O ICMS no leasing internacional e o Supremo*
Fernando Dantas Casillo Gonçalves**
O referido entendimento merece ser revisto, data maxima venia, por não existirem razões para ser modificada a jurisprudência do STJ diante da orientação firmada pelo Supremo. Merece ser destacado, inicialmente, ter sido promovida à importação objeto do Recurso Extraordinário nº 206.069-1 antes da publicação da Lei Complementar nº 87, em uma época na qual não estava prevista no ordenamento jurídico a disposição de não-incidência do tributo.
Mesmo assim, o Supremo demonstrou o seu entendimento, nos termos do voto da ministra relatora do Recurso Extraordinário nº 206.069-1, de somente ser aplicável o artigo 3º, inciso VIII da Lei Complementar nº 87 nas operações de leasing realizadas internamente no país para concluir ao final pela possibilidade da cobrança do tributo estadual. Considerando tal apreciação de legislação publicada posteriormente à importação objeto do recurso extraordinário, para dirimir de forma adequada a questão, também deveria o Supremo ter demonstrado seu posicionamento quanto ao alcance e eficácia do artigo 156, inciso III da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 116 (clique aqui), de 31 de julho de 2003, porque esta última estabeleceu expressamente no seu artigo 1º, parágrafo 1º e item 15.09 da lista de serviços tributados pelo Imposto Sobre Serviços (ISS) a importação de serviços e o arrendamento mercantil como fato gerador do imposto municipal.
Sem analisar a constitucionalidade desta legislação, isso vedaria a exigibilidade do ICMS e de qualquer outro tributo no arrendamento de bem importado, porque o leasing internacional passou a ser, pelo menos a partir de 2003, um serviço abrangido pela competência tributária dos municípios para instituírem em relação a ele o ISS. Diante desta circunstância não foi adequada, data maxima venia, a análise realizada pelo pleno do Supremo a respeito da possibilidade da cobrança do ICMS na importação de bem objeto de leasing, porque se analisou a Lei Complementar nº 87 publicada posteriormente a realização da importação objeto do Recurso Extraordinário nº 206.069-1, deveria, do mesmo modo, ter analisado o caso em face da Lei Complementar nº 116.
Além de não ser possível a orientação do Supremo ser considerada como parâmetro pela razão acima exposta, a questão da incidência do ISS na importação de bem objeto de contrato de leasing deveria ter sido observada pela primeira turma do STJ no Recurso Especial nº 822.868, porque, conforme a jurisprudência da própria corte, não apenas o artigo 3º, inciso VIII da Lei Complementar nº 87 representa um motivo impeditivo da incidência do ICMS, mas também a supracitada previsão relacionada ao imposto municipal conforme demonstra o julgamento ocorrido no Recurso Especial nº 299.674.
A decisão da primeira turma do STJ merece ainda ser revista porque os ministros deveriam ter apreciado o Recurso Especial nº 822.868 considerando ser a matéria baseada no artigo 3º, inciso VIII da Lei Complementar nº 87, de índole infraconstitucional. Por estar limitada a interpretação deste artigo à seara infraconstitucional, não deveria a primeira turma do STJ alterar o seu entendimento considerando o posicionamento adotado, por maioria, pelo Supremo, uma vez que, se tivesse decidido que tal dispositivo também se aplicaria no leasing internacional, apenas estaria exercendo uma competência garantida expressamente pela Constituição Federal de ser a última instância do Poder Judiciário competente para apreciar tal matéria relacionada a interpretação de dispositivo inserido em legislação complementar.
Nos próximos julgamentos, a primeira turma do STJ deveria rever o entendimento adotado no Recurso Especial nº 822.868 e acompanhar o posicionamento da primeira seção do mesmo tribunal realizado posteriormente, no dia 23 de agosto de 2006, ao apreciar o Recurso Especial nº 692.945, também de São Paulo, porque, além de ter sido confirmada a jurisprudência relacionada ao assunto favorável à não incidência do ICMS, na decisão também ficou consignada a bela defesa realizada pela ministra Eliana Calmon, salvaguardando a competência do STJ, de não ser possível transformá-lo "em corte de passagem" objetivando demonstrar a necessidade de prevalecer e ser defendida a sua jurisprudência não obstante o posicionamento adotado pela suprema corte.
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*Artigo publicado no Jornal Valor Econômico (Caderno Legislação & Tributos – E2) 17/10/2006.
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**Advogado especializado em direito tributário e diretor jurídico do grupo Bertin
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