Muito tem se falado sobre o efeito do uso da tecnologia no direito, tanto assim que há muito investimento e esperança nas lawtechs e legaltechs. De fato, estamos em momento de transformação do direito como historicamente o conhecemos, o que atinge quase todas as suas áreas, inclusive os métodos de resolução de disputa. No âmbito da arbitragem empresarial, antevejo que a tecnologia mudará especialmente as análises prévias aos litígios, a condução de procedimentos e a produção de provas.
Quanto às análises prévias de litígios, parte das disputas surgem de assimetria de informações entre as partes, seja com relação ao direito, seja quanto aos fatos. Pelo lado do direito, insegurança jurídica no Brasil tende a diminuir, principalmente devido a alterações legislativas como o CPC de 2015, que confere maior deferência aos precedentes. Nesse contexto, a tecnologia, associada à jurimetria, permitirão estimativas mais precisas de possível resultados de litígios. Pelo lado dos fatos, a inteligência artificial viabilizará uma visão mais apurada de conflitos envolvendo vasta quantidade de informações, tais como disputas de construção.
Com relação ao procedimento, a tendência é que os procedimentos passem a ser totalmente online, inclusive com despachos de mero expediente totalmente automatizados. Pode parecer um pequeno passo, mas na prática do dia a dia acelerará significativamente o andamento. E gerará redução de custos, que com o tempo será repassado às partes.
A maior evolução pode vir do uso da tecnologia na produção de provas. A inteligência artificial poderá otimizar ou mesmo eliminar a necessidade de perícia. Não estamos longe do momento em que as partes possam inserir todos os documentos contábeis e/ou de engenharia nos autos eletrônicos e os árbitros poderão, por meio de comandos, obter resultados para as dúvidas que suscitarem. A curto prazo, estão surgindo softwares que permitem pesquisas mais eficientes de dados e metadados dos documentos do caso. Mesmo a prova testemunhal pode se beneficiar da tecnologia, não só por melhores sistemas de teleconferência, transcrição e tradução, como também pela maior capacidade de pesquisa sofisticada de durante o depoimento.
As ferramentas tecnológicas tendem a funcionar muito bem com a identificação e sistematização de grandes volumes de informações, em termos que, da maneira tradicional, seriam caros e demandariam mão de obra intensiva. Isso implicará em prova pericial mais rica e menos cara.
Dito isso tudo, há de se ter em mente que a tecnologia não representa uma panaceia. É improvável que, em um horizonte de curto e médio prazos, casos complexos venham a ser julgados em geral apenas por inteligência artificial. A identificação do direito aplicável ficará mais fácil, a prova se mostrará mais rica, mas no final um ser humano proferirá o julgamento. Aí a qualidade do julgador se tornará ainda mais relevante. Até porque qualquer erro se tornará ainda mais flagrante.
Uma boa analogia é o VAR em futebol (aproveitando, ironicamente, da confusão causada pela homonímia entre arbitragem esportiva e empresarial). Pensou-se que tecnologia reduziria as controvérsias. Ocorreu o contrário. As discussões sobre a atuação dos árbitros de campo viraram críticas ainda mais veementes aos árbitros de vídeo. Isso porque, em questões complexas, a tecnologia ajuda, mas a decisão final continua com um ser humano, muitas vezes demasiadamente humano, que passa a ter mais subsídios, porém maior exposição.
Assim, toda a euforia tecnológica pode redundar em frustração, se os árbitros e advogados não se prepararem para a nova realidade, com procedimentos mais ágeis e provas mais profunda. Nas arbitragens complicadas, não haverá “veículos autônomos” e o árbitro permanecerá como piloto do procedimento, que se tornará ainda mais intrincado. O futuro é, ao mesmo tempo, fascinante e desafiador. Os árbitros e advogados devem se preparar, cientes que a tecnologia não será uma panaceia e precisará ser devidamente utilizada para funcionar bem.
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