Migalhas de Peso

O importante documento por trás da MP que extingue o DPVAT

Talvez, de fato a edição inesperada de medida provisória com efeitos tão amplos não seja a melhor forma de consecução da desburocratização perseguida pelo governo, ainda que legalmente admissível.

26/11/2019

Foi editada pelo presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, a MP 904, de 11 de novembro de 2019, a qual tem repercutido nas redes sociais e canais de mídia, dada a abrangência em larga escala da matéria tratada em seu texto: a extinção, não só do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Vias Terrestres – DPVAT, mas também do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Embarcações ou por suas Cargas – DPEM.

Opiniões se dividem, principalmente, quanto à plausibilidade da extinção do seguro DPVAT. No entanto, fácil notar a convergência da MP para com a recente lei 13.874, de setembro de 2019, denominada Lei de Liberdade Econômica, a qual estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividades econômicas.

Parece-me que o ponto principal a se discutir seria a razoabilidade na manutenção deste seguro obrigatório, quando inúmeras seguradoras privadas, mas também sujeitas à regulação Susep, possuem diferentes planos, valores e opções de contratos, expostas inclusive às duras regras do livre comércio, cedendo, diversas vezes, à pressão do mercado para diminuição de preços.

Sendo assim, o objetivo deste texto não é, certamente, esgotar a discussão e desviar qualquer crítica negativa à edição da MP em questão. Busca-se, somente, atentar o leitor para o que segue: a exposição de motivos apresentada pelos senhores Paulo Guedes e André Luiz de Almeida, na proposta da MP 904, é transparente e informativa, e poderá em muito auxiliar a criação de juízo acerca do tema. Senão vejamos.

A exposição é iniciada expondo o manifesto caráter social do seguro DPVAT, ressaltando, todavia, a existência de atendimento gratuito e universal do sistema único de saúde, cobertura de pensão por morte do Instituto Nacional do Seguro Social, e cobertura por invalidez do Governo Federal, através do Benefício de Prestação Continuada – BPC. Estes programas seriam o bastante para tornar dispensável o seguro obrigatório.

Observa, em seguida, que quando da criação do seguro DPVAT, nenhuma destas políticas existiam. De fato, o seguro em questão foi instituído no longínquo ano de 1974. O INSS, por sua vez, foi criado em 1990, mediante a fusão do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS), e do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). O Sistema Único de Saúde – SUS, foi instituído pela Constituição Federal de 1988, e regulamentado em 1990; Por fim, o BPC foi instituído em 1993, e regulamentado somente em 2007.

Deste modo, é de se notar que, com exceção das indenizações, as quais podem ser contratadas através de uma infinidade de empresas e prestadoras de serviço reguladas, a saúde e a pensões – por morte ou invalidez – são garantidas pelo Estado, independentemente da existência do seguro DPVAT.

Não menos importante, a exposição destaca também a operação deflagrada pela PF em 2015, denominada “Tempo de Despertar”, que combateu fraudes nas esferas administrativa e judicial, relacionadas ao pagamento do seguro. Ademais, lembrou do ocorrido em 2017, quando o MP do estado de Minas Gerais alertou para falcatruas em sua região. Mas não só isto.

Ressalta que o Tribunal de Contas da União recomendou, entre 2016 e 2019, diversas alterações referentes ao Seguro DPVAT, dentre elas a alteração do modelo de gestão de recursos.

Explica-se: a Superintendência de Seguros Privados – Susep, é encarregada de regular a operação da seguradora líder, responsável pelo DPVAT. Para tanto, investe parte de seus recursos, mas possui mais de cem ramos de seguros para regular. O ponto demonstrado na exposição é que, quanto maior a atenção ao seguro obrigatório, menor a qualidade e eficiência da regulação dos demais tipos de seguro existentes.

No mais, a exposição apresenta os dados utilizados para o plano de transição trazido pela MP  904, dentre eles, a impressionante informação de que 95% dos sinistros pagos pela Seguradora Líder têm lapso temporal de até sete anos entre a ocorrência e o pagamento da indenização correspondente.

São sete anos, dentre o acidente, e o recebimento de qualquer valor indenizatório pela Seguradora Líder.

Ainda, segue informando que a Lei de Reponsabilidade Fiscal será respeitada, por repasses anuais, nos anos de 2020, 2021 e 2022, de R$ 1.250.000.000,00 (um bilhão e duzentos e cinquenta milhões de reais), e que os pagamentos das indenizações remanescentes serão devidamente adimplidos.

Posteriormente, o documento expõe outras dinâmicas criadas para trazer segurança ao ato administrativo, como a possibilidade de expedição de instruções pelo Ministro de Estado da Economia e pelo Advogado-Geral da União.

Quanto ao seguro DPEM, a Exposição se limita a observar já não é ofertado desde 2016, e que relacionado a ele, há o Fundo de Indenizações do Seguro (FUNDPEM). Além, quando operante, possuía inadimplência elevada. Por estas razões, foi também extinto.

A Exposição é finalizada com o destaque da importância da tramitação legislativa em forma de Medida Provisória, dada a urgência e relevância da alteração. Este é outro ponto objeto de críticas, sendo que parlamentares estão articulando pela derrubada ou caducidade da MP, alguns por entenderem pela necessidade de maiores discussões acerca do tema.

Talvez, de fato a edição inesperada de medida provisória com efeitos tão amplos não seja a melhor forma de consecução da desburocratização perseguida pelo governo, ainda que legalmente admissível. No entanto, a exposição de motivos traz luz à escândalos, ineficiência e desnecessidade de manutenção deste seguro obrigatório.

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*Antônio Barbosa de Souza Neto é advogado, graduado em Direito pela universidade Anhanguera-Uniderp; mestrando em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – Brasília; pós-graduando em Direito Empresarial, LL.M, pela Fundação Getúlio Vargas - Rio de Janeiro.

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