Pode parecer uma pergunta trivial, mas não é. Possuir a importante habilidade de comunicar-se bem é, evidentemente, a melhor opção. Porém, ainda hoje, profissionais de Relações Governamentais são qualificados, unicamente, pela amplitude da sua rede de contatos.
Este estigma precisa ser esclarecido.
Em Relações Governamentais, o poder da comunicação é crucial e muito mais importante do que apenas possuir contatos relevantes.
Explico.
Uma boa comunicação tem o poder de suprir uma possível carência de contatos. Você pode não ter tido contato (ainda!) com o correto interlocutor para o tema, mas pode, rapidamente, criar uma relação frutífera se souber comunicar-se da melhor forma.
Já o contrário não se sustenta... Quem não sabe se comunicar ficará refém dos contatos que possui e rezará (todas as noites!) para que eles mantenham posições relevantes no governo.
Sem contar que o profissional de Relações Governamentais pode conhecer muita gente (o que acaba sendo natural pela dinâmica do trabalho), mas nunca conhecerá todo mundo. Ou seja, sempre haverá a demanda por novos interlocutores para o correto e pronto engajamento.
No universo das Relações Governamentais, é comum encontrarmos profissionais (lobistas) que se apoiam, unicamente, em sua rede de contatos. São os famosos “abridores de portas”, que vendem agendas com autoridades. Mas sua limitada utilidade acaba por aí. Com a comodidade das relações já estabelecidas, não se esforçam para conduzir o trabalho da melhor forma possível e nem se capacitam.
Esses profissionais estão com seus dias contados.
Não vou dizer aqui que ter contatos nos poderes Legislativo e Executivo é algo banal e irrelevante. Claro que é bom! Facilita a marcação de agendas, o esclarecimento de dúvidas e o acesso rápido a informações.
Inclusive, em qualquer carreira, conhecer as pessoas certas e ter um canal aberto de comunicação facilita o trabalho e economiza tempo.
Meu ponto é: se tiver, ótimo. Se não tiver, ótimo também.
Outro ponto: os contatos de hoje podem não estar lá amanhã, principalmente pelas idas e vindas do atual governo. Ministérios foram fundidos, cargos foram extintos e a máquina pública está sendo enxugada. Ainda, a Câmara dos Deputados (com 47%) e o Senado Federal (com 87% de 2/3) tiveram altas taxas de renovação nas últimas eleições (2018). Até quando o seu contato profissional ocupará uma posição relevante na estrutura de governo para poder discutir aspectos importantes da condução de políticas públicas no Brasil? Melhor não depender 100% disso.
Então vamos à sugestão de solução: a correta comunicação.
Quando ela é eficiente, com o stakeholder ou com o intermediário (um assessor, por exemplo), é capaz de, instantaneamente, criar uma relação profissional e vínculos duradouros.
Tratando-se do ato de comunicar-se, em si, lembremos que, quase sempre, o contato com um importante stakeholder será rápido e não tão frequente: uma breve reunião, um bate-papo nos corredores do Congresso, uma saudação ao final de um evento, etc.
Ou seja, deverá ser aproveitado ao máximo!
Certa vez, transitando pelos corredores da Câmara dos Deputados, tive um brevíssimo contato com um parlamentar e consegui sensibilizá-lo sobre uma questão envolvendo uma norma publicada por uma agência reguladora que considerávamos inapropriada. Ao sugerir algumas ações que o deputado poderia propor sobre o tema, ele, prontamente, respondeu: “Considere feito!”. E assim foi caminhando pelos corredores.
Em ocasiões como essa, gosto de usar técnicas de “pitch” para, em três minutos (no máximo), fazer uma apresentação sumária com o objetivo de despertar o interesse da outra parte a se aprofundar, propriamente, em uma conversa subsequente. É o que eu chamo de “Pitch de RelGov”.
Deve conter apenas informações essenciais e diferenciadas. São elas:
i. Identificação da organização e seu negócio;
ii. Seu diferencial;
iii. Qual é a problemática;
iv. Como o stakeholder pode interferir;
v. Proposta de ação.
A entrega de um material de exposição bem sucinto (1 página) também é extremamente válida.
Esse seria o ponto de partida, a primeira abordagem.
A depender da reação da outra parte, uma conversa futura poderá ser agendada (se necessário) para o melhor encaminhamento do tema.
Dando continuidade à tratativa, na esperada reunião em si (fruto do eficiente pitch), algumas práticas de comunicação também deverão ser observadas.
A ideia é aproveitar ao máximo a oportunidade e sensibilizar o outro lado. Para influenciar, não basta soltar as informações e torcer para que a outra parte responda o que você quer ouvir. Entender o ouvinte e colocar-se em seu lugar é essencial.
Para isso, listo aqui cinco ações que podem ajudar consideravelmente:
1. Envolva a outra parte no processo para que ela se interesse pelo resultado.
Peça sugestões, estimule sua participação. Como consequência, ela também torcerá pela evolução do caso.
2. Utilize critérios objetivos.
Estudos, análises, opiniões de especialistas, pesquisas, sensos, dados e precedentes são sempre bem-vindos. Facilitará a manutenção do foco no que é realmente importante.
3. Pratique a escuta ativa e registre o que está sendo dito.
O outro lado se sentirá satisfeito por estar sendo ouvido e compreendido. Não se limite a apenas concordar. Dê a devida atenção e ajude o outro a se expressar.
4. Construa uma boa relação.
Seja simpático, cortês, gentil. O outro lado tenderá a seguir seu exemplo e também tratá-lo com cordialidade.
5. Nunca se indisponha com o outro lado.
Na interlocução com o governo, essa nunca será uma opção válida. Controle- se. Você não terá nada a ganhar e correrá um grande risco de ter novos problemas no futuro.
Utilizando tais técnicas e diversificando seus contatos, você nunca ficará refém dos mesmos interlocutores de sempre. O correto follow-up das reuniões também ajudará bastante a manter os contatos ativos.
Lembre-se que, nesse campo, a prática também leva à perfeição. Esse deve ser um exercício diário do profissional de RelGov.
Por fim, valorize seus contatos, mas não dependa deles para conseguir desempenhar bem o seu trabalho. Diversifique a sua rede, mas, acima de tudo, saiba extrair o máximo das oportunidades que surgirem, utilizando a correta comunicação.
Dessa forma, atuar na defesa de interesses e influenciar na formulação de políticas públicas se tornará uma tarefa menos complexa e mais natural.
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*Fábio Lobato integra a equipe de relações governamentais da BMJ Consultores Associados.