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A MP do contribuinte legal e seus reflexos práticos

Espera-se que enfim nosso sistema tributário tenha atingido maturidade suficiente para superar tais desafios de implementação do instrumento da transação na esfera pública.

22/11/2019

No dia 16 de outubro de 2019, foi publicada MP 899 apelidada de “MP do Contribuinte Legal” que tem como objetivo a resolução de conflitos entre Fisco e contribuinte, que possui dívidas fiscais com a União. O instrumento legislativo advém do conceito chamado de transação tributária, previsto no art. 171 do CTN1 e esteve sem regulamentação por mais de 53 anos.

A medida prevê a possibilidade de transação em duas modalidades: (i) débitos inscritos em Dívida Ativa, objeto de cobrança pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional - PGFN2; e (ii) débitos não inscritos em dívida ativa administrados pela Receita Federal do Brasil - RFB.

(i) débitos inscritos em dívida ativa pela PGFN

Nessa modalidade, pretende-se alcançar os débitos classificados como C ou D, reconhecidos por serem débitos irrecuperáveis ou de difícil reparação na perspectiva dos meios tradicionais da Execução Fiscal – casos de empresas em recuperação judicial, contribuinte não localizado, sem atividade ou dívidas antigas.

A transação poderá ser individual, por adesão ou por iniciativa do próprio contribuinte, observada a condição de não haver alienação ou oneração de bens ou direitos sem a comunicação ao Fisco, quando exigido.

O instrumento deve ser formalizado por meio de termo de transação assinado pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional (ou a quem ele delegue), considerando valores que serão definidos por meio de portaria do Ministério da Economia.

A MP 899/19, autoriza a redução de até 50% do total da dívida, vedada a transação do montante principal do crédito inscrito em dívida ativa, o que permite descontos sobre multas, juros e encargos incidentes.

Para pessoas físicas, micro e pequenas empresas o desconto pode se estender a 70%, em ambos os casos, não acumuláveis com quaisquer outros descontos.

O instituto contempla possibilidade para definição de prazos e formas de pagamentos (diferimento e moratória) com possibilidade de carência do período inicial do pagamento de parcelas ou oferecimento de garantias e constrições. O valor poderá ser parcelado em até 84 meses, não sendo passível de transação os seguintes débitos: (i) aqueles enquadrados no Simples Nacional; (ii) FGTS; (iii) multas criminais ou decorrentes de fraudes, sonegações e conluio.

A aceitação da transação pelo contribuinte gera a renúncia ao direito de disputar o crédito tributário objeto do “acordo”, constituindo confissão irretratável e irrevogável da dívida, sem a possibilidade de onerar bens ou direitos sem a devida comunicação entre as partes.

 A proposta de transação não suspenderá a exigibilidade do crédito tributário ou a execução fiscal enquanto não formalizada, o que pode ser convencionado entre as partes e previsto até a extinção dos créditos ou a rescisão do acordo.

Haverá descumprimento das condições dos compromissos assumidos nos casos de (i) esvaziamento patrimonial para fraudar o cumprimento dos termos (mesmo que anterior à celebração) ou (ii) falência ou liquidação do executado.

Configurada uma dessas hipóteses, resguarda-se ampla defesa para impugnação da rescisão no prazo de 30 dias ou a possibilidade de regularização do vício.

A PGFN ainda definirá (i) métodos de pagamento de entrada, apresentação de garantia e manutenção e (ii) critérios para aferição do grau de recuperabilidade da quantia devida, parâmetros para comprovação do insucesso da cobrança e da capacidade contributiva do devedor.

(ii) Transação por adesão no processo tributário (administrativo ou judicial)

Na segunda modalidade, caberá ao Ministério da Economia, por meio da RFB ou da PGFN, divulgar proposta de transação e condições de adesão (situações fáticas e jurídicas) para teses de alta repercussão sujeitas a disputas nos tribunais.

O objetivo aqui é diminuir o nível de demandas judiciais que atrasam o recolhimento de tributos, reduzindo custos dos litígios entre partes nas discussões consideradas relevantes e disseminadas, tanto na esfera administrativa como na judicial.

Tem o mesmo critério de parcelamento, como na primeira modalidade, até 84 vezes, assim como débitos do Simples Nacional e FGTS, não podendo ser objeto de acordo. Entretanto, nessa segunda modalidade de transação, não há possibilidade de restituição de valores já pagos ou compensados, nem que contrarie decisão judicial definitiva.

O contribuinte interessado deve fazer o pedido de transação por meio eletrônico, mediante termos do edital a ser publicado em portaria do Ministério da Economia, desde que preenchido um dos requisitos: (i) ação judicial em curso; (ii) embargos à execução fiscal; ou (iii) recurso administrativo pendente de julgamento definitivo.

Haverá rescisão da transação caso (i) não observadas as condições da MP ou edital; (ii) comprovada corrupção, concussão ou prevaricação; (iii) contrariar decisão judicial definitiva prolatada antes da celebração da transação, ou; (iii) ocorrendo fraude, simulação ou erro essencial quanto à pessoa ou ao objeto.

A União, norteada pelos princípios da Administração Pública, deverá atender sempre a supremacia do interesse público, devendo o agente fiscal primar pelo juízo de oportunidade e conveniência.

Considerações finais

O instituto da transação, amplamente aceito no âmbito civil e tratado no pelo artigo 8403 do CC, ainda caminha a passos lentos na esfera do Direito Público, em especial no Direito Tributário, sobretudo pela dificuldade em superar os limites interpretativos do dogma criado da indisponibilidade do interesse público.

O pressuposto de que o sistema arrecadatório está mais sujeito a fraudes revela, no fundo, um trauma social que encobre e dificulta o alcance de melhores resultados na satisfação do crédito público, responsável por subsidiar políticas sociais e econômicas.

Ainda é prematuro, mas espera-se que enfim nosso sistema tributário tenha atingido maturidade suficiente para superar tais desafios de implementação do instrumento da transação na esfera pública.

A regulamentação do instituto é uma quebra de paradigma na relação entre Fisco e contribuintes, abrindo-se a possibilidade de diálogo e mediação por meio uma nova era pautada por métodos alternativos de solução de conflitos tributários.

_______

1 - Art. 171 - A lei pode facultar, nas condições que estabeleça, aos sujeitos ativo e passivo da obrigação tributária celebrar transação que, mediante concessões mútuas, importe em determinação de litígio e conseqüente extinção de crédito tributário.

Parágrafo único. A lei indicará a autoridade competente para autorizar a transação em cada caso.

2 - Permissibilidade também para débitos de autarquias e de fundações públicas federais (com ressalvas).

3 - Art. 840. É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem o litígio mediante concessões mútuas.

___________

*Eduardo Muniz Cavalcanti é sócio do escritório Bento Muniz Advocacia. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com ênfase em Direito Tributário. Obteve o diploma de estudos avançados DEA na Universidade de Salamanca, Espanha, com período de investigação em Nápoles na Itália.

*Gabriel Cosme de Azevedo é colaborador do escritório Bento Muniz Advocacia. Graduando pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Mediador e Conciliador pela Rede Internacional de Excelência Jurídica do Distrito Federal.

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