por força do princípio da proibição de proteção deficiente, nenhuma lei ou medida provisória pode enfraquecer a tutela dos direitos fundamentais, ou seja, tal princípio institui um dever de proteção para o Estado, o qual não pode abrir mão dos mecanismos de tutela para assegurar a proteção de um direito fundamental, como, por exemplo, um crédito trabalhista de natureza alimentar.

Em seu voto proferido na ADIn 3.11ão), uma vez alcançados ou conquistados, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo” (LUIZ ROBERTO BARROSO, in.Constituição da República Federativa do Brasil Anotada, 4e, Saraiva, – g.n.).

De acordo com Lenio Streck, "neste ponto adquire fundamental importância a cláusula implícita de proibição de retrocesso social, que deve servir de piso hermenêutico para novas conquistas. Mais e além de todos os limites materiais, implícitos ou explícitos, esse princípio deve regular qualquer processo de reforma da constituição. Nenhuma emenda constitucional, por mais que formalmente lícita, pode ocasionar retrocesso social. Essa cláusula paira sobre o Estado Democrático de Direito como garantidora de conquistas. Ou seja, a Constituição, além de apontar para o futuro, assegura as conquistas já estabelecidas. Por ser um princípio, tem aplicação na totalidade do processo aplicativo do Direito" (Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004 – pág.706. )

 

Daí por que a  violação ao princípio do não retrocesso configura mais uma evidente inconstitucionalidade material, conforme já decidiu, “mutatis mutandis”,  o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 581352 AM, relatado pelo decano ministro Celso de Mello:

 

“(...)  O Estado não pode voltar atrás, não pode descumprir o que cumpriu, não pode tornar a colocar-se na situação de devedor. (...) Se o fizesse, incorreria em violação positiva (...) da Constituição. (...)Quer isto dizer que a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional deste deixa de consistir (ou deixar de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar (ou passar também a ser) numa obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a actuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social. (...)” (STF - RE: 581352 AM, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 24/09/2013, Data de Publicação: DJe-192 DIVULG 30/09/2013 PUBLIC 01/10/2013 – trecho da fundamentação)

 

Nessa decisão paradigmática, a partir da doutrina de CANOTILHO (?Direito Constitucional e Teoria da Constituição?, p. 320/321, item n. 3, 1998, Almedina), o Ministro CELSO DE MELLO evoca o  célebre Acórdão nº 39/84, do Tribunal Constitucional de Portugal,  ressaltando: “que o Estado não dê a devida realização às tarefas constitucionais, concretas e determinadas, que lhe estão cometidas, isso só poderá ser objecto de censura constitucional em sede de inconstitucionalidade por omissão. Mas quando desfaz o que já havia sido realizado para cumprir essa tarefa, e com isso atinge uma garantia de um direito fundamental, então a censura constitucional já se coloca no plano da própria inconstitucionalidade por acção.” (“Acórdãos do Tribunal Constitucional”, vol. 3/95-131, 117-118, 1984, Imprensa Nacional , Lisboa)

Em outra oportunidade, o Pretório Excelso já reconheceu, de forma expressa, que a vedação de retrocesso social se estende aos direitos trabalhistas. Tanto é assim que, em um julgamento no qual se discutia a recepção do artigo 384 da CLT após a Constituição de 1988, ao discorrer sobre os fundamentos de seu voto, o ministro Celso de Mello voltou a defender a força supranormativa da cláusula de vedação do retrocesso, afirmando: “Como se sabe, o princípio da proibição do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em que ele vive (….)”. Mais adiante, o decano sustentou que: “Na realidade, a cláusula que proíbe o retrocesso em matéria social traduz, no processo de sua concretização, verdadeira dimensão negativa pertinente aos direitos sociais de natureza prestacional, impedindo, em consequência, que os níveis de concretização dessas prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser reduzidos ou suprimidos” (Recurso Extraordinário 658.312, voto do Ministro CELSO DE MELLO -  Relator: Min. DIAS TOFFOLI,  Julg: 27/11/2014,  Publ: 10/2/15).

SÉTIMO, a medida provisória 905 viola o  Princípio da PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO DEFICIENTE dos direitos sociais ("Untermassverbot", no direito constitucional alemão), uma vez que, ao estipular uma remuneração irrisória para o crédito trabalhista, acaba por estimular a inadimplência e fazer letra morta de todos os preceitos consagrados no artigo 7o. da Carta Magna, na medida em que, com juros equivalentes ao da poupança, para o devedor, será mais vantajoso protelar o pagamento do que quitar  suas obrigações trabalhistas. Em corolário, a proteção deficiente desses direitos sociais viola  a Constituição por via oblíqua e dissimulada, transgredindo o Princípio da Proporcionalidade. Nesse sentido é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, em lapidar acórdão do Ministro Gilmar Mendes:

“Os direitos fundamentais não podem ser considerados apenas como proibições de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Pode-se dizer que os direitos fundamentais expressam não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote), como também podem ser traduzidos como proibições de proteção insuficiente ou imperativos de tutela (Untermassverbote).” (STF – Segunda Turma – HC 104410 – Rel. Ministro GILMAR MENDES – DJe 27/03/2012)

Por força do princípio da proibição de proteção deficiente, nenhuma lei ou medida provisória pode enfraquecer a tutela dos direitos fundamentais, ou seja, tal princípio institui um dever de proteção para o Estado, o qual não pode abrir mão dos mecanismos de tutela para assegurar a proteção de um direito fundamental, como, por exemplo, um crédito trabalhista de natureza alimentar.

Em seu voto proferido na ADIn 3.112, o ministro Gilmar Mendes ressaltou que: “a consideração dos direitos fundamentais como imperativos de tutela (Canaris) imprime ao princípio da proporcionalidade uma estrutura diferenciada. O ato não será adequado quando não proteja o direito fundamental de maneira ótima; não será necessário na hipótese de existirem medidas alternativas que favoreçam ainda mais a realização do direito fundamental; e violará o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito se o grau de satisfação do fim legislativo é inferior ao grau em que não se realiza o direito fundamental de proteção”.

Na jurisprudência do Tribunal Constitucional Alemão, evocada no acórdão do Ministro Gilmar Mendes, a utilização do princípio da proporcionalidade como proibição de proteção deficiente pode ser encontrada na seguinte decisão: BverfGE 88, 203, 1993. O Bundesverfassungsgericht assim se pronunciou: ‘O Estado, para cumprir com seu dever de proteção, deve empregar medidas suficientes de caráter normativo e material, que levem a alcançar – atendendo à contraposição de bens jurídicos – a uma proteção adequada, e como tal, efetiva (proibição de insuficiência).’ (...) É tarefa do legislador determinar, detalhadamente, o tipo e a extensão da proteção. A Constituição fixa a proteção como meta, não detalhando, porém, sua configuração. No entanto, o legislador deve observar a proibição de insuficiência (...). Considerando-se bens jurídicos contrapostos, necessária se faz uma proteção adequada. Decisivo é que a proteção seja eficiente como tal. As medidas tomadas pelo legislador devem ser suficientes para uma proteção adequada e eficiente e, além disso, basear-se em cuidadosas averiguações de fatos e avaliações racionalmente sustentáveis. (...).” (notas suprimidas) 

Nesse diapasão, é reconhecido o dever de proteção efetiva por parte do Estado, obstando que um direito fundamental seja assegurado aquém de um mínimo necessário, como esclarece no trecho abaixo transcrito:

 “Uma vez reconhecido que pesa sobre o Estado o dever de proteção de um direito fundamental, logicamente que a eficácia da proteção constitucionalmente requerida integrará o próprio conteúdo desse dever, pois um dever de tomar medidas ineficazes não faria sentido. Nesse tom, a partir do momento em que compreendemos que a Constituição proíbe que se desça abaixo de um certo mínimo de proteção, a proporcionalidade joga, aqui, como proibição de proteção deficiente.).” (FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e o direito penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, pp 90-91. )

No julgamento  de Embargos  opostos contra o acórdão proferido no Recurso Ordinário 00101414020135010044, o TRT da 1a. Região, expressamente, manifestou-se pela aplicação do princípio da proibição de proteção deficiente na garantia de direitos trabalhistas:

 

“ (…) Destaca-se, ainda, que a efetivação dos direitos fundamentais, em sua perspectiva objetiva, deve atender ao princípio da proporcionalidade, seja na forma de vedação ao excesso (Übermassverbot), seja no modo de proibição da proteção ineficiente (Untermassverbot). Nessa esteira, colaciona-se excerto de voto da lavra do Min. Gilmar Mendes no julgamento da ADI 3510/DF: Como é sabido, os direitos fundamentais se caracterizam não apenas por seu aspecto subjetivo, mas também por uma feição objetiva que os tornam verdadeiros mandatos normativos direcionados ao Estado. A dimensão objetiva dos direitos fundamentais legitima a ideia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção ou de defesa - Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht des Staats).” (TRT-1 - RO: 00101414020135010044 RJ, Data de Julgamento: 25/4/16, Primeira Turma, Data de Publicação: 10/6/16 -g.n)

 

Por tudo quanto exposto, concluo que  a medida provisória. 905/19  é manifestamente inconstitucional, sobretudo no que se refere à nova redação do art. 883/CLT e do art. 39 da lei 8.177/91. Assim, os juros de mora sobre o débito trabalhista devem continuar a ser apurados com base na redação original do art. 39 da lei 8.177/91, ou seja, no importe equivalente a 1% (um por cento) ao mês, simples e “pro rata die”, a contar da propositura da ação, observando-se a Súmula 200/TST e  sem prejuízo da correção monetária.

_____________

 

*Renato Da Fonseca Janon é juiz titular da 1a. VT de Lençois Paulista.

 

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