A competência para a cobrança do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (“ISS”): Município do estabelecimento do prestador ou Município em que os serviços são prestados?
Marcelo Marques Roncaglia*
Ricardo Calil*
(a) A divergência em relação ao Município competente
O ISS encontra-se atualmente regulado em sede infraconstitucional pela Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 (clique aqui - “LC 116/03”), que estabelece, em seu artigo 3º, como regra geral, que “o serviço considera-se prestado e o imposto devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta de estabelecimento, no local do domicílio do prestador”.
O enunciado é claro ao definir que o imposto deve ser pago no local do estabelecimento que efetuou a prestação do serviço, seja a própria matriz ou filial, sucursal, etc., sendo que, na falta de estabelecimento, o imposto deve ser pago ao Município em que o prestador é domiciliado.
A regra geral é confirmada pelas exceções previstas no artigo 3º, que enumera vinte e duas situações em que o imposto será devido em local diferente daquele determinado pela regra geral. Todas as exceções consubstanciam situações em que o tributo é devido no local em que o serviço é prestado, e não no do estabelecimento do prestador.
Na verdade, a LC 116/03 praticamente repetiu as regras do antigo Decreto nº 406, de 31 de dezembro de 1968 (clique aqui - “Decreto 406/68”), que foi parcialmente revogado com a entrada em vigor da referida lei. Portanto, o legislador complementar reafirmou sua opção por atribuir ao Município do estabelecimento do prestador a competência para exigir o ISS. E o aumento das exceções a essa norma, prevista na LC 116/03, é uma eloqüente prova dessa escolha.
Ocorre que o STJ, ao julgar casos relacionados ao ISS, pacificou o entendimento de que o Município competente para o recebimento do referido tributo é o do local em que o serviço é prestado, e não o da localização do estabelecimento prestador. O STJ entende que essa seria a interpretação constitucional da lei, pois interpretá-la literalmente configuraria violação à Constituição nos casos em que o prestador presta serviços fora do Município onde está estabelecido. Assim, o STJ transformou em regra geral aquilo que é exceção no Decreto 406/68 e na LC 116/03.
Na prática, porém, essa situação tem gerado situação de plena insegurança ao contribuinte, que não sabe ao certo o local em que deve efetuar o pagamento do imposto. Além disso, por conta do teor do artigo 6º da LC 116/03, o prestador de serviço vem sendo duplamente tributado em relação ao ISS, pagando o imposto no local em que o serviço é prestado e também no local do estabelecimento prestador.
Tal artigo autoriza os Municípios e o Distrito Federal a “atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação, inclusive no que se refere à multa e aos acréscimos legais”.
Com base nesse dispositivo, os Municípios têm criado leis atribuindo ao tomador a obrigação de recolher na fonte o valor do ISS. Conseqüentemente, o prestador do serviço que tem estabelecimento em Município diferente daquele em que presta o serviço, paga o tributo no local em que efetua a prestação e no local em que tem estabelecimento, fato que configura típica dupla tributação, vedada pelo ordenamento.
(b) Alternativas para o contribuinte
Em face dessa situação de dupla tributação, abrem-se ao prestador de serviços algumas alternativas judiciais, como as que passamos a indicar, de forma exemplificativa.
Uma segunda alternativa seria impetrar um mandado de segurança em face das autoridades fiscais de um dos Municípios, a fim de impedi-las de exigir o tributo no futuro. Esta opção apresenta o mesmo obstáculo da anterior, qual seja, definir qual Município deve constar do pólo passivo.
A terceira alternativa seria o ajuizamento de uma ação de consignação em pagamento contra os dois Municípios, requerendo concomitantemente a expedição de um ofício para que o tomador deixe de recolher o ISS na fonte. A ação teria por fundamento o artigo 164, inciso III, do CTN, segundo o qual “A importância do crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos seguintes casos: (...) III – da exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador”.
A ação de consignação é dividida em dois momentos. No primeiro, a sociedade prestadora faria o depósito em juízo do valor devido e não se manifestaria em relação a qual dos dois Municípios é o legítimo credor. Posteriormente, os Municípios discutiriam entre si para que o juízo determinasse a quem é devido o pagamento. Findo este segundo momento, e revertido o depósito para o Município que se decidir competente, extingue-se o crédito tributário. A vantagem desta medida em relação às demais é que nela não se incorre no risco de ajuizar ação em face do Município ilegítimo.
(c) Conclusão
Como se viu, o ordenamento jurídico apresenta soluções para os problemas envolvendo a exigência do ISS por dois Municípios distintos. Em cada caso concreto, as vantagens e desvantagens de cada alternativa deverão ser avaliadas, para que a ação mais apropriada seja proposta.
Não obstante, muito melhor seria se não houvesse esse desencontro entre os estritos termos da LC 116/03 e a jurisprudência do STJ sobre a matéria. Essa questão, porém, poderá vir a ser solucionada pelo Supremo Tribunal Federal se e quando apreciar a matéria. Seria recomendável, porém, que fossem prestigiados os termos da LC 116/03, que acarreta maior segurança jurídica aos contribuintes, em vez de se manter a posição do STJ.
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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