Objetiva o presente estudo discutir a causa de pedir e o pedido nas ações de improbidade administrativa, analisando aspectos objetivos e subjetivos acerca de tal enquadramento, bem como a possível aplicação de uma ação rescisória quando da falta de um dos elementos da ação.
De maneira introdutória, resta claro a necessidade da diferenciação acerca das teorias da individuação e da substanciação. A primeira é tida como aquela cujo embasamento principal denota-se através dos fundamentos jurídicos, ao passo que, a segunda, a qual o Brasil é adepto, possui correlação com os fatos narrados, logo que, o julgador, na qualidade de exímio conhecedor do direito, deve enquadrá-los as normas positivadas.
Segundo José Miguel Garcia Medina1 (2018, pág. 533), essas teorias são entendidas como:
Individuação importa a categorização jurídica indicada pela parte, sendo menos relevantes os fatos narrados; para a teoria da substanciação, os fatos podem ter mais importância, pois o juiz deverá, com base nos elementos fáticos trazidos pelas partes, ajustar a eles a previsão contida no ordenamento jurídico [...]. O Código de Processo Civil de 2015 não adota a teoria da individuação, mas, sim, a teoria da substanciação, não a versão original, desta teoria (“todos os fatos”), mas uma concepção mais restrita, para a qual interessam apenas os fatos necessários a identificação do pedido (fatos principais, essenciais, ou jurígenos, e nãos os fatos simples e secundários).
Pelas breves considerações iniciais, é fato que a causa de pedir, quando dos casos de improbidade, deve expor, visando suprir o requisito objetivo, todos os fatos e fundamentos que liguem o infrator a norma legal, enquadrando-o como improbo, por enriquecimento ilícito, por ocasionador de prejuízo ao erário, por conceder ou aplicar indevidamente benefício financeiro/tributário ou por violação dos princípios que regem a administração pública.
Mais ainda, além da exposição objetiva dos fatos, de essencial destaque o elemento subjetivo, que por sua vez pode ser caracterizado pelo dolo ou culpa.
Em que pese somente o artigo 10 da lei 8.429/92 expresse “ação ou omissão dolosa ou culposa”, é fato que tais requisitos devem ser enquadrados a todas as hipóteses, até mesmo, por ser forma de restringir as ações de Improbidade, apenas aqueles casos que não podem ser resolvidos na esfera administrativa, evitando, dessa forma, a sobrecarga do judiciário.
No âmbito da improbidade administrativa, é necessária a pormenorização dos pedidos, que devem possuir relação íntima com a causa de pedir, pois, a depender da conduta improba, haverá incidência de um rol determinado e específico de sanções contidas nos incisos do artigo 12 da lei de Improbidade Administrativa. Ipsis Litteri:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato. I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos; II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. IV - na hipótese prevista no art. 10-A, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos e multa civil de até 3 (três) vezes o valor do benefício financeiro ou tributário concedido. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Conforme se vislumbra do texto legal colacionado, para cada conduta contrária aos fins públicos, existe uma respectiva sanção. Dessa forma, quando o autor de uma ação civil pública acusa alguém de ter cometido algum ato de improbidade, entendo necessário, deduzir, “apontado” o artigo, quais penas merecem ser aplicadas ao agente público. Explico: ao não enquadrar o agente em um dos incisos cujo artigo 12 faz referência, o pedido acaba por ser abrangente e impreciso quanto a seus limites. Até porque, se assim não o fosse, de nada valeria um artigo tão esmiuçado.
Quando da inicial, que não fundamente precisamente seus pedidos, não atendendo, portanto, os ditames dos artigos 319 e 320 do diploma processual vigente, é fato que o julgador deve, nos moldes do artigo 321, solicitar que a parte complemente a inicial, sob pena de ser considerada inepta e posteriormente indeferida.
Ocorre que, por muitas vezes, os julgadores assim não o fazem. Pela discricionariedade que abraça os cargos da magistratura, notamos inúmeras ações promovidas pelos nobres promotores de justiça, em que, acreditamos, relatam os fatos corretamente, contudo, ao delinearem o pedido, o fazem de maneira genérica. Exemplifico: suponhamos que o ministério público, através de um de seus promotores, promova uma ação civil pública em face de algum indivíduo, com fundamento na violação aos princípios da administração pública, contudo, apesar de narrar todos os fatos vinculando o indivíduo à conduta improba (dissertada no artigo 11 da lei), limita-se a pedir, de forma genérica, pela aplicação das sanções contidas no artigo 12 da lei 8.429/92.
Do exemplo exposto, a nosso ver, carece de certeza o pedido realizado naquele molde, demonstrando a afronta ao já mencionado artigo 322 do Novo Código de Processo Civil.
Ainda sobre os fatos relatados e exemplificados, é fato que sua ocorrência em casos concretos pode acabar ensejando prejuízo à parte contrária, que terá sem sombra de dúvidas sua possibilidade de defesa cerceada.
Tal cerceamento não é suficiente para impedir que situações como a aqui debatida cheguem a uma sentença de mérito que transite em julgado, que por via de regra é imodificável. Por isso, explano a partir de agora, a atuação da ação rescisória, colocada nos moldes do artigo 966, V do Código de Processo Civil.
Como é de conhecimento, a ação rescisória, trata-se de uma ação autônoma de impugnação, cuja finalidade é desfazer coisa julgada que se formou em algum processo, logo, possuindo natureza constitutiva.
De acordo com o texto normativo que a sustenta, a ação rescisória é cabida nos seguintes casos:
Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: I - se verificar que foi proferida por força de prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; II - for proferida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; III - resultar de dolo ou coação da parte vencedora em detrimento da parte vencida ou, ainda, de simulação ou colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar manifestamente norma jurídica; VI - for fundada em prova cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou venha a ser demonstrada na própria ação rescisória; VII - obtiver o autor, posteriormente ao trânsito em julgado, prova nova cuja existência ignorava ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - for fundada em erro de fato verificável do exame dos autos.
Continuando, acerca do exemplo supra, o não indeferimento da inicial vai a sentido oposto à concretização do artigo 330, §1, II do Código de Processo Civil, até porque, os dizeres de uma inicial nos moldes aqui atestados, vincularam o indivíduo à conduta, contudo, não demonstraram, quais penalidades podem ser aplicadas.
Por fim, o que buscamos com essa explanação é demonstrar a necessidade de coerência cuja petição inicial deve estar guarnecida, vedando a colocação de pedidos genéricos, e quando existam da incoerência de pedidos cumulativos.
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1 Medina, José Miguel Garcia. Curso de Direito Processual Moderno, 4ª ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2018.
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*Valdir de Carvalho Campos é advogado consultor cível e estratégico do escritório JBM Advogados. Mestre em Direito e autor de livros.
*Mateus Canela do Nascimento é estudante de graduação de direito, atua como auxiliar jurídico do setor consultivo estratégico do escritório JBM Advogados.