Sancionada a chamada lei da liberdade econômica (lei 13.874/19), o momento é de interpretar seus dispositivos multidisciplinares, em conjunto com o ordenamento jurídico trabalhista vigente desde novembro de 2017 (lei 13.467/17), e partir para compreender o alcance dessa nova realidade brasileira na relação empregado e empregador. Será que estamos caminhando para um meio termo entre o positivismo como regra única e o contratualismo, consubstanciado no acordo privado individual contemplando a vontade das partes?
Pois bem, esse meio do caminho já estamos vendo acontecer nas relações coletivas e nas relações individuais para os diferenciados empregados hipersuficientes. No coletivo, os artigos 8º, parágrafo 3º, e o 611-A, ambos da “nova” CLT, já trouxeram para o mundo negocial o princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva, pelo qual a Justiça do Trabalho, ao analisar as convenções e acordos coletivos, voltará sua atenção exclusivamente à conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, consoante o disposto no artigo 104 do CC, preocupando-se, obviamente, em preservar a CF diante do objeto do acordo negociado. Sob os mesmos preceitos, no âmbito individual, o artigo 444, da CLT, passou a discriminar, pelo nível de estudos e patamar salarial, o empregado capaz de decidir - sem a intervenção do Estado - os rumos de sua vida profissional juntamente com seu empregador.
A lei da liberdade econômica, ainda que não de forma expressa como os artigos supracitados, traz elementos que, interpretados conjuntamente, podem nos guiar para esse mesmo entendimento, também em âmbito individual, mas sem uma discriminação taxativa, igualando o hiper com o hipossuficiente, o que relaxaria de vez as amarras de uma legislação trabalhista historicamente enrijecida.
A começar pelo artigo primeiro da lei trazendo o espírito do que se pretende preencher e permear nas relações privadas, protegendo a livre iniciativa e o livre exercício da atividade econômica de uma atuação imponente do Estado. Na sequência, o parágrafo segundo do mesmo artigo ordena que, havendo dúvida sobre as regras públicas que regem a atividade econômica privada, deve-se interpretar em favor da liberdade econômica, ou seja, nasce o “in dubio, pró-liberdade econômica”.
O mesmo parágrafo segundo destaca que o fundamento básico primordial para sustentar esse entendimento é a contemplação da boa-fé e do respeito aos contratos. Sendo bilateral e comutativo, ou seja, gerando obrigações para as partes, na relação de emprego, a nova lei já começa por este artigo a demonstrar seu fulcro para estruturar e solidificar o respeito da vontade das partes. Esse aspecto é corroborado pelo princípio da lei disposto no artigo segundo e merece destaque nesse estudo: (i) o princípio da boa-fé do particular perante o Poder Público.
A alteração no artigo 113 do CC, trazida pelo artigo 7º da lei ora interpretada traz segurança às partes enquanto exercitam sua autonomia contratual, pois reforça o princípio da primazia da realidade, tão importante para as relações laborais, e assegura que a interpretação do negócio jurídico será confirmada pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio.
A moldura desta análise é encerrada pelo que está disposto no parágrafo único do artigo 421 do CC. Ao tratar da liberdade contratual exercida nos limites da função social do contrato, o parágrafo destaca que “nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima”.
Garantido o mínimo ao trabalhador, conforme disposto no artigo 7º da CF, a lei da liberdade econômica, em uma primeira análise interpretativa, pode ter equiparado o direito de negociar do hipersuficiente previsto na reforma da CLT/17, com o hipossuficiente, que passa a ter o mesmo direito e prerrogativa de ver sua vontade contemplada em uma negociação autônoma do contrato de trabalho.
O contraponto desta análise será o desequilíbrio entre o capital e o empregado desprovido intelectualmente e monetariamente, mas para isso resta preservado o direito de petição, com a busca livre pela intervenção do Judiciário e os próprios órgãos fiscalizadores do ordenamento jurídico. Mas, além disso, a própria lei tem um antídoto importante para aqueles contratos de trabalho que são, na prática, um contrato de adesão, pois dispõe, na alteração do artigo 113 do CC que o negócio jurídico será interpretado pelo que for mais benéfico para a parte que não redigiu o dispositivo, contemplando o princípio do “in dúbio, pró-operário”, assegurando, assim, outro princípio constitucional de tratar os desiguais desigualmente.
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