Com ampla divulgação noticiou-se, dias atrás, o total de recursos, não só financeiros como orçamentários, disponibilizado pelo Executivo Federal aos parlamentares do Congresso Nacional. Tratar-se-ia, conforme noticiado, de retribuição do Governo pelo apoio na votação da PEC da Previdência. Algo em torno de R$ 2,1 bilhões. Aos parlamentares facultou-se a indicação de municípios e estados a serem beneficiados pelo repasse desses recursos.
Como bem conhecido, os municípios vivem hoje praticamente à mingua – seja pela retração econômica dos últimos anos, seja por esgotamento do pacto federativo desenhado na CF de 1988. Pouco sobra dos recursos que compõem os orçamentos municipais após o pagamento da folha de pessoal – mesmo essa tem sofrido atrasos e/ou parcelamentos. Até o custeio de serviços básicos, como Saúde, Educação e Saneamento Básico, vê-se prejudicado. O quadro implica, resta claro, na queda de qualidade dos serviços prestados pela municipalidade, em prejuízo de toda a população.
Não por outra razão, infere-se, o montante liberado pelo Governo Federal tem sido objeto da cobiça dos gestores municipais. Justificada cobiça!
Ocorre que grande parte dos municípios brasileiros não terá como usufruir desses recursos, ainda que seus dirigentes mantenham boas relações político-institucionais com os parlamentares a quem competirá apontar os beneficiários. Seja pelo despreparo burocrático-administrativo ínsito a uma gama enorme de municípios, mormente a pequenos e médios; seja por decorrência de pendências não ou mal resolvidas - prestação de contas de convênios; insuficiente ou indevida aplicação de recursos em Educação e Saúde; glosas do TCE ou do TCU; dentre outras; seja, ainda, pelo descumprimento de disposições constitucionais, legais ou extralegais, o que impõe vedação de transferências voluntárias ao inadimplente.
Para se ter uma ideia do tamanho do problema, a CGU – Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União – divulgou, em abril do ano passado, vasto material sobre o tema, intitulado “Avaliação da Gestão das Transferências Voluntárias da União”1. O documento traz em seu texto dados significativos sobre o estoque de recursos devolvidos pelos entes federados aos cofres da União e enumera diversas causas. Boa parte, tem origem nas dificuldades técnicas e operacionais desses entes. Vejamos os números:
3.1. Instrumentos Inativos com Saldo em Conta
São instrumentos inativos aqueles com as seguintes situações registradas no Siconv: “Convênio Anulado”, “Cancelado”, “Inadimplente”, “Prestação de Contas Rejeitada”, “Prestação de Contas Aprovada” e “Prestação de Contas Aprovada com Ressalvas”.
Nesses casos, espera-se que não mais haja recursos na conta específica do instrumento, já que os saldos remanescentes devem ser devolvidos ao respectivo repassador dos recursos. A portaria 507/11, nos art. 73 e 80 (atualmente portaria 424/16, art. 68 a 72), possui regramento para tratamento dos casos em análise...
O saldo em conta de instrumentos inativos – situações no Siconv “Convênio Anulado”, “Cancelado”, “Inadimplente”, “Prestação de Contas Rejeitada”, “Prestação de Contas Aprovada” e “Prestação de Contas Aprovada com Ressalvas” em 08/08/2017 era de R$ 25.053.840,89, que totalizam 53.346 instrumentos.
Desses instrumentos, 319 possuíam um saldo maior ou igual a R$ 100,00, cujo saldo acumulado em conta somava R$ 25.048.958,32.
Seguem os valores consolidados para os 20 primeiros Órgãos Concedentes, observando que estes perfazem 98% dos recursos:
Nesse panorama, impõe-se ao gestor municipal, para que possa sonhar em receber recursos tão importantes para as obras e os serviços acalentados pela comunidade, “trocar o pneu do carro em movimento”. Como a máquina pública não pode parar, não há como fazer um pit-stop para acertar contas, rever procedimentos, ajustar desacertos, sanar irregularidades. Mesmo porque a população tem necessidades, tem urgências, não quer e não pode esperar. Nesse sentido, a captação de recursos precisa caminhar junto à regularização da máquina administrativa, o que obriga o gestor a tomar as medidas necessárias a esse desiderato. Muitos prefeitos recorrem a especialistas orçamentários que ajudam a destravar esses problemas e permitem que tenham acesso a esses recursos de forma mais eficiente. Ainda, devem fazê-lo de maneira a não onerar ainda mais sua prefeitura, pesando diligentemente o custo/benefício de suas decisões. Ou seja, buscando obter o melhor resultado com o menor custo possível.
As medidas para uma gestão administrativa municipal saudável precisam ser adotadas como rotina. É preciso que, por um lado, o corpo técnico esteja engajado e estimulado a monitorar e controlar a situação de adimplência da máquina e, demais disso, possua instrumentos modernos e adequados ao bom manejo da coisa pública; e, por outro lado, esteja também engajado em procurar oportunidades de captação de recursos.
Tal esforço certamente será reconhecido pela população, nas urnas no próximo ano!
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1 - Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão – MPDG, Secretaria de Gestão – SEGES, Exercícios 2008-2016 - Relatório 201700374 (Clique aqui).
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*Anna Lopes é especialista em Gestão Pública e Orçamento da Advocacy Consultoria, empresa que presta serviços de consultoria na área de gestão pública, com ênfase orçamentária.