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Sobreposições de terras: Um contraponto entre as áreas indígenas delimitadas e o sistema de gestão fundiária (Sigef) do Incra

O SIGEF, ao invés de facilitar, trouxe aos proprietários de imóveis rurais imensa instabilidade e insegurança, onde o produtor rural se encontra em estado vulnerabilidade, tratando-se de desnecessária burocracia, bem como de ilegal, ou seja, de cristalina exacerbação do poder discricionário praticado pelo INCRA.

9/10/2019

O INCRA é o órgão responsável pela certificação e georreferenciamento de imóveis rurais, nesse sentido, buscando facilitar a operação de suas competências, criou no ano de 2013, conjuntamente com o à época Ministério do Desenvolvimento Agrário, o SIGEF – Sistema de Gestão Fundiária.

Buscando tal facilitação, o SIGEF trouxe como novidade a integração de dados fundiários de outros órgãos, como o, à época, da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), bem como do Cartório de Registro de Imóveis.

Desta forma, os dados fundiários apresentados pelos órgãos acima citados passaram a figurar dentro do SIGEF.

Diante de tal fato, tornou-se comum as aparições de sobreposições de terras, impossibilitando as certificações de imóveis particulares que se encontram em locais onde existem estudos antropológicos ou processos administrativos para pretensas demarcações de terras indígenas (área delimitada), bem como em locais limítrofes às áreas de preservação ambiental permanente.

Para melhor compreensão, áreas indígenas delimitadas são aquelas que ainda se encontram em estudo, a fim de se verificar se há ou não tradicionalidade, ou seja, se há ou não indícios de que aquela área era anteriormente ocupada por determinada tribo. Logo, não se trata de área demarcada, não há a finalização do processo administrativo, não houve a assinatura de portaria pelo Ministério competente, bem como não houve homologação do presidente da República para que haja o cancelamento da matrícula. Desta feita, o imóvel ainda é particular e não pertencente à União.

Contudo, mesmo assim, meras delimitações de terras indígenas passaram a figurar no supracitado sistema fundiário como se demarcadas fossem, ao ponto de impedirem as certificações dos imóveis, haja vista a existência da sobreposição das terras.

Segundo o INCRA, nos casos em que ocorra sobreposição de áreas com imóveis públicos não certificados (terras Indígenas, áreas de preservação e etc...), o técnico responsável pelo requerimento de certificação pode abrir pedido e solicitar a análise de sobreposição, sendo enviada eletronicamente a solicitação aos órgãos competentes.

Entretanto, tais solicitações raramente são respondidas, o que de fato vêm causando imensos prejuízos aos proprietários de imóveis rurais, haja vista a obrigatoriedade de certificação/georreferenciamento dos imóveis.

Como é cediço, a lei de registros públicos estabelece que a identificação dos imóveis rurais para fins de matrícula e registros será obtida a partir de memorial descritivo, contendo nele as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais georreferenciados ao Sistema Geodésico Brasileiro, sendo necessária ainda a certificação por parte do INCRA.

Desta feita, a recusa da certificação implica na violação à faculdade que tem o proprietário de usar, gozar e dispor do imóvel, na medida em que também fica impedido de transferir, desmembrar, parcelar, ou remembra-lo, ou seja, de praticar atos decorrentes do direito de propriedade.

Se o imóvel público não é certificado, este jamais deveria constar no SIGEF, da mesma forma que inexiste a necessidade de se requerer uma análise de sobreposição do órgão público, tratando-se de uma flagrante ilegalidade.

Vale salientar que diversos proprietários de imóveis rurais estão impedidos de constituir créditos em banco, cédulas rurais, uma vez que as instituições financeiras não se sentem seguras com a garantia fornecida pelo produtor, qual seja a própria terra.

A propriedade do imóvel, apesar de regularmente documentada, haja vista a existência de matrícula no cartório de registro de imóveis, se encontra em cheque, vez que a sobreposição gera controvérsia dentro dos bancos e órgãos financeiros.

Ademais, no que tange especialmente ao caso das terras indígenas, a certificação do memorial descritivo pelo INCRA não afeta o pretenso procedimento demarcatório, vez que a certificação não constitui domínio, o qual poderá ter continuidade, e, eventualmente, concluindo ser terra de tradicional ocupação indígena, não há qualquer óbice para anulação da matrícula, diante do direito originário às terras tradicionalmente ocupadas, de forma que não há qualquer prejuízo em realizar a certificação do imóvel rural.

Sendo assim, quando a área sobreposta não for demarcada, na prática, inexistiria necessidade de aval por parte do de qualquer órgão público para o provimento da certificação/georreferenciamento do imóvel, bastando mera consulta ao processo de demarcação de terra, o qual é público.

Já no que tange aos casos do ICMBIO, deve haver uma revisão nas delimitações das áreas de preservação, confrontando os memorias descritivos das áreas particulares, vez que tais áreas fora inseridas anteriormente no sistema.

Nesse sentido, resta claro que o SIGEF, ao invés de facilitar, trouxe aos proprietários de imóveis rurais imensa instabilidade e insegurança, onde o produtor rural se encontra em estado vulnerabilidade, tratando-se de desnecessária burocracia, bem como de ilegal, ou seja, de cristalina exacerbação do poder discricionário praticado pelo INCRA.

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*Daniel Masello Monteiro é advogado associado na MoselloLima Advocacia. Pós-graduado (MBA) em Direito Civil e Processo Civil pela FGV-RIO.

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