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Sobre a possibilidade de execução da pena após sentença penal condenatória, esgotado o duplo grau de jurisdição

A execução da pena havida pela sentença penal condenatória, esgotado o duplo grau de jurisdição, com a prisão do réu condenado, uma vez transitada em julgado a sentença, no que tange à formação da culpa, os fatos e as provas sentadas, é perfeitamente compatível com o devido processo legal previsto e garantido pela Constituição de 1988.

30/10/2019

Em primeiro lugar, não há como se sustentar, no âmbito de uma hermenêutica principiológica e concretista, que se faça interpretação literal, de artigo isolado, em códigos, leis ou na própria Constituição. Em outros termos, não se mostra adequada uma interpretação feita de forma puramente abstrata e, assim, discricionária, sem nenhuma lógica ou racionalidade sistêmica e principiológica.

Nesse sentido, o trânsito em julgado não é, de forma alguma, da sentença como sendo uma "entidade" monádica, um ser ontológico como uma "realidade" única, estática, unívoca que estaria "caminhando" por instâncias, atravessando fases processuais, recurso após recurso, transitando pelos tribunais.

O trânsito em julgado vai ocorrendo, se manifestando, se realizando no e para os fenômenos jurídico-normativos vão se consolidando com a realidade do caso concreto. É um fenômeno dialético e moldado pela realidade trazida pelo caso concreto. Não é uma ilação abstrata, desconectada da realidade, como se houvesse mesmo um tal plano do "dever ser", com existência ôntica apartada do plano "do ser", ou seja, da realidade concreta, da vida.

O trânsito em julgado ocorre, ao longo da realidade do caso concreto em julgamento, por meio do devido processo legal que, por sua vez, consolida-se, manifesta-se e se realiza por meio do duplo grau de jurisdição. Portanto, há um erro evidente quando se fala em "prisão após condenação em segunda instância". Não importa se o caso concreto percorre uma, duas, três ou quatro instâncias (juiz, tribunal, Tribunal Superior, Supremo Tribunal), ou se o caso, o processo se esgotou em uma única instância, como quando as partes, por qualquer motivo, não recorrem da primeira decisão ou, por exemplo, também em casos de competência originária e de instância única, como os processos de competência originária do STF. Ora, nesse último caso, onde está a "segunda instância"? Mas, veja, mesmo aqui há o duplo grau de jurisdição, uma vez que cabe recurso, p. ex., de uma primeira decisão de uma turma, ao pleno.

Então o que realmente importa é a existência, a oportunidade e a possibilidade real de exercer o duplo grau de jurisdição. E, aqui, é duplo grau e, não, triplo, quarto ou quinto grau de jurisdição. Portanto, repito, não importam as instâncias, se uma, duas ou mil instâncias.

O que realmente importa à garantia do devido processo legal e seus corolários como o contraditório, a presunção de inocência e, especialmente, a ampla defesa, é a existência do duplo grau de jurisdição, seja em primeira, segunda, terceira, quarta ou, até mesmo, única instância. Assim, ocorrendo o duplo grau de jurisdição, ocorre, também, o trânsito em julgado.

Entretanto, não é necessário que ocorra o trânsito em julgado de todos os aspectos jurídicos e fáticos envolvidos. Se não há, ontologicamente, metafisicamente, uma separação entre direito e fato, entre matéria de direito e matéria de fato, entre ser e dever ser, certamente há a possibilidade de se identificar e se perceber, fenomenologicamente, ao longo do acontecer do processo, do caso concreto, momentos em que se revelam e se julgam, se interpretam e se consolidam os fatos alegados pelas partes, o que se dá pelos argumentos trazidos em petições e depoimentos, corroborados pelas provas aduzidas, como testemunhas, documentos, perícias, etc.

Nesse(s) momento(s) ocorre, realiza-se, concretiza-se a formação da culpa e, com isso, o caso se apresenta em plenas condições de ser decidido, de ser julgado.


Esse ciclo, esse evento, esse fenômeno (jurídico) do julgamento completa-se com a realização do duplo grau de jurisdição (com ou sem recurso, com ou sem segunda ou mais instâncias).

É exatamente por isso que os recursos possíveis para os tribunais (ou instâncias) superiores, são reservados à discussão sobre aspectos processuais, formais, ou acerca de teses e interpretações jurídicas acerca do caso. Mas não se discute mais o caso consolidado e as provas e fatos que foram já apresentados nas fases e nos prazos processuais determinados e concretizados ao longo do duplo grau de jurisdição.

Ou seja, após encerrado o duplo grau de jurisdição, não mais se discute a culpa formada, os fatos alegados e as provas aduzidas.

Claro que se poderá alegar nulidades/inconstitucionalidades que, se acatadas e reconhecidas nas instâncias superiores, poderão refletir na anulação da condenação, ou de fases variadas dos trâmites processuais. É isso que a doutrina chama de "discussão de matéria de direito", que se reserva às instâncias superiores.

Mas, repise-se, não mais se discute sobre a formação da culpa e é exatamente isso que já está transitado em julgado. Em outras palavras, após a realização do duplo grau de jurisdição, a sentença penal condenatória (como, de resto, qualquer outra sentença), quanto aos fatos, as provas, a formação da culpa, quanto às "matérias de fato" (assim chamadas pela doutrina), terá transitado em julgado.

Em assim sendo, nenhum óbice haverá para que os efeitos da condenação se realizem e, assim, a prisão do réu condenado deve ser implementada, se assim for o teor da condenação.

E isso não impede a possibilidade de recursos para as instâncias superiores, uma vez que lá serão tratadas questões sobre eventuais nulidades, teses, interpretações jurídicas, ou seja, a "matéria de direito".

Portanto, a execução da pena havida pela sentença penal condenatória, esgotado o duplo grau de jurisdição, com a prisão do réu condenado, uma vez transitada em julgado a sentença, no que tange à formação da culpa, os fatos e as provas sentadas, é perfeitamente compatível com o devido processo legal previsto e garantido pela Constituição brasileira de 1988.

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*Hudson Couto Ferreira de Freitas é doutor em Direito Público.

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