No dia 9 foi publicado no Diário Oficial da União a lei 13.880, com vigência imediata.
A Lei 13.880, de 08 de outubro de 2019, altera a lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) para prever a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica.
Apreender a arma de fogo consiste em recolhê-la com o fim de evitar que o agressor a utilize para qualquer finalidade e que a arma possa ser periciada e utilizada como prova no processo.
Suspender a posse consiste em proibir, temporariamente, que o agressor tenha a arma no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa.
Restringir o porte trata de proibir, temporariamente, que o agressor leve a arma consigo nas ruas ou em qualquer local que não seja sua residência ou local de trabalho, em que seja o titular ou responsável legal. A restrição pode ser total (proibição de portar arma em qualquer hipótese) ou parcial (proibição de um policial portar arma quando não estiver em serviço).
A cassação refere-se à perda do direito de portar ou possuir arma de fogo. Possui caráter definitivo, sendo possível a obtenção de novo direito de portar/possuir arma de fogo após observar todos os trâmites legais e regulamentares.
O art. 12 da Lei Maria da Penha trata das providências que o delegado de polícia deve adotar de imediato nas situações de violência doméstica, passando a prever no inciso VI-A que o delegado deve “verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento)”.
O art. 18 da Lei Maria da Penha prevê as providências a serem adotadas pelo juiz ao receber os autos que relatam a violência doméstica, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, e passa a prever no inciso IV que caberá ao juiz “determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor”.
A alteração na lei não permite que o delegado de polícia suspenda o porte ou posse de arma ou que a apreenda, imediatamente, em razão da prática de violência doméstica. A arma poderá ser apreendida pelo delegado, de imediato, somente se tiver sido utilizada na prática do crime, como apontar a arma para ameaçar ou efetuar disparos de arma de fogo.
O Delegado deverá informar nos autos da prisão em flagrante ou do inquérito se o agressor possui arma de fogo ou autorização para ter e caso possua deverá constar nos autos e comunicar a ocorrência registrada à instituição responsável pela concessão do registro ou emissão do porte.
A informação nos autos de que o agressor possui arma de fogo é relevante para que o juiz determine a sua apreensão.
Ao juiz caberá determinar, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, a apreensão de arma de fogo eventualmente registrada em nome ou sob posse do agressor.
O inciso IV do art. 18 prevê que caberá ao juiz “determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor”. Trata-se de uma medida protetiva de urgência que o juiz deve conceder de ofício, isto é, ainda que não haja pedido da ofendida, do delegado ou do Ministério Público. Há uma determinação da lei para que o juiz atue de ofício, com a finalidade de prevenir que a arma seja utilizada contra a mulher.
Isso porque o inciso IV do art. 18 prevê que cabe ao juiz determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor e o art. 22 já prevê como medida protetiva de urgência a suspensão da posse ou restrição do porte de armas. Ou seja, como a lei já prevê a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, a alteração dada pela lei 13.880/19 seria inócua, pois o recolhimento da arma de fogo do agressor, como consequência da suspensão da posse ou restrição do porte de armas, já encontra-se previsto como medida protetiva de urgência (art. 22, I), mas depende de avaliação do juiz.
Enquanto o art. 18 (disposições gerais das medidas protetivas de urgência) traz as medidas que o juiz deve adotar, o art. 22 (espécies de medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor) traz as providências que o juiz pode adotar, conforme avaliação a ser feita em cada caso.
O art. 18 diz que “Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas: I - conhecer do expediente e do pedido e decidir sobre as medidas protetivas de urgência; II - determinar o encaminhamento da ofendida ao órgão de assistência judiciária, quando for o caso; III - comunicar ao Ministério Público para que adote as providências cabíveis. IV - determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor. (Incluído pela lei 13.880, de 2019)”.
O “pedido da ofendida” a que se refere o caput do art. 18 da Lei Maria da Penha deve ser interpretado como pedido de providências para a preservação de sua integridade e prevenção à violência doméstica e, ainda que não tenha requerido nenhuma medida protetiva de urgência, o juiz deverá adotar as providências elencadas nos incisos do art. 18, como comunicar ao Ministério Público e determinar a apreensão imediata de arma de fogo.
O juiz é obrigado a determinar a apreensão da arma, mas não é obrigado a aplicar como medida protetiva de urgência a suspensão da posse ou a restrição do porte (art. 22, I, da lei 11.340/06), o que parece ser incongruente.
Ocorre que é possível que o juiz determine o recolhimento da arma do agressor, sem, no entanto, suspender o porte de arma, como a hipótese em que o agressor é um policial e possua arma particular. A arma particular será recolhida, sem prejuízo de que o policial use arma da instituição a que pertence durante o turno de serviço. Certo é que cada caso demandará análise se o policial pode utilizar a arma durante o serviço. De qualquer forma, ainda que se autorize o policial utilizar a arma durante o serviço, não poderá levá-la para casa, isto é, não poderá utilizar arma da instituição fora das hipóteses em que estiver de serviço.
A suspensão da posse e restrição do porte de arma implica na proibição total do uso de arma, enquanto que a mera apreensão da arma de fogo registrada em nome do agressor implica na proibição relativa, em se tratando de policial ou de autoridades que utilizem arma em serviço.
A lei manda que o delegado de polícia comunique se o agressor possui porte/posse de arma à autoridade que tenha autorizado, mas não diz a finalidade. A finalidade consiste na aplicação do art. 7º do Decreto 9.845/19 (cassação da posse de arma) e art. 14 do Decreto 9.847/19 (cassação do porte de arma) .
A cassação será determinada a partir do indiciamento do investigado no inquérito policial ou do recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz (art. 7º, § 2º, do Decreto 9.845/19 e art. 14, § 2º, do Decreto 9.847/19).
Portanto, em que pese a alteração legislativa dizer que a comunicação do delegado às autoridades competentes ocorra de imediato, só faz sentido quando houver indiciamento. Antes disso, a comunicação não terá nenhum efeito, pois o porte/posse não poderá ser cassado, já que não haverá indiciamento. A comunicação às autoridades competentes visa dar cumprimento à cassação do porte/posse de arma de fogo, com o consequente acompanhamento e fiscalização pelos órgãos responsáveis (Polícia Federal, Comando do Exército ou das instituições policiais). Inclusive, o delegado de polícia deve proceder à apreensão da arma de fogo quando o porte/posse for cassado (art. 7º, § 6º, do Decreto 9.845/19 e art. 14, § 6º, do Decreto 9.847/19).
Além do mais, como o juiz é obrigado a determinar o recolhimento da arma de fogo, o risco de utilização da arma já não existirá mais, sendo possível a análise da suspensão do porte/posse de arma de fogo, posteriormente, pelas autoridades competentes, pois ainda que o juiz suspenda o porte/posse de arma de fogo, nada impede que a autoridade que tenha concedido o porte/posse o suspenda, na medida em que são esferas distintas e pode ocorrer do juiz revogar a suspensão e o agressor continuar impedido de ter porte/posse de arma em razão de decisão administrativa.
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*Rodrigo Foureaux é juiz de Direito do TJ/GO. Foi juiz de Direito do TJ/PA e do TJ/PB. Aprovado para juiz de Direito do TJ/AL.