1. Introdução
A lei federal 13.709 de 14 de agosto de 2018, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, é um importante marco jurídico e dispõe sobre a coleta de dados pessoais e seu respectivo tratamento, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais, principalmente a privacidade, orientando o uso e garantindo proteção ao indivíduo (art. 1º, LGPD). São fundamentos da LGPD: privacidade; autodeterminação informativa; liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião; inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem; desenvolvimento econômico e tecnológico e inovação; livre iniciativa, livre concorrência e defesa do consumidor e direitos humanos, livre desenvolvimento da personalidade, dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais (art. 2º, LGPD).
Todos os dados pessoais ou informações relacionadas à pessoa natural identificada ou identificável, como nome, idade, estado civil, documentos de identificação, só podem ser coletados mediante o consentimento do usuário, entendido como a manifestação livre, informada e inequívoca do seu titular (art. 5º, XII, LGPD), com específicas exceções (art. 11, inc.II, LGPD).
Como cabe ao registrador civil controlar, operar e dar tratamento aos dados das pessoas naturais, no exercício da sua atribuição, não resta dúvida de que ele deve estar atento à nova lei e às mudanças de paradigma dela decorrentes.
Este artigo tem como objetivo fazer uma breve análise da LGPD, principalmente com o objetivo de enfatizar a atribuição dos Registradores Civis das Pessoas Naturais, destacando as principais mudanças que impactarão na atividade e ainda dando informações de princípios e conceitos, preconizados por essa novel legislação.
Não se pretende esgotar o tema, mas sim inaugurá-lo e, ainda que de forma breve e preliminar, realizar tal empreitada pelo viés registral civil.
2. O registrador civil como guardião dos dados pessoais
A LGPD, que entrará em vigor em agosto de 2020, trouxe para o ordenamento jurídico a proteção dos dados pessoais e sensíveis, para controlar o uso e aumentar as garantias individuais na sociedade tecnológica atual.
Pelo texto inicial da lei (arts. 1º e 2º), vê-se que tal norma pretende disciplinar o uso e o tratamento dos dados pessoais, garantindo proteção ao indivíduo, sendo amplamente direcionado. Deve atingir pessoas jurídicas e individuais, públicas ou privadas (art. 3º, LGPD).
O registrador civil recebe na nova lei o mesmo tratamento das pessoas jurídicas de direito público (art. 23, §§ 4º e 5º, LGPD). E não poderia ser diferente, pois, ainda que com a administração privada, trata-se de serviços públicos delegados pelo Estado (art. 236, CF/88). Compete ao registrador civil, entre outras atribuições, a coleta, a guarda e a organização de diversos dados pessoais e muitos deles são dados sensíveis, referentes à pessoa natural.
Por outro lado, também é obrigação do registrador civil dar publicidade aos dados que a lei determina que sejam de conhecimento geral. É fonte atualizada de informações seguras e confiáveis.
A publicidade registral, no âmbito das serventias extrajudiciais, era compreendida como forma de garantir o amplo e irrestrito conhecimento de certas situações a toda sociedade, sejam elas de natureza pessoal ou geral, com raras exceções. Essa orientação segue norma própria (art. 1º, lei 8.935/94), mas principalmente cumpre orientação constitucional, na medida em que todos têm o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (art. 5º, inc. XXXIII, CF/88).
Porém, a aplicação da publicidade nunca foi absoluta e uma interpretação mitigada tem por base a dualidade existente entre a necessidade de produzir efeitos erga omnes e a proteção de dados pessoais voltados para tutelas específicas, como direito de família ou proteção de crianças, adolescentes e incapazes, limitações que têm por escopo proteger a dignidade humana (art. 1º, inc. III, CF/88), a intimidade (art. 5º, incs. X e LX e art. 93, inc. IX, CF/88) ou o interesse social (art. 5º, inc. LX, CF/88).
A LGPD prevê dois tipos de dados: os dados pessoais e os dados sensíveis (art. 5º, LGPD). Dados pessoais são aqueles referentes à pessoa natural cujo teor deve ser público, por exemplo, o seu estado civil, a sua filiação, a sua idade, o seu nome. Esses dados pessoais podem ser livremente divulgados pelo registrador civil, como sempre o fez por meio das certidões e remessa de relatórios a diversos órgãos públicos, conforme previsto em lei.
Contudo, nem todos os dados guardados no Registro Civil podem ser objeto de publicidade. Dados sobre a origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político; referente à saúde ou vida sexual, dado genético ou biométrico são denominados pela LGPD como dados sensíveis (art. 5º, inc. II, LGPD). Esses devem ter publicidade controlada (art. 11, LGPD) e não podem ser livremente divulgados.
Especificamente a publicidade no Registro Civil das Pessoas Naturais é demonstrada por diversas situações, com destaque para duas: a) na expedição de certidão a quem lhes pedir (art. 16, LRP), não podendo indagar para que fim a certidão está sendo solicitada (art. 17, LRP); b) no envio de diversos relatórios a órgãos públicos.
Sobre as informações prestadas por certidão, a ampla publicidade do Registro Civil já encontrava algumas exceções, principalmente a expedição da certidão em inteiro teor.
A certidão em breve relato, que consiste na transcrição dos principais elementos constantes no registro, suficientes à prova que se pretende realizar, segue modelo padrão ditado pelo Conselho Nacional de Justiça para todo território nacional (prov. 63/17, CNJ). Com quadros preestabelecidos e resguardando informações de cunho íntimo, os referidos provimentos tiveram por objetivo resguardar os registrados de situações vexatórias, como a impossibilidade de preenchimento dos nomes dos genitores, com distinção de pai e mãe (art. 4º, prov. 63/17, CNJ).
Já o número do CPF deve ser obrigatoriamente incluído nas certidões de nascimento, casamento e óbito (art. 6º, prov. 63/17, CNJ), porque extremamente relevante para identificação das pessoas naturais. Poderão ainda ser anotados, nos registros de nascimento, casamento e óbito, os números de DNI ou RG, título de eleitor e outros dados cadastrais públicos relativos à pessoa natural, constando esses dados na certidão (art. 6º, §2º, prov. 63/17, CNJ).
As alterações no registro também devem ser mencionadas pelo registrador, de forma obrigatória e independente de pedido, sob pena de responsabilidade civil e penal (art. 21, LRP). Essa orientação, porém, deve ser compreendida considerando os casos de transcrição proibida, ou seja, a averbação que traz alguma informação específica do registrado e está protegida por sigilo, como a averbação de reconhecimento da paternidade ou legitimação de filho (art.6º, lei 8.560/92), pois não deve ser transcrita no momento em que a certidão de breve relato é expedida. Nesse caso, é razoável que as informações da averbação constem diretamente na certidão, mas sem qualquer menção à própria averbação.
Será de transcrição proibida a averbação decorrente de legitimação de filho, legitimação adotiva, proteção à testemunha, reconhecimento de paternidade ou maternidade (mesmo quando se tratar de registro indiretamente afetado – descendente ou cônjuge), alteração de patronímico, adoção (em todas as suas modalidades) e negatória de paternidade ou maternidade. Estas alterações deverão ter os dados incluídos na própria certidão, mas não devem ser transcritas na certidão.
Por outro lado, as informações de transcrição obrigatória são aquelas que devem estar presente na certidão e não podem ser omitidas. Representam todas as demais averbações/anotações, tais como a de guarda, perda da nacionalidade, separação, reconciliação, divórcio, alteração de regime de bens, etc.
Por sua vez, a certidão de inteiro teor consiste na transcrição integral de todos os elementos constantes no registro, incluídas as averbações e anotações porventura constantes à margem, com a reprodução fiel de seu conteúdo. Pode ser extraída de duas formas: por meio datilográfico ou reprográfico (art. 19, §1º, LRP).
Considerando a ampla publicidade e agora a mudança de paradigma preconizada pela LGPD, a expedição da certidão em inteiro teor deve ser controlada, pois podem constar elementos de identificação peculiares, expondo dados sensíveis. Em alguns casos, a expedição só será possível com autorização judicial.
Quando solicitada pelo próprio registrado, seus representantes legais (pai, mãe ou curador) ou mandatários com poderes especiais (procurador constituído por instrumento público ou particular, desde que constem expressamente poderes para solicitar certidão em inteiro teor), a certidão em inteiro teor poderá ser expedida.
Nos casos de adoção, qualquer que seja a modalidade, poderá ser expedida a certidão em inteiro teor, se o registrado tiver atingido a maioridade e o pedido for formulado pelo próprio adotado ou seu representante legal. Esse entendimento busca compatibilizar a restrição legal com o direito do registrado ao pronto acesso ao seu registro de nascimento (art. 48, ECA; art. 6º, lei 8.560/92 e prov. CGJ/SP 09/17).
Por outro lado, o simples fato de o registro ter sido lavrado por mandado judicial não impede que o próprio registrado solicite a certidão de inteiro teor, independentemente de autorização judicial.
Atenção especial merece o registro com averbação de adoção simples de maior. Nesse caso, o oficial deve verificar a viabilidade de se expedir a certidão sempre na modalidade inteiro teor para fazer constar expressamente tal circunstância, a fim de garantir a publicidade do estado de filiação do registrado1.
Já a certidão de inteiro teor solicitada por terceiro interessado e que conste no registro proteção à testemunha, adoção ou legitimação de filho, haverá necessidade de autorização judicial (arts. 45, 57, §7º e 95, LRP e 6º, lei 8.560/92). Essa restrição abrange qualquer modalidade de legitimação (nascimento ou casamento), reconhecimento de filho ou alteração de patronímico.
Isso significa que, para expedição de certidão de inteiro teor solicitada por terceiro, desde que a certidão contenha indícios de a concepção haver sido decorrente de relação extraconjugal, como o estado civil dos pais, a natureza da filiação, o lugar e cartório do casamento dos pais ou a referência à presente lei, será necessária autorização judicial (art. 6º, lei 8.560/92).
Igualmente, as informações de alteração de nome e sexo de transgêneros estão resguardadas pelo sigilo nos termos do provimento 73/18 do CNJ, razão pela qual a certidão de inteiro teor só pode ser expedida livremente para o próprio registrado.
Importante esclarecer que a ressalva de dados sigilosos e as possibilidades de divulgação, bem como procedimentos de controle, vêm sendo regrados em alguns estados por Códigos de Normas do Extrajudicial, tendo em vista a tendência da desjudicialização e o aumento das certidões de inteiro teor, como na hipótese de pedido de dupla cidadania.
A certidão expedida pelo registrador civil é importante meio de prova de fatos e atos jurídicos, seguindo forma padronizada determinada pelo CNJ (prov. 63/17), que já preserva os dados sensíveis. Sendo assim, tal sistemática parece estar plenamente compatível com os objetivos da LGPD.
Por outro lado, situação diversa será a de expedição das certidões de inteiro teor, cujos dados do registro são inteiramente divulgados, havendo risco de publicação de dados sensíveis.
Não sendo possível qualquer filtro da publicação, é preciso então verificar o requerente da certidão. Sendo o próprio registrado que solicita a certidão, não há necessidade de verificar as finalidades do pedido. Isso porque é ele o titular dos seus dados pessoais (art. 5º, incs. I e V, LGPD), sendo-lhe assegurada a respectiva disponibilidade (art.17, LGPD).
Já com relação a terceiros, a certidão poderá ser livremente expedida, caso no registro não constem dados sensíveis. De outra forma, deverá ser feita a verificação da finalidade do pedido, a fim de cumprir os objetivos da novel legislação (art. 6º, inc I, LGPD).
3. Do tratamento dos dados pessoais pelo registrador civil para acesso ao público
Pode-se dizer que o Registro Civil sempre foi o guardião dos dados. Primeiro em meio físico, nos livros manuscritos pela mão do homem, depois passando pela máquina de escrever e a datilografia, em livros de folhas soltas, e pela tecnologia com o uso dos computadores e impressão dos termos, e por último, chegando ao registro eletrônico sem a utilização de papel, o que ainda não foi alcançado no Brasil, mas é uma tendência que em breve se concretizará.
Nesse sentido, o uso de dados pessoais, até mesmo pelo Poder Público, deve atender as finalidades específicas, voltadas principalmente para a execução de políticas públicas e atribuições legais específicas (art. 26, LGPD), com acesso principalmente por meio eletrônico (art. 23, parágrafo 5º, LGPD). É possível mencionar a obrigatoriedade de fornecimento de informações ao IBGE (art. 49, LRP) e ao INSS (art. 68, da lei 8.212/91, alterado pela lei 13.846/19).
O artigo 11 da LGPD trata da proteção aos dados sensíveis e cria hipóteses excepcionais em que os referidos dados podem ser objeto de tratamento sem o consentimento de seu titular, como é o caso da realização de estudos por órgão de pesquisa, quando os dados serão tratados de forma anônima, sem vinculação pessoal.
Também há previsão na lei do tratamento dos dados pessoais para acesso ao público (art. 7º, parágrafo 3º, LGPD). Para que seja disponibilizado, deve haver interesse público, somado à comprovação de finalidade e boa-fé na disponibilização.
De tudo, parece que o compartilhamento de dados pessoais pelo registrador civil com o Poder Público tem sua previsão específica na LGPD e deve servir apenas para atender a finalidades vinculadas e execução de políticas públicas, devendo respeitar os princípios da proteção de dados pessoais, que estão previstos no artigo 6º, dos quais se destaca o da necessidade. Com isso, há limite ao mínimo imprescindível para a realização de sua finalidade, abrangendo apenas os dados pertinentes, proporcionais e não excessivos.
A finalidade é o principal princípio que embasa a LGPD nesse ponto, pois todo e qualquer compartilhamento de dados pessoais deve ser feito com fulcro na realização do fim que justificou a coleta do dado e ainda que foi informado à parte. Naturalmente, a finalidade deve preceder a coleta de dados e a ela fica vinculada para quaisquer atividades. A partir dela é que se compreende a racionalidade que presidiu o envio de dados. Logo, é ela o critério norteador de qualquer aplicação.
É preciso compreender que o compartilhamento de dados deve ser verificado à luz das Políticas Públicas e finalidades institucionais dos receptores do envio de dados pessoais, com vistas ao cumprimento da LGPD.
Assim, pairam muitas dúvidas sobre os dados hoje enviados pelo registrador civil ao Poder Público e até mesmo sobre a constitucionalidade das leis que hoje disciplinam a matéria.
Os dados sensíveis dizem respeito exclusivamente ao seu titular e sempre deverão ser preservados pelo registrador civil, que é o guardião do estado civil das pessoas, sendo o registro de nascimento o primeiro documento a conferir cidadania ao indivíduo e, ao longo da vida, todas as intercorrências no estado civil da pessoa natural ficarão registradas e guardadas nesse repositório. Difícil imaginar hipótese que seja compatível com o envio desses dados sensíveis, de cunho estritamente íntimo, para a realização de Políticas Públicas.
De outro lado, faz sentido o devido tratamento de dados para posterior envio; insere-se no conceito de dado anonimizado aquele relativo a titular que não possa ser identificado, considerando a utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis na ocasião de seu tratamento.
Transferência de dados registrais sem o devido tratamento pode ser equivalente à formação de cadastro de pessoas naturais, com controle externo e diverso do titular constitucional, qual seja, o registrador civil.
A LGPD é bastante criteriosa ao se referir aos órgãos notariais e de registro, determinando de forma restritiva a necessidade de “fornecer acesso a dados por meio eletrônico” (art. 23, parágrafo 5º, LGPD). O dispositivo restringe as possibilidades quanto ao compartilhamento ou envio de dados e ratifica dispositivo anterior, que já mencionava que os serviços de registros públicos deveriam apenas disponibilizar ao Poder Judiciário e ao Poder Executivo federal, por meio eletrônico e sem ônus, o acesso às informações (art. 41, lei 11.977/09).
Resta claro que além da privacidade, a LGPD busca resguardar o compartilhamento ou acesso de dados e vinculá-lo às suas finalidades (art. 6º, incs. I, II e III, LGPD), evitando desvios e oportunismos no trato de dados pessoais, preservando as atribuições registrais e engrandecendo tal atribuição.
4. O que mais o registrador civil precisa saber sobre a LGPD
O provimento 74, de 31 de julho de 2018 da Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça estipulou padrões mínimos de tecnologia da informação para segurança, integridade e disponibilidade dos dados e para a continuidade da atividade nos serviços extrajudiciais. Em razão do avanço tecnológico, da informatização, dos sistemas eletrônicos e compartilhados, que passaram a fazer parte do dia a dia do Registro Civil , foi necessária a padronização da segurança para a manutenção dos arquivos eletrônicos de livros e documentos do acervo das serventias.
O mencionado provimento visa basicamente à proteção da base de dados das unidades extrajudiciais, estabelecendo padrões mínimos para a manutenção como firewall, backups periódicos por mídia externa e em nuvem, utilização de programas antivírus e antissequestros de dados. Assim, tal provimento do CNJ certamente ajudará o registrador civil na proteção dos dados pessoais e sensíveis e no cumprimento dos princípios impostos na LGPD, no que tange à segurança e sigilo de dados.
O registrador civil deve adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais da sua Serventia de acessos não autorizados, evitando situações acidentais e ilícitas voltadas para a destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado (art. 46, LGPD).
O referido provimento apresenta os padrões técnicos mínimos para tornar aplicável o disposto na LGPD, considerando a natureza das informações tratadas, as características específicas e o estado atual da tecnologia, bem como os princípios que regem a matéria.
Por outro lado, é preciso enfatizar que o Brasil é um país de tamanho continental, sendo extremamente díspar e desigual. É nesse contexto que os Registradores Civis e sua interação com a LGPD devem ser vistos.
As exigências do provimento 74 do CNJ, apesar de importantes e necessárias, são extremamente custosas e complexas, apresentando nova problemática a ser enfrentada pela classe. Isso porque muitas Serventias não arrecadam o suficiente sequer para suprir os custos periódicos de manutenção e muito menos para investir em tecnologia2.
5. O que mais o registrador civil precisa saber sobre a LGPD
Pela LGPD, temos novas figuras, próprias para o tratamento dos dados pessoais. Criada a Autoridade Nacional, órgão da administração pública responsável por zelar, implementar e fiscalizar o cumprimento da nova legislação em todo o território nacional. Além dela, temos as figuras dos Agentes de Tratamento de Dados que são o Controlador, o Operador e o Encarregado (arts. 37 e ss., LGPD).
Controlador pode ser uma pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. É quem tem competência para a tomada de decisões referentes ao tratamento dos dados pessoais. Operador também pode ser uma pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, sendo aquele que realiza o tratamento dos dados pessoais em nome do controlador. É aquele que deverá cumprir as ordens do controlador.
Encarregado é uma pessoa indicada pelo controlador para atuar como um canal de comunicação entre o controlador, os titulares dos dados e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
Na LGPD, há previsão de responsabilidade pelos danos patrimoniais e morais e pelas violações da lei pelo Controlador e pelo Operador, que deverão responder solidariamente, principalmente o Controlador, quando diretamente envolvido no tratamento que resulta em dano nos dados pessoais; e o Operador, se não seguir as orientações do Controlador no tratamento desses dados. Não há previsão de responsabilidade do Encarregado, que opera como preposto ou longa manus do Operador.
Neste primeiro momento, as aplicações da LGPD não permitem dizer com certeza absoluta quais serão essas figuras na relação com o Registro Civil das Pessoas Naturais, bem como com os demais serviços notariais e registrais. Contudo, pode-se inferir que a figura do Controlador deve ser o órgão que tem poder normativo em relação às Serventias Extrajudiciais com abrangência nacional, por isso parece razoável identificar essa figura com a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, que deverá estar envolvida nas políticas de tratamento dos dados pessoais.
A figura do Operador pode ser identificada com os Titulares das Delegações Registrais e Notariais, que seguirão as diretrizes trazidas pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça e tratarão os dados pessoais, de acordo com a privacidade necessária para a proteção dos indivíduos. E também seriam identificados como Encarregados, que atuarão como um canal de comunicação entre o titular dos dados pessoais e a Autoridade Nacional (art. 41, parágrafo 2º, LGPD).
Cabe ao registrador civil orientar os seus colaboradores sobre as práticas a serem tomadas no trato e na proteção dos dados pessoais, bem como executar as atribuições determinadas pelo Controlador e estabelecidas nas normas da Autoridade Nacional. Padrões técnicos, obrigações específicas para os diversos envolvidos no tratamento, ações educativas, mecanismos internos de supervisão e de mitigação de riscos relacionados ao tratamento de dados pessoais são exemplos do que devem estar contemplados nas orientações a serem dadas.
No âmbito de suas atribuições, de forma individual e por meio das Associações de Registradores Civis, é preciso formular regras de boas práticas e de governança que estabeleçam as condições de organização, o regime de funcionamento, os procedimentos e as normas de segurança (art. 50, LGPD).
6. Conclusão
Proteger os dados pessoais e sensíveis das pessoas insere-se na garantia constitucional de proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, CF/88). A LGPD trouxe caminhos para a proteção de dados pessoais. Caberá agora ao Estado, por meio de políticas públicas de implementação, determinar os limites da sua aplicação.
Verifica-se, assim, que deve haver um sistema de freios e contrapesos também no uso e divulgação dos dados pessoais, colocando na balança os aspectos de publicidade e privacidade, evitando o uso indevido desses dados, vazamentos ou ataques cibernéticos, visando sempre à preservação contínua dos dados pessoais por serem imprescindíveis às pessoas e ao desenvolvimento da sociedade.
Os Registros Civis recolhem e conservam dados que se tornam públicos, a partir de sua entrada nos assentos. A publicidade a terceiros e aos próprios interessados é feita por meio das certidões. Há publicidade também no fornecimento de dados aos órgãos públicos, cuja finalidade deve ser meramente estatística e para fomento de políticas públicas.
Assim, o dever primordial dos Registros Públicos é guardar e informar. A proteção dos dados não pode acabar com esse dever, mas deverá balizar um novo entendimento sobre a sua atuação.
Além disso, como a LGPD traz um processo de proteção dos dados pessoais, as Serventias Extrajudiciais deverão adequar seus procedimentos através de uma nova estruturação tecnológica de proteção. Dessa forma, cabe ao registrador civil, fazendo uso das normas previstas no provimento 74 do CNJ, assegurar o correto tratamento, manutenção e guarda segura do seu acervo.
Ainda no âmbito de suas atribuições, o registrador civil deverá formular regras de boas práticas e de governança que estabeleçam condições de organização e normas de segurança, em resposta aos desafios apresentados pelo LGPD.
As primeiras impressões da LGPD refletem o crescimento da importância do Registro Civil no sistema jurídico brasileiro. Como guardião dos dados das pessoas naturais, o registrador civil cumpre o seu papel ao resguardar a publicidade de dados pessoais, bem assim o estado da pessoa, protegendo sua dignidade e privacidade, diante das normas legais e éticas, e na guarda do repositório de vida da sociedade.
Viabilizar o cumprimento dessas novas obrigações deve ser objeto de atenção tanto pelos entes fiscalizadores em nível nacional e estadual, bem como pelas Associações de Registradores Civis, que têm sua responsabilidade aumentada. Não deixa de ser uma excelente oportunidade para unir a classe e dar respostas coletivas e criativas à sociedade, evitando que cada Oficial de Registro Civil atue de forma solitária no cartório sob a sua responsabilidade.
A delegação estatal dessa atribuição garante uma prestação de serviço público imparcial e ratifica a sua importância no refinamento do Sistema de Justiça, como ofícios da cidadania que são. Não resta dúvida de que os desafios trazidos pela LGPD serão vencidos, não sem engrandecer a classe e mostrar mais uma vez seu valor para a sociedade.
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1 Cf. Precedente a seguir: Processo 0025710-28.2014.8.26.0100, Juiz Dr. Marcelo Benacchio, 2ªVRP/SP, “É obrigatória a expedição de certidão de inteiro teor nos casos em que constar averbação de adoção simples efetivada após a vigência da Lei 8.069/90 e antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, para que possa ser reconhecida de imediato a real situação de parentesco do adotado”. DJE/SP 22/09/2014.
2 Diante desse quadro, o CNJ instaurou oPedido de Providências n. 0011283-20.2018.2.00.0000 e decidiu-se que o Provimento 74 CNJ está em plena vigência, devendo ser cumprido pelas Classes 2 e 3, com a fiscalização pelas Corregedorias de Justiça Estaduais, e abrindo a possibilidade para Classe 1, em especial para as serventias deficitárias, que justifiquem a impossibilidade absoluta de cumprimento dos requisitos de tecnologia determinados, o que deverá ser comunicado à Corregedoria Nacional de Justiça. Assim, por exemplo, a impossibilidade de acesso à internet em algumas localidades do país deve ser analisada, com a criação de alternativas para a proteção dos dados nesses casos, sempre levando em consideração as diferentes realidades do Brasil.
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*Érica Barbosa e Silva é mestre e doutora em Direito Processual pela USP. Professora convidada de Processo Civil e Registros Públicos em cursos de pós-graduação lato sensu. Pesquisadora. Autora de diversos artigos e livros jurídicos. Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM e do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Conciliadora. Oficial de Registro Civil em São Paulo - SP.
*Izolda Andréa de Sylos Ribeiro é pós-graduanda em Direito Notarial e Registral na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP. Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Unitoledo, SP. Autora de artigos jurídicos em livros especializados em Direito Notarial e Registral. Oficial de Registro Civil da Sede da Comarca de Novo Horizonte - SP.
*Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Diretora do Instituto Nacional de Direito e Cultura – INDIC. Professora e co-coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral na parceria INDIC-CEDIN. Vice-Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG e do RECIVIL. Autora dos livros Notas e Registros, Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial, além de diversos artigos na área do direito notarial e registral. Oficial de Registro Civil e Tabeliã de Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte - MG.