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O caso Bendine, e os julgamentos administrativos no CARF e no CRSFN

O tribunal vem entendendo - e não é de agora – que o acusado deve sempre falar por último em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa porque, se assim não for, deixa-se na mão do órgão de acusação a última palavra sobre o direito e os fatos envolvidos no processo, sem que a defesa possa responder e contradizer de forma eficaz as alegações que contra ela recaem.

7/10/2019

A 2ª Turma do STF, em julgamento que causou imensa repercussão nos meios de comunicação, e que acaba de ser referendado pelo pleno do tribunal, reconheceu expressamente ter ocorrido cerceamento de defesa e anulou condenação de ex-presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava-Jato. 

A causa da anulação reside no fato de que a defesa requereu ao juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba que seu cliente se manifestasse por último, ou seja, após a apresentação das alegações finais dos colaboradores. O pleito foi negado, abrindo-se prazo comum e não sucessivo para as defesas se manifestarem, o que motivou a 2ª turma do STF entender ter havido grave prejuízo ao acusado, que foi obrigado a se manifestar sem saber o que tinham alegado os demais envolvidos. Em suma: prevaleceu novamente a tese de que é direito fundamental do acusado falar por último em homenagem ao direito ao contraditório e à ampla defesa. 

Ocorre, entretanto, que o assunto não é novo. Segundo entendimento já consolidado no STF, antes mesmo do julgamento do polêmico caso a que se vem de referir: “No processo criminal, a sustentação oral do representante do Ministério Público, sobretudo quando seja recorrente único, deve sempre preceder à da defesa, sob pena de nulidade do julgamento”. (HC 87.926/SP, 2008, Relator Min. CEZAR PELUSO). 

Ou seja, o tribunal  vem entendendo - e não é de agora – que o acusado deve sempre falar por último em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa porque, se assim não for, deixa-se na mão do órgão de acusação a última palavra sobre o direito e os fatos envolvidos no processo, sem que a defesa possa responder e contradizer de forma eficaz as alegações que contra ela recaem.

Dito isso, passemos ao exame dos reflexos do posicionamento do STF nos processos administrativos no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) e do Conselho de Recursos do Sistema Nacional de Financeiro Nacional (CRSFN). 

Todos aqueles que advogam em processos administrativos tributários estão familiarizados com o Regimento do CARF, que dispõe, em seu artigo 58, que primeiro falará o advogado do recorrente e, por último, o representante da Fazenda Nacional, que fica, assim, com a última palavra nos litígios submetidos àquela corte administrativa.

Não é incomum, entretanto, que o representante da Fazenda Nacional faça alegações que não encontram suporte na prova dos autos, afirme fatos que não foram objeto de debate e deixe a defesa do contribuinte na constrangedora situação de não ter mais como rebater tais argumentos, uma vez que seu direito a falar no julgamento já teria sido exercido.

Da mesma forma, o Regimento interno do CRSFN dispõe em seu artigo 24 que primeiro será dada a palavra ao representante do órgão ou entidade recorridos, pelo prazo de quinze minutos; depois à parte ou seu representante, pelo prazo de quinze minutos e, por último, ao Procurador da Fazenda Nacional, sem limitação de tempo.

Assim, verifica-se a mesma ilegalidade, ou melhor, incompatibilidade com o texto constitucional vigente, na medida em que, do mesmo modo, a defesa não tem mais como se manifestar após o pronunciamento da Procuradoria, que longe de funcionar como órgão consultivo, posiciona-se quase sempre pela condenação do recorrente.

Alguns poderão argumentar que o mesmo raciocínio albergado pelo STF nos processos penais não deveria prevalecer nos julgamentos realizados por tribunais administrativos. Isto porque, em âmbito tributário, não existiria propriamente uma defesa e uma acusação, mas simplesmente um processo de revisão administrativa do crédito originalmente lançado contra o contribuinte, em uma relação dialética que se desenvolve com a participação dos envolvidos.  

Já no CRSFN, a Procuradoria funcionaria apenas como órgão consultivo de apoio ao conselho, não sendo propriamente representante da acusação.

Ora, além de não acreditarmos em tamanha esterilidade técnica, trata-se, sem dúvida, de um litígio entre partes desiguais, onde não existe qualquer paridade de armas que possa justificar o afastamento das garantias constitucionais conferidas aos acusados em processos administrativos ou judiciais. Leviatã, estado acusador, de um lado e defendente, de outro. 

Esta é a verdade com a qual se confrontam todos aqueles que advogam nesta área e convivem diariamente com os percalços de uma luta entre desiguais.

Não foi à toa que o constituinte originário fez questão de dizer no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal, que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, pondo em pé de igualdade a garantia do devido processo legal constitucional, em sua máxima extensão, a todos os processos sancionadores, sejam judiciais ou administrativos.

Também não foi por acaso que a mesma Constituição da República faz questão de afirmar, no Inciso LV do mesmo artigo 5.º, que "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes.”

Não resta, pois, nenhuma dúvida de que o pleno exercício às garantias ao contraditório e ampla defesa – que estão na raiz dos precedentes e da recentíssima decisão da 2ª Turma do STF - se aplica indistintamente aos litigantes em processos judiciais ou administrativos, como é o caso dos julgamentos no CARF e no CRSFN. Mais ainda, é absolutamente inconteste que tais garantias não se restringem às penas privativas de liberdade, alcançando, da mesma forma, outros bens jurídicos valiosos para todos os cidadãos.

Não fosse isso suficiente, é bastante comum que processos administrativos tributários venham acompanhados de multa agravada, aplicável nos casos de haver suspeita de fraude. Obriga-se assim a Receita Federal do Brasil a formalizar a denominada representação fiscal para fins penais, que, por sua vez, pode ensejar o início de uma ação penal contra os responsáveis pelo crédito tributário exigido, assim que concluído o julgamento na esfera administrativa de forma desfavorável ao contribuinte.

Ou seja, uma vez iniciado o processo administrativo tributário com a impugnação ao lançamento, trava-se uma discussão que vai ou pode ir muito além do simples debate acerca da legalidade ou não da exigência tributária, produzindo efeitos imediatos na esfera patrimonial e, não raro, na esfera de liberdade individual dos envolvidos.

Já no âmbito do CRSFN é muitíssimo frequente que a condenação em processos sancionadores seja utilizada pelo ministério público como elemento de convicção suficiente ao oferecimento de denúncia. 

Por essa razão não resta dúvida que em todos os julgamentos ocorridos no âmbito do CARF ou do CRSFN aplicam-se todas as garantias constitucionais ao contraditório e à ampla defesa em sua máxima extensão, exatamente como acaba de afirmar o STF.

Nesse contexto, os dispositivos constantes no regimento dos tribunais administrativos referidos neste artigo, que conferem a última palavra ao órgão de acusação, são capazes de ensejar gravíssimo prejuízo aos direitos constitucionais do acusado, motivo pelo qual são frontalmente incompatíveis com a atual ordem constitucional e com o entendimento consolidado em nossa Corte Constitucional.

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*José Andrés Lopes da Costa é sócio da banca Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Côrtes, Simões Advogados

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