Migalhas de Peso

Que falta faz o Rui!

Quem agora sairá em defesa do STF?

4/10/2019

O então conselheiro Rui Barbosa, ao ser empossado no cargo de presidente do Instituto dos Advogados, assim se pronunciou em seu discurso de posse:

“A investida reacionária da nulificação da justiça, que se esboça no grandioso projeto de castração do Supremo Tribunal Federal, tem por grito de guerra, conclamado em brados trovejantes, a necessidade, cuja impressão abrasa os peitos à generosa coorte, de pôr trancas ao edifício republicano contra a ditadura judiciária. É a ditadura dos tribunais a que enfia de terror as boas almas dos nossos puritanos. Santa gente! Que afinado que lhes vai nos lábios, onde se tem achado escusas para todas as ditaduras da força, esse escarcéu contra a ditadura da justiça!

Os tribunais não usam espadas. Os tribunais não dispõem do Tesouro. Os tribunais não nomeiam funcionários. Os tribunais não escolhem deputados e senadores. Os tribunais não fazem ministros, não distribuem candidaturas, não elegem e deselegem presidentes. Os tribunais não comandam milícias, exércitos e esquadras. Mas, é dos tribunais que se temem e tremem os sacerdotes da imaculabilidade republicana.”1

Tal fato se deu no já longínquo dia 19 de novembro de 1914, mas certamente poderia muito bem estar sendo dito hoje, no mesmo tom, pois aplica-se por completo aos dias atuais.

O que fazia o grande Rui naquele momento, em certa medida, era defender a “...maior das nossas instituições constitucionais, sua magnitude, suas prerrogativas, seus benefícios” de ataques vindos e partidos tanto do governo como do Congresso, em especial do Senado Federal, numa “guerra sem escrúpulos”, dizia ele, em que a tática principal era “...sobretudo, nestes últimos quatro anos, em negarem abertamente obediência o governo e o Congresso às mais altas sentenças judiciais, com pretexto de que o Supremo Tribunal exorbita, prevarica, usurpa...”.

Que falta nos faz o Rui! Quem agora sairá em defesa do STF?

Isso porque, exatamente como naquela época, o STF vem aqui e agora sendo alvo de todo tipo de ataque, na sua grande maioria, senão totalidade, sem o menor fundamento - a meu ver -, repetindo-se aquela guerra sem escrúpulos, de forma irresponsável e autoritária.

Estou falando de ataques que vão desde a propagação de uma possível invasão e fechamento da instituição com dois cabos e um jipinho até o planejado, porém não concretizado, homicídio de um ministro pelo chefe do MP, passando no caminho pelas desmotivadas tentativas de um quase banalizado impeachment de membros daquela Corte, à infundada organização de uma “CPI da Lava Toga” fadada ao insucesso.

 A que ponto chegamos! Santa gente, hein Rui?

Tudo isso se deve, em parte, ao atual momento político pelo qual estamos passando, conturbado, de propagação do ódio, de absoluta intolerância com as opiniões divergentes, mas também, de outra parte, pela desinformação planejada e manipulada da população, com a disseminação maciça de fakes news que visam apenas, e antes de mais nada, difamar, constranger e emparedar os ministros daquela Corte.

Não sou o Rui, nem tenho autorização intelectual para cogitar sê-lo, mas como operador do direito e frequentador daquela Corte desde as minhas fraldas, em razão de tudo que venho vendo e lendo, me sinto na obrigação de, assim como o fez Rui, sair aqui em defesa da instituição, do excelso STF.

O Supremo do grande Rui Barbosa ("Eu instituo este tribunal venerando, severo, incorruptível, guarda vigilante desta terra através do sono de todos, e o anuncio aos cidadãos, para que assim seja de hoje pelo futuro adiante".) e dos também grandiosos Nelson Hungria, Xavier de Albuquerque, Victor Nunes, Aliomar Baleeiro, Leitão de Abreu, Sepúlveda Pertence, Teori Zavascki.

E ainda que tamanha grandeza tenha passado por seus quadros, a instituição, o Supremo Tribunal, é, sempre foi e sempre será, com o perdão da sinceridade, maior que qualquer um deles, e é por isso que, como instituição, deve sempre e sempre ser respeitada.

Pode-se discordar de suas posições, pode-se criticar suas decisões, pode-se até delas recorrer - vejam vocês -, já que numa democracia pode-se muito, o que não se pode é agredir ou ameaçar a instituição, seu funcionamento, sua independência, sua magnitude, assim como não se pode afrontar seus membros ou tentar diminuir sua importância, pois quando chegamos a este ponto flertamos com o fim do Estado Democrático, e é assim que morrem as democracias.

Mas essa minha posição não é de hoje, vem de lá, do longínquo dia 19 de novembro de 1914, quando já naquela época Rui Barbosa defendia a necessidade de se conferir total e absoluta independência à justiça brasileira, ao magistrado brasileiro, respeitando-se as instituições, ao afirmar que:

“Nenhum tribunal, no aplicar da lei, incorre, nem pode incorrer, em responsabilidade, senão quando sentencia contra as suas disposições literais, ou quando se corrompe, julgando sob a influência de peita ou suborno. Postas estas duas ressalvas, que nada alteram a independência essencial ao magistrado, contra os seus erros, na interpretação dos textos que aplica, os únicos remédios existentes consistem nas formas do processo, nas franquias asseguradas à defesa das partes e, por último, nos recursos destinados a promover a reconsideração, a cassação, ou a modificação das sentenças, recursos que não se interpõem da justiça para outro poder, mas se exercitam, necessária e intransferivelmente, dentro da própria esfera judicial de uns para outros graus da sua jerarquia. Fora daí não há justiça, não há magistratura, não há tribunais.”

Sempre que chamado o Supremo esteve presente, atuando ativamente, sem nunca fugir da luta. Até mesmo nos momentos mais sombrios de nossa história, como durante a ditadura militar, o Supremo fez valer o seu papel constitucional e sua independência para conceder habeas corpus em casos de abusos flagrantes por parte dos militares.

Por essas e outras o STF deve ser sempre respeitado como a instituição mais importante para a permanência e fortalecimento do Estado Democrático de Direito, como assim o é nos Estados Unidos, onde “...todo o americano capaz de bem julgar olha para a Suprema Corte com uma admiração sem reserva. Todos eles sabem que nenhuma força, naquela terra, tem feito mais pela paz, pela prosperidade, pela dignidade dos Estados Unidos.”2

E aqui como lá assim deve ser, pois como já disse o ministro Marco Aurélio: “Precisamos continuar confiando, porque o Supremo é a última trincheira da cidadania. Depois que se ultrapassa o tribunal, não se tem a quem recorrer. Os brasileiros devem confiar no Supremo como instituição”3

O STF pode tudo porque é final e é final porque pode tudo. A nós cabe apenas respeitá-lo enquanto instituição, ainda que se discorde de suas posições, pois assim fazem as grandes democracias, construídas que foram com base, sobretudo, no respeito às suas instituições, doa a quem doer.

_________

*Pedro Naves é advogado e sócio do escritório Nilson Naves Advogados Associados.

 

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