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As Indenizações por Violação à Propriedade Intelectual

Mesmo com a evolução interpretativa do Judiciário, ainda há distorções que afastam o Brasil do modelo de proteção às criações intelectuais. Os alarmantes números da falsificação da CPI contra a Pirataria mostram isso. Em 2003, as perdas tributárias foram estimadas em R$ 1,5 bilhão.

24/11/2003

 

As Indenizações por Violação à Propriedade Intelectual

 

*Marcelo Goyanes

 

A necessidade ou não de prova do prejuízo para condenar o infrator por perdas e danos é assunto que ainda gera controvérsias na área de propriedade intelectual. Na doutrina especializada, prevalece entendimento de que a prova da violação aos direitos autorais e da propriedade industrial acarreta o dever de indenizar por parte do ofensor, independentemente da comprovação específica e material dos prejuízos causados ao ofendido. Mas, ainda há resistência por parte de corrente que não admite a prova implícita de danos. Os tribunais nacionais ainda vacilam em adotar uma ou outra posição.

 

A lei civil brasileira instituiu que o binômio ato ilícito/dano faz parte da essência da obrigação de indenizar. Logo, a comprovação do dano é essencial para configurar a responsabilidade civil. Comprovado o dano, passa-se a perquirir critérios para fixar a reparação, a fim de aliviar a vítima.

 

O princípio da restitutio in integrum está no artigo 944 do Novo Código Civil (NCC) e prevê reparação integral à vítima dos prejuízos que sofreu. A reparação deve recair sobre o desfalque sofrido no patrimônio da vítima - dano emergente -, sobre o reflexo futuro do ato ilícito no patrimônio da parte lesada - lucros cessantes -, e ainda sobre ofensas de ordem moral.

 

A necessidade de provas específicas para o reconhecimento do direito à reparação gira em torno dos elementos que seriam suficientes à comprovação da existência de danos. O melhor entendimento é o de que a comprovação e a necessidade de reparar o dano se confundem com a comprovação da pirataria.

 

A legislação vigente apóia a inteligência esposada. Na Lei da Propriedade Industrial (LPI), o fato material da violação do direito à exploração exclusiva do bem intelectual e o ato de concorrência desleal - que gera a indução do consumidor em erro ou confusão - são reprimidos como crimes contra a propriedade industrial. O artigo 207 da LPI autoriza o prejudicado a ajuizar ações para reparar os males causados pelo criminoso industrial e o artigo 208 diz que “a indenização será determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido”.

 

O artigo 209 da LPI autoriza, em recente interpretação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a reparação material se houver violação de direito da propriedade industrial, o que restringe a prova do dano à configuração da falsificação. Ainda na LPI, o artigo 210 estabelece critérios abrangentes para fixar a indenização por lucros cessantes, tornando claro que a fabricação e comercialização de produtos contrafeitos trazem prejuízos que devem ser reparados. A mens legis desse dispositivo mostra, implicitamente, que não há casos em que a contrafação não gere danos.

 

A Lei de Direitos Autorais reafirma o que foi exposto. O parágrafo único do artigo 103 estipula que “não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição fraudulenta, pagará o transgressor o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos”. Logo, mesmo sem prova para apurar o valor do prejuízo, o titular do bem será indenizado, simplesmente pelo fato de o dano existir.

 

O argumento do enriquecimento sem causa (artigo 884 do NCC) também pode ser usado na defesa da caracterização do dever de indenizar: “aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.” Para enquadrar uma conduta nessa teoria não é necessária existência do dano, mas apenas enriquecimento às custas da esfera jurídica alheia sem causa que o justifique. Enunciados aprovados pelo Conselho da Justiça Federal sobre o NCC confirmam esse conceito. Assim, quando alguém utiliza bem protegido pela propriedade intelectual sem autorização, locupleta-se às custas do titular, mesmo que o enriquecimento não traga dano patrimonial ou moral ao ofendido.

 

Analisando por outro foco, a prova dos danos causados pela pirataria pode ser difícil e custosa. Não se pode exigir que um criminoso industrial tenha livros contábeis em ordem. E, mesmo com escrituração adequada, há dificuldade na prova, em se tratando de sociedades que detêm a mesma marca para inúmeros produtos e/ou inúmeras marcas para diversos produtos.

 

Ademais, pode não haver queda no lucro, nem redução da clientela do titular do direito violado. Mesmo assim, o crime de violação de marca existe. A publicidade ostensiva pode causar até aumento das vendas para o titular, mas ele poderia estar lucrando mais, sem gastos para anular a falsificação.

 

Mesmo com as sendas trilhadas pela lei, recomenda-se ao interessado fazer levantamento contábil dos danos causados, para comprovar e liquidar os prejuízos sofridos, ainda na ação de conhecimento, pois já há lu. Isso pode evitar o indeferimento de pedidos de reparação, pois já há julgamentos, exigindo a comprovação do prejuízo no processo de conhecimento.

 

No fim da década de 90, o entendimento do STJ sobre esse assunto era de que os danos materiais só seriam devidos com comprovação efetiva nos autos do curso do processo de conhecimento. A evolução desse posicionamento se deu nos anos seguintes, com a promulgação da LPI e com o grande volume de ações semelhantes e recursos admitidos no STJ.

 

A grande confirmação de que o Judiciário tem dado progressiva atenção à proteção dos direitos intelectuais foi julgamento do recurso da Louis Vuitton Distribuição Ltda contra Caliente Com. de Modas Ltda. A relatora Nancy Andrighi, do STJ, reconheceu a necessidade de uma “evolução interpretativa, considerando o quadro social vigente”. Com base no aumento de produtos contrafeitos no Brasil e no artigo 209 da LPI, afirmou que a reparação material deve ser concedida “se houver ato de violação de direito de propriedade industrial, o que, no presente processo, constitui fato devidamente comprovado com a apreensão de bolsas falsificadas.”

 

Com o voto da relatora - acompanhado por unanimidade pelos outros ministros -, a empresa foi condenada por danos materiais - por violação ao artigo 209 da LPI - e também por danos morais, em função da vulgarização do produto e depreciação da reputação comercial do titular da marca. A tendência é que, mesmo sem a vinculação obrigatória, o posicionamento do STJ seja respeitado pelos órgãos julgadores inferiores, o que representará grande avanço no combate à pirataria.

 

Mesmo com a evolução interpretativa do Judiciário, ainda há distorções que afastam o Brasil do modelo de proteção às criações intelectuais. Os alarmantes números da falsificação da CPI contra a Pirataria mostram isso. Em relação ao software, em 2002, a indústria deixou de faturar US$ 1,36 bilhão e o fisco perdeu US$ 324 milhões. No setor tabagista, um terço dos cigarros consumidos no país é de marcas contrafeitas. Em 2003, as perdas tributárias foram estimadas em R$ 1,5 bilhão.

 

O paradoxo reflete o que parece ser a tendência histórica brasileira na aplicação da lei. De um lado, a legislação está de acordo com os princípios internacionais que regem a matéria. De outro, a falta de combate efetivo à pirataria é abrasiva. A questão da reparação dos danos é central. O infrator deve ser condenado ao ressarcimento de danos materiais e morais, com a simples prova de que violou a propriedade intelectual.

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* Advogado do escritório Veirano Advogados

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