No momento em que ressurgem discussões a respeito da possível criação de um regime jurídico específico aos clubes de futebol profissional que optarem pela transformação societária em Sociedades Anônimas (S/As), especialmente diante do atual trâmite de Projetos de Lei (PLs) apresentados, nos últimos anos1, em ambas as casas legislativas que compõem o Congresso Nacional, os debates têm apresentado como principal foco o regramento e as normas jurídicas potencialmente aplicáveis às denominadas Sociedades Anônimas do Futebol (SAF ou SAFUT), ingressando-se, portanto, nas peculiaridades de uma eventual instituição de nova modalidade societária e nas distinções relativas ao que é imposto às demais S/As de outros ramos empresariais.
Como cerne da questão, temos a tributação dos clubes neste possível novo cenário face às demais pessoas jurídicas. Isto porque, atualmente, a maioria dos clubes desportivos que apresentam setor de futebol profissional são constituídos como associações, logo, possuindo, ao menos em tese, tributação menos onerosa que empresas de áreas diversas2. Naturalmente, o referido quadro pode ser alterado se considerarmos certas contribuições, taxas e emolumentos pouco explorados em trabalhos e estudos, apesar de inerentes às atividades futebolísticas, os quais serão objeto do presente artigo.
De toda maneira, exatamente pelo fato de os principais clubes do país se caracterizarem como associações civis, ainda que já seja possível, nos dias atuais, a escolha pela estruturação nos mesmos moldes das demais pessoas jurídicas de outros ramos (sobretudo, Ltda. e S/A), como é o caso, por exemplo, do “Red Bull Futebol e Entretenimento Ltda” e da “Ferroviária Futebol S/A”, a ausência da finalidade de lucro, própria das associações, cumulada com a não incidência de determinados tributos a este tipo societário3, invariavelmente gera questionamentos acerca do suposto “benefício” que os clubes de futebol profissional ou clubes desportivos podem gozar.
Indagações acerca da qualificação de clubes desportivos como associações são potencializadas por todo o impacto midiático que o futebol profissional apresenta no Brasil, assim como pelos grandes números que este esporte apresenta, tanto no que concerne a receitas, como no atinente às despesas, tais como salários, patrocínios, contratações, bilheteria, venda de produtos licenciados, dentre outros.
Entretanto, ainda que sem ingressar em maiores aprofundamentos acerca da natureza jurídica das associações4, que por si só já poderiam abreviar discussões sobre o enquadramento dos clubes como tais, insta salientar as dificuldades à efetiva equiparação entre clubes desportivos e sociedades empresárias, por diversas especificidades que serão tratadas na sequência, parecendo-nos necessário compreender a importância de estabelecimento de certas normas exclusivas, não obstante as comuns a todos os regimes.
Preliminarmente, mesmo com a desejável modernização e profissionalização na administração dos clubes desportivos, notadamente face às notórias más gestões que têm os levado a situações financeiras cada vez mais graves, destaca-se que são demasiadamente pouco abordados alguns encargos que estes clubes assumem, sobretudo por serem inerentes à atividade desportiva no país, nos termos da legislação aplicável ao setor.
Dentre eles, podem ser citados, inicialmente, os gastos com toda a estrutura que envolve o clube desportivo além do futebol profissional, visto que, por exemplo, existem custos de manutenção das instalações da sede social, há montante relevante dispendido para a realização ou comparecimento (incluindo-se viagens) em jogos e eventos de equipes de outros esportes e/ou de categorias amadoras, independentemente do comparecimento de público ou de faturamento de bilheteria.
Logo, é verificar que, apesar dos maiores holofotes se encontrarem no futebol profissional, por trás dos elencos e profissionais, que podem ser milionários, há, na realidade, um clube desportivo possuidor de sede social, centro de treinamento e de reabilitação; detentor de times e atletas de outras modalidades esportivas; e titular de categorias de esporte amador, portanto, responsável por grandes custos de manutenção sem necessariamente obter o mesmo retorno (de receita) apresentado pelo futebol profissional.
Superado este ponto e passando-se a adentrar no objeto central do presente artigo, abordaremos algumas peculiaridades relativas às contribuições, taxas e emolumentos geralmente pouco (ou não) debatidas, as quais possuem grande impacto nas atividades deste ramo.
Em primeira medida, é salutar mencionar que há distanciamento das associações detentoras de equipes de futebol profissional em relação às sociedades empresárias no tocante à contribuição destinada à Seguridade Social. Afinal, se de um lado as pessoas jurídicas, comumente, submetem-se à incidência da referida contribuição sobre a folha salarial5 ou, ainda, sobre a receita bruta, a depender de seu objeto social e da opção para tal6, de outro, as associações mantenedoras de time de futebol profissional estão sujeitas à incidência de INSS, em alíquota na ordem de 5% (cinco por cento), sobre a receita bruta de espetáculos desportivos (notadamente dos “borderôs” das partidas) e de qualquer forma de patrocínio, licenciamento de uso de marcas e símbolos, publicidade, propaganda e de transmissão destes espetáculos desportivos, ex vi o artigo 1º da lei 8.641/93 e o artigo 22, § 6º, da lei 8.212/91.
Ainda sobre o tema, a doutrina distingue a aplicabilidade do supracitado entre as entidades de práticas desportivas futebolísticas e não futebolísticas:
A regra geral da tributação das entidades de prática desportiva profissional, referentemente à contribuição social incidente sobre a folha de salário, determina que sobre a mesma pode incidir uma alíquota de 15% (quinze por cento) ou 20% (vinte por cento), dependendo do beneficiário da remuneração paga.
[...]
No que se refere, porém às entidades de prática desportiva profissional da modalidade futebol, a sistemática de apuração é distinta das demais entidades [...]7.
Num segundo plano, observa-se que, exatamente pela maneira como é estruturado o futebol brasileiro, portanto, com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e as Federações locais, os clubes de futebol visualizam a necessidade de proceder à filiação em ambas as entidades (CBF e Federação local) para que estejam aptos a participar das competições regionais, nacionais e internacionais, visto que estas são as responsáveis pela organização dos torneios, assim como do registro de atletas, regras das competições, tribunais disciplinares, dentre outras questões.
Nesse sentido, uma vez efetuada a necessária filiação do clube de futebol perante determinada Federação local, este passará a estar obrigado ao recolhimento das mais diversas taxas e emolumentos por ela previstas8, incidentes em praticamente todos os atos praticados pelos representantes do clube, no exercício de suas atividades, tais como as taxas correspondentes a: (i) filiação, anuidade/renovação de licenciamento; (ii) registro, aos termos aditivos e às rescisões de contratos de atletas; (iii) transferências de atletas; (iv) mudança de sede (município) do filiado; (v) licença, inatividade ou afastamento do campeonato, dentre outras.
Além do demonstrado acima e de outras inúmeras taxas impostas pelas Federações, tem-se como mais relevante, e potencialmente mais onerosa, a cobrança devida pelos clubes às suas respectivas Federações, no que concerne à realização de jogos como mandante, ou até mesmo como visitante9, inclusive em hipóteses de execução de partida em outro estado ou em jogos amistosos.
Em regulamentação ofertada pela CBF, há sugestão, por assim dizer, de aplicação de percentual de 5% (cinco por cento) sobre a receita bruta das partidas10, o que é seguido pela Federação Paulista de Futebol (FPF)11, ao passo que outros estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Minas Gerais apresentam cobrança superior do clube mandante, em percentual de 10% (dez por cento)12. Há, ainda, Federações que determinam retenção de percentual abaixo do previsto em Regulamento da CBF, por exemplo, a Federação Bahiana de Futebol (FBF), que, ante o descrito no artigo 25 do Regulamento do Campeonato Baiano – Série A13, exige a retenção de 3% (três por cento) sobre a receita bruta das partidas, exceto de jogo(s) a ser(em) realizado(s) entre o Esporte Clube Bahia e o Esporte Clube Vitória.
A referida exigência imposta pelas Federações locais não é a única que possui como base os rendimentos dos clubes, in casu, os referentes à bilheteria, posto que, a título de exemplo, a FPF trazia, expressamente no seu Regulamento Geral de Competições – 201614, a necessidade de pagamento da importância correspondente a 10% (dez por cento) sobre as receitas advindas dos direitos de transmissão e retransmissão de partidas do clube filiado à Federação.
Ademais, são visualizadas, por vezes, situações em que os clubes suportam repasses financeiros efetuados pelas Federações, como no caso do previsto no artigo 16, II, do Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/03)15, em que, apesar da responsabilidade legal ser da “entidade responsável pela organização da competição”, a contratação de seguro de acidentes pessoais aos torcedores é efetuada pelo clube mandante (realizador da partida), de acordo com a regulamentação da matéria apresentada pela CBF16 e demais Federações17.
Finalmente, cumpre citar as contribuições, pouco conhecidas pelo público em geral, devidas à Federação das Associações de Atletas Profissionais (FAAP) e à Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF), por exigência da Lei Pelé (Lei 9.615/98) e conforme regulamentação vigente proposta pelo decreto 7.984/13. Dispõe o art. 57 da referida Lei Pelé:
Art. 57. Constituirão recursos para a assistência social e educacional aos atletas profissionais, aos ex-atletas e aos atletas em formação os recolhidos:
I - diretamente para a federação das associações de atletas profissionais - FAAP, equivalentes a:
a) 0,5% (cinco décimos por cento) do valor correspondente à parcela ou parcelas que compõem o salário mensal, nos termos do contrato do atleta profissional pertencente ao Sistema Brasileiro do Desporto, a serem pagos mensalmente pela entidade de prática desportiva contratante; e
b) 0,8% (oito décimos por cento) do valor correspondente às transferências nacionais e internacionais, a serem pagos pela entidade de prática desportiva cedente; e
II - diretamente para a Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol - FENAPAF, equivalentes a 0,2% (dois décimos por cento) do valor correspondente às transferências nacionais e internacionais de atletas da modalidade de futebol, a serem pagos no ato do recebimento pela entidade de prática desportiva cedente;
A regulamentação da matéria é veiculada, atualmente, pelo decreto 7.984/13, o qual expressa, em seus artigos 53 a 56, as funções das mencionadas Federações, a necessidade de publicação de demonstrações financeiras, além da capacidade de cobrança, nas vias administrativa e judicial, nas hipóteses de não recolhimento.
Em conclusão, verifica-se que, ante de todo o exposto, o setor futebolístico apresenta inúmeras especificidades, sobretudo no que tange às taxas, contribuições e emolumentos aplicáveis à área, ainda que sejam pouco explorados em trabalhos científicos.
Levando-se em consideração a impossibilidade deste breve artigo abordar todos os encargos desta natureza, compreende-se, a nosso ver, que há clara necessidade de avaliação de uma maneira mais ampla e profunda da legislação e da regulamentação do futebol, para que, somente após superada esta etapa analítica, se possa efetuar a modificação do cenário atual, promovendo-se a evolução legislativa e a aproximação cada vez maior com a modernidade, porém, com a devida responsabilidade e, ao mesmo tempo, respeitando-se, dentre diversos princípios constitucionais, o da isonomia18, inclusive entre os tratamentos legais propostos às diferentes pessoas jurídicas.
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1 Tramita, atualmente, no Senado Federal, o PL 5.516/19, visando à criação da Sociedade Anônima do Futebol, enquanto que na Câmara dos Deputados, há 04 (quatro) Projetos de Lei sobre o tema, a saber, PLs 6.461/05, 2.104/2015, 5.082/2016 e 2.758/2019, os quais possuem previsão de criação, respectivamente, da Sociedade Empresária Desportiva, da Sociedade Anônima Desportiva (SADES), da Sociedade Anônima do Futebol (SAF) e da Sociedade Anônima de Futebol (SAFUT).
3 Vide Nota 2.
4 Segundo o próprio Código Civil (Lei 10.406/02), e seu artigo 53, “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.”.
5 Inteligência do artigo 22 da lei 8.212/91.
6 Consoante o previsto no artigo 7º da lei 12.546/11.
7 SILVA, Felipe Ferreira. Tributação no Futebol: Clubes e Atletas. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 149 e 150.
8 Nos termos de Regulamentos Gerais das Competições (ex.: FGF), Códigos Tributários (ex.: FMF), Listagens de Taxa e Emolumentos (ex.: FERJ), a depender da Federação sob análise, havendo permissão a estas previsões pelos Estatutos Sociais das Federações, bem como da CBF, sobretudo conforme o artigo 78 do Regulamento Geral das Competições – 2019 – CBF.
9 Hipótese descrita no documento Listagem de Taxas e Emolumentos – 2017, da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ), a qual determina o recolhimento de montante fixo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) aos clubes das Séries A, B ou C, que participarem de “Torneios não organizados pela FERJ ou CBF, como visitante”. Disponível em clique aqui. Último acesso em 08/11/2019.
10 Previsão do artigo 78, VI, do Regulamento Geral das Competições – 2019 – CBF. Disponível em clique aqui. Último acesso em 11/11/2019.
11 As principais regras que regem na Federação Paulista de Futebol (FPF) encontram-se em seu Estatuto Social, incluindo-se, por exemplo, a permissão para cobrança de anuidade de seus filiados. Disponível em: clique aqui. Último acesso em 08/11/2019.
12 No caso de partidas organizadas pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e/ou torneios não organizados nem pela CBF, nem pela Federação Mineira de Futebol (FMF), o percentual é reduzido para 5% (cinco por cento), não obstante outras hipóteses, como o caso descrito na Nota 9 deste Artigo.
13 Disponível em: clique aqui. Último acesso em 11/11/2019.
14 Conforme artigo 58, Parágrafo Único, do Regulamento Geral de Competições da FPF – 2016. Disponível em: clique aqui. Último acesso em 11/11/2019.
15 Artigo 16, II, do Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/03), in verbis: “Art. 16. É dever da entidade responsável pela organização da competição: II - contratar seguro de acidentes pessoais, tendo como beneficiário o torcedor portador de ingresso, válido a partir do momento em que ingressar no estádio;”.
16 Nos termos dos artigos 78, IV; 79, caput, e; 90, I, todos do Regulamento Geral das Competições – 2019 – CBF. Disponível em clique aqui. Último acesso em 11/11/2019.
17 No que tange, por exemplo, à FBF, o tema encontra-se previsto no artigo 31, Parágrafo 1º, do Regulamento do Campeonato Baiano – Série A. Disponível em: clique aqui. Último acesso em 11/11/2019.
18 Em apertado resumo, o princípio da isonomia, previsto no artigo 5º da Magna Carta, possui duas acepções: formal e substancial. Numa linguagem simples e objetiva, seria precisar que a formal exige o tratamento igualitário a todos, independentemente de quaisquer condições específicas, ao passo que a substancial permitiria o tratamento desigual àqueles que não possuem igualdade com os demais.
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