Na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (CPC/73) a jurisprudência fixou entendimento de que, ao se aplicar o § 4º do art. 20, o magistrado não estava obrigado a se ater aos percentuais mínimo e máximo previstos no § 3º do art. 20, que eram de 10% e de 20%. O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15) utiliza os mesmos percentuais do CPC/73, quais sejam, mínimo de 10% e máximo de 20%, nos termos do § 2º do art. 85.
Outra regra que precisa ser lembrada nesse momento é a do § 8º do art. 85 do CPC/15, que dispõe o seguinte: “[n]as causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º”. Assim como já era no § 4º do art. 20 do CPC/73, o CPC/15 não autoriza que o julgador possa fixar os honorários advocatícios sucumbenciais, por equidade, quando o valor da causa ou o da condenação for excessivo, exorbitante ou muito elevado.
Dito isso, é preciso que nos debrucemos sobre uma preocupante jurisprudência que pode estar surgindo no âmbito do STJ, que é justamente a de se entender ser possível a fixação dos honorários advocatícios sucumbências, por equidade, quando o valor da condenação ou o valor da causa forem exorbitantes ou muito elevados, e ignorando a regra primordial de percentual mínimo insculpida no § 2º do art. 85 do CPC/15. Vejamos como anda a discussão desse tema no STJ (apresentados em ordem cronológica):
(I) AgInt no REsp 1.736.151/SP, julgado em 25/10/18 na 1ª Turma => os ministros Sérgio Kukina (relator), Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Napoleão Nunes Maia Filho e Benedito Gonçalves entenderam que não é possível fixar os honorários, por equidade, quando forem fixados em quantia exorbitante.
(II) AgInt no AREsp 1.249.196/SP, julgado em 08/11/18 na 4ª Turma => os ministros Luis Felipe Saomão (relator), Raul Araújo, Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira (presidente) e Marco Buzzi entenderam que não é possível fixar os honorários, por equidade, quando forem fixados em quantia exorbitante (ressalvado o ponto de vista da ministra Gallotti).
(III) REsp 1.789.913/DF, julgado em 12/02/19 na 2ª Turma => os ministros Herman Benjamin (relator), Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão entenderam que é possível fixar os honorários, por equidade, quando forem fixados em quantia exorbitante.
(IV) REsp 1.746.072/PR, julgado em 13/02/19 na 2ª Seção => os ministros Raul Araújo, Luis Felipe Salomão, Antonio Carlos Ferreira, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro, Maria Isabel Gallotti e Marco Buzzi entenderam que não é possível fixar os honorários, por equidade, quando forem fixados em quantia exorbitante. A ministra Nancy ficou vencida e o ministro Sanseverino não votou.
(V) AgInt no REsp 1.771.319/RS, julgado em 1º/04/19 na 3ª Turma => os ministros Marco Aurélio Bellizze (relator), Nancy Andrighi, Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Moura Ribeiro entenderam que não é possível fixar os honorários, por equidade, quando forem fixados em quantia exorbitante.
(VI) REsp 1.771.147/SP, julgado em 05/09/19 na 1ª Turma => os ministros Napoleão Nunes Maia Filho (relator), Benedito Gonçalves e Gurgel de Faria entenderam que é possível fixar os honorários, por equidade, quando forem fixados em quantia exorbitante; ficaram vencidos os ministros Sérgio Kukina e Regina Helena Costa.
Antes de prosseguir, advirto que um cuidado que o profissional do Direito deve ter ao estudar esse tema é o de se verificar qual CPC está sendo aplicado pelo julgador. E, por certo, a data do julgamento não pode ser tida como fator decisivo. Apenas a título exemplificativo, a 4ª Turma julgou, em 20/08/19, o AgInt no REsp 1.547.283/RN. Foi decidido que os honorários fixados de maneira exorbitante podem ser revistos, todavia, esse caso foi decidido à luz do § 4º do art. 20 do CPC/73. Também quero anotar que, até o final do mês de setembro/19, a 1ª Seção do STJ não tinha apreciado esse tema. Os dois julgados que se pode encontrar sobre essa matéria, quais sejam, a AR 3.996/SC, de 13/03/19, e o REsp 1.532.514/SP, de 10/05/17, aplicaram o CPC/73.
Mais um breve apontamento antes de adentrar na discussão é o de que a 2ª Seção irá julgar essa matéria novamente, conforme se pode constatar no AgInt nos EDcl nos EDcl no AREsp 262.900/SP. Não há previsão de data para o julgamento do feito.
Como se pode ver, há clara divisão no STJ acerca do tema. Para ser mais preciso, há um verdadeiro empate nessa matéria. Pelo que compreendi, os cinco ministros que compõem a 2ª Turma, a ministra Nancy Andrighi (3ª T.), a ministra Maria Isabel Gallotti (4ª T.) e três ministros da 1ª Turma (Napoleão Nunes Maia Filho, Benedito Gonçalves e Gurgel de Faria) defendem a tese que sustenta a possibilidade de se fixar honorários advocatícios, por equidade, quando se verificar que a verba honorária alcançará um valor exorbitante. Os outros 10 ministros que compõem a 1ª e a 2ª seções têm entendimento diametralmente oposto.
Com efeito, é certo que mais dia menos dia a corte especial do STJ será instada a pôr um fim nessa questão. Esse órgão é composto pelos 15 ministros mais antigos da corte. E isso é um enorme problema para a advocacia. Por quê? Porque analisando a sua composição, e confrontando-a com os posicionamentos que já conhecemos, o placar está em 7 a 2 a favor da tese que permite ao magistrado fixar os honorários advocatícios sucumbenciais, por equidade, quando entender que o valor é exorbitante. Não sabemos qual é o posicionamento dos seguintes ministros: João Otávio, Maria Thereza, Feliz Fischer, Laurita Vaz, Humberto Martins e Jorge Mussi. E há um detalhe importante: o ministro Felix Fischer está licenciado do STJ por problemas de saúde, e, em seu lugar, na corte especial, está o ministro Sanseverino, que, por sua vez, entende que o magistrado não pode fixar por equidade os honorários quando compreender que são exorbitantes. Em suma: essa é uma batalha jurídica que, infelizmente, a advocacia está quase perdendo. E é, sem dúvida alguma, um processo no qual o Conselho Federal da OAB deve procurar intervir, como amicus curiae, quando surgir. Outro fator relevante é o de que a ministra Nancy pode ter mudado seu entendimento, já que ela votou de forma distinta nos recursos julgados em 08/11/18 e 1º/04/19. Se, de fato, isso aconteceu, então o placar passa a ser de 6 a 3.
Adentrando na discussão propriamente dita, por que eu considero que a corrente tecnicamente mais correta seja aquela que sempre observa o percentual mínimo determinado no § 2º do art. 85 do CPC/15?
Em primeiro lugar, é porque está aplicando a lei da forma como foi legislada. O § 8º do art. 85 do CPC/15, de forma indubitável, não inseriu os termos “exorbitante” ou “excessivo” em seu rol taxativo. Ora, a omissão legislativa é justamente a vontade do legislador. Ou será que alguém considera que o legislador deveria ter expressamente consignado, na lei, que “nos casos de exorbitância não caberá fixação por equidade”? A meu ver, é claro que não, pois essa não é a técnica legislativa correta. Ora, quando se diz em quais situações o juiz pode decidir por equidade em matéria de honorários, é porque as demais, ali não elencadas, não podem ser decididas por equidade. Simples assim. No Estado Democrático de Direito o Poder Legislativo cria a lei e o Poder Judiciário a aplica. É assim que deve ser, sob pena de desvirtuar o sistema de pesos e contrapesos.
Em segundo lugar, querer aplicar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, nesse caso específico, parece-me ir contra a vontade do legislador, que, repito, não quis permitir que os honorários advocatícios sucumbenciais pudessem ser fixados por equidade quando chegarem em patamares mais elevados. Tenho que a vontade do legislador foi traçar critérios objetivos para a fixação da verba honorária sucumbencial e, de igual modo, remunerar o trabalho do advogado com dignidade. E isso, evidentemente, não pode ser tido como enriquecimento sem causa.
Em terceiro lugar, porque não cabe interpretação extensiva ou analogia onde não existe dúvida e lacuna. Sem falar que, com base no parágrafo único do art. 140 do CPC, “[o] juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei”. Se existe descontentamento com o resultado final da lei, o que deve ser feito é trabalhar para a sua modificação no Legislativo, e, não, aplicá-la da forma como gostaria que fosse. É assim que deve ser em um verdadeiro Estado Democrático de Direito.
Em quarto lugar, ninguém pode se esquecer da função social, econômica e pedagógica dos honorários advocatícios sucumbenciais. Essa relevante verba, ao mesmo tempo, (I) distribui o ônus financeiro da demanda, de modo que o vencido ajude o vencedor a remunerar seu advogado; (II) evita (pelo menos deveria) o ajuizamento de ações judiciais sem respaldo jurídico ou probatório (as chamadas lides temerárias ou aventuras jurídicas); e, (III) remunera o advogado, que é indispensável à administração da justiça, com dignidade. É preciso ter responsabilidade para se ajuizar uma ação, tendo em vista as várias consequências que ela gera. Entre elas, uma pessoa passa a ser ré numa ação judicial e, a outra, é o custo do processo judicial. E, quando digo “custo do processo”, não estou me referindo, apenas, ao seu lado financeiro (estima-se que cada processo judicial tem um custo médio de R$ 4.000,00 para o Estado), mas, também, na morosidade judicial gerada pelo excesso de demandas que, em tese, jamais deveriam ter sido propostas. Esses argumentos apresentados até esse momento, aliás, impossibilitam o emprego do art. 5º da LINDB para se permitir a redução dos honorários advocatícios sucumbências por equidade quando existir percentuais fixos a serem aplicados.
Em quinto lugar, é preciso esclarecer algo que vem sendo colocado de forma equivocada, em algumas decisões judiciais, como substrato para a possibilidade da fixação dos honorários sucumbenciais por equidade (nos casos da suposta excessividade do valor). Esses acórdãos que li – e que não vem ao caso citá-los nesse instante – afirmam que o STJ, desde o CPC/73, já permitia o manejo do recurso especial com o intuito de reduzir ou majorar honorários advocatícios sucumbenciais. Um exemplo disso seria o AgInt no AREsp 228.625/RN, julgado em 27/09/16 na 1ª Turma. O que foi esquecido, quanto a esse argumento jurídico, é o de que o STJ somente conhecia desses recursos especiais (seja para majorar, seja para reduzir) quando os honorários advocatícios sucumbenciais eram fixados com base no § 4º do art. 20 do CPC/73. Isso porque, recordemo-nos, esse dispositivo legal expressamente dava ao juiz – assim como ocorre com o § 8º do art. 85 do CPC/15 – o poder de decidir por equidade. E o que decidiu o STJ? Deu-se por competente para determinar o que era o justo no caso concreto. Em outras palavras, o STJ nunca interferiu no valor dos honorários sucumbenciais fixados à luz do § 3º do art. 20 do CPC/73, que, como é notório, tinha percentuais mínimo e máximo. E assim procedia porque sabia que a lei era clara e que não poderia agir de forma diversa, sob pena de negar vigência ao dispositivo legal em comento. Claro que se os honorários fossem fixados abaixo do percentual mínimo ou acima do máximo era possível a interposição do recurso especial por violação ao dispositivo legal já dito.
Em sexto lugar, há a problemática de se determinar o conceito de “exorbitante”. Quando é que os honorários seriam exorbitantes? Para se ter uma ideia, no AgInt no AREsp 1.249.196/SP (julgado pela 4ª T.), o valor histórico da causa era de R$ 1.431.000,00, e os honorários foram fixados em 10% sobre o valor da causa. A própria ministra Isabel Gallotti, que está entre os que entendem que o § 8º do art. 85 do CPC/15 deve ser flexibilizado, entendeu que a verba honorária não era abusiva. Por outro lado, no REsp 1.771.147/SP (julgado pela 1ª T.), em que o valor histórico da causa era de R$ 2.717.008,23, o entendimento majoritário foi o de que a condenação de honorários em 10% seria exorbitante, especialmente em razão da particularidade sobre a qual discorrerei no parágrafo abaixo. Concluindo, gera muita insegurança jurídica e econômica deixar essa matéria exclusivamente a cargo da equidade do magistrado. É muito importante que a parte saiba, de antemão, e com certa precisão, o risco de ingressar em juízo com a sua ação.
Não bastasse, é preciso nos atentarmos para um importantíssimo detalhe do REsp 1.771.147/SP, julgado pela 1ª Turma em 05/09/19, e que foi decisivo para que, por maioria de votos, se decidisse pela possibilidade de se utilizar o § 8º do art. 85 do CPC/15 também para os casos em que os honorários sucumbenciais fossem exorbitantes. A particularidade a que fiz referência é a de que a fazenda pública pediu a extinção do processo porque a mesma cancelou a certidão da dívida ativa; graças à apresentação de exceção de pré-executividade pelo contribuinte. O feito, claro, foi extinto. Os ministros entenderam que o advogado não foi decisivo na vitória do contribuinte, pois apresentou uma única petição e que sequer houve resistência por parte da fazenda pública. Peço vênia para discordar desse entendimento, haja vista os diversos fundamentos jurídicos que já apresentei nesse artigo científico. Aqui cabe uma reflexão: será que as diversas execuções fiscais mal propostas teriam sido ajuizadas se a fazenda pública soubesse o risco de pagar um alto e justo valor pela sucumbência? Independentemente disso, a dúvida que fica é a seguinte: se o trabalho do advogado não tivesse sido tão singelo – como afirmaram esses ministros – ainda assim ele teria direito de receber seus honorários com base no § 3º do art. 85 do CPC/15?
Portanto, o que se espera é que o entendimento que será consolidado, no STJ, seja o de se aplicar o CPC/15 da forma como foi redigido. Eventuais insatisfações e desacertos deverão ser corrigidos pelo meio próprio, qual seja, uma reforma legislativa. Isso porque apenas o Congresso Nacional pode decidir se no § 8º do art. 85 do CPC/15 deve ser inserido o termo “exorbitante”.
_______________________
*Leonardo de Faria Beraldo é advogado. Doutorando e mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Processo Civil. Professor de Processo Civil, Arbitragem e Direito Civil.