A primazia da liberdade se dá em amparo à presunção de inocência, onde (numa democracia) este instituto se considera como garante (em prol da cidadania) do direito de uma pessoa apenas ser privado desse bem jurídico quando condenado por intermédio do devido processo legal transitado em julgado.
A justificação coercitiva prévia ao exaurimento de todas as instâncias judiciais apenas se daria quando o direito individual da liberdade de alguém prejudicasse o interesse público, a exemplo das ressalvas legais que permitem a decretação da prisão preventiva.
Entretanto, no voto do ministro Luís Roberto Barroso nas ações declaratórias de constitucionalidade números 43 e 44, a justificativa da quebra desta regra abrange a hipótese em que a coerção ambulatorial não ofende a primazia da liberdade quando já discutida a visão fática-probatória processual, restando pendente apenas a reanálise meritória.
Tal posicionamento é discutível no mundo jurídico, vez que a análise do Direito meritório incumbe no entendimento de princípios, por exemplo, que podem, inclusive, interpretar uma causa de absolvição por parte do Poder Judiciário.
Dessa maneira, há de se ponderar (no entendimento amparado por conceitos pós-positivistas) até qual ponto o confronto de princípios jurídicos se dá em face do real estudo de Direito amparado pelo subjetivismo judiciário.
Em estudo à possibilidade da execução da pena definida em segunda instância antes do trânsito em julgado, entende-se que, na análise do princípio da primazia ambulatorial, não existiria ofensa democrática na execução provisória da privativa de liberdade, desde que resguardada a garantia jurídica da legalidade.
Eis a explicação: Num Estado Democrático de Direito (principalmente de origem Romano-Germânico), deve haver a garantia de que a expressa previsão legal será cumprida, sob pena de ofensa à colação de princípios jurídicos emanada pelos direitos fundamentais de primeira geração, bem como à separação dos poderes.
Este último instituto jurídico-democrático ampara o equilíbrio do Estado de modo a evitar que o Poder maior sobressaia e reine acima da ordem jurídica, o que levaria a democracia ao encontro da ditadura.
Para tanto, num Estado democrático, o ordenamento jurídico deve prevalecer (em prol do ensejo majoritário) a fim de resguardar a equidade de modo que, assim, os poderes não estariam presentes como dominadores do Direito, mas sim como garantidores.
Desta feita, a partir do momento em que um dos Poderes pode desarrazoar uma garantia jurídica expressa com base em seu subjetivismo, iniciaria um marco que – se prolongado – pode levar, em âmbito futuro, à quebra dos princípios democráticos aqui em comento.
Nestes moldes, uma vez reconhecida a vontade do povo integrante do Estado maior, esta deve – primeiramente - ser legalizada (diretamente ou por intermédio da devida representação) para – após – ser concretizada na forma de direito.
Neste entendimento, percebe que a execução provisória da pena apenas poderia ser realizada desde que existisse, expressamente, tal previsão em lei (lato sensu); do contrário, sua ofensa não estaria apenas numa esteia de interpretação de conflito de princípios, mas também amparada numa visão jurídica abstrata, a qual pode se apoiar em outra esfera constituinte: a forma de governança.
Assim, entende que apenas seria possível a concretização do Instituto da prisão provisória, caso nosso ordenamento jurídico a permitisse expressamente na lei maior ou em sua esfera infra.
Contudo, não é tal previsibilidade expressa que consta no ordenamento brasileiro; do contrário, tanto nossa Constituição Federal quanto nosso Código de Processo Penal dizem claramente que a execução definitiva da pena apenas iniciará após o trânsito em julgado do devido processo legal condenatório.
Nesse contexto, apenas restariam duas possibilidades para a concretização da prisão provisória no ordenamento jurídico brasileiro (ora sistematizado pela dinâmica do Civil Law): a primeira, e mais viável, se daria pela iniciativa do Poder Legislativo na propositura e posterior aprovação de um projeto de emenda constitucional capaz de alterar o presente texto disposto pelo art. 5ª, inciso XIX da nossa Carta Magna a fim de possibilitar, desde então, a execução prisional definitiva antes do transito em julgado processual; ou, a segunda opção, na visão dos constitucionalistas que entenderem o direito fundamental em discurso com clausula pétrea, se volta para a modificação do efeito normativo do teor constitucional em análise (da eficácia plena para contida) de modo a possibilitar que uma lei menor diga o significado prático do ‘transito em julgado’, ou seja, defina, para os devidos fins da lei brasileira, o que é o ‘transito em julgado’ e a partir de qual momento procedimental ele pode ocorrer.
Dessa forma, conclui que a competência institucional permissiva da prisão definitiva ainda em segunda instância, data maxima venia, não prima ao Poder Judiciário, mas sim ao Poder Legislativo - o qual possui competência típica para inovar o ordenamento jurídico – cabendo a este, privativamente, permitir (ou não) a execução provisória da pena por intermédio do devido procedimento de alteração normativa para tanto.
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*Phelipp Batista Soares é advogado criminalista. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Instituto brasiliense de Direito Público (IDP).