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Conseqüências trágicas de atos nobres

3 de Outubro de 2006 - O intuito de beneficiar trabalhadores pode acabar por prejudicá-los. Meses antes da definição sobre a reorganização da Varig, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro prometeu que "lutaria" pela sucessão trabalhista na eventual venda dos ativos da empresa.

10/10/2006


Conseqüências trágicas de atos nobres

 

Deborah Kirschbaum*

 

O intuito de beneficiar trabalhadores pode acabar por prejudicá-los. Meses antes da definição sobre a reorganização da Varig, o Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro prometeu que "lutaria" pela sucessão trabalhista na eventual venda dos ativos da empresa. Tão logo concretizada a operação entre Varig e VarigLog, o MPT-RJ (ignorando a competência da 1 Vara Empresarial carioca) alegou sucessão e requereu à Justiça do Trabalho o bloqueio da conta-corrente da VarigLog. E foi atendido. Pela decisão, apenas a falência (e não a recuperação) blindaria o adquirente contra dívidas trabalhistas. Felizmente, a decisão foi revertida pelo STJ. Mas atos como o do MPT-RJ e da Justiça do Trabalho não devem mais ocorrer. Eles são prejudiciais à economia nacional. Eles subvertem a lógica jurídico-econômica da Lei de Falências e, assim, no nobre intuito de beneficiar os trabalhadores, acabam por prejudicá-los e a todos os demais afetados pela empresa <_st13a_personname w:st="on" productid="em dificuldades. O">em dificuldades. O caso Varig reacendeu o tema em debate recentemente organizado pelo Instituto Brasileiro de Gestão e Turnaround, que reuniu profissionais das áreas financeira e jurídica, além de juízes e desembargadores. Em regra, operações de venda de ativos acarretam sucessão do comprador quanto ao passivo adquirido. Por isso, a exclusão da sucessão deve ser prevista em lei, como o faz a nova Lei de Falências, em ponto que a distingue da antiga.

 

A nova lei prevê a exclusão da sucessão em dois artigos, um para a recuperação e outro para a falência. Ambos eliminam a sucessão de qualquer natureza. Apesar disso, o MPT-RJ insiste que a blindagem total ocorre somente na falência, apenas porque o dispositivo relativo à falência faz referência explícita aos créditos de natureza trabalhista, enquanto na recuperação tal referência é implícita. E o é por uma razão simples: na recuperação os trabalhadores renegociam o passivo trabalhista, socializando as perdas com os demais credores. A repactuação extingue a dívida antiga. Esta não pode ser ressuscitada e passada adiante. Essa é a idéia central da recuperação: os credores, incluídos aí os trabalhadores, repactuam a estrutura de capital da empresa, obrigando-se pelo renegociado.

 

Já na falência não há negociação. A lei determina quanto deve ir e para quem, conforme a hierarquia dos credores. Para a recuperação judicial, a lei prevê que "não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária". Justamente porque a lei não leva o Fisco à mesa para negociar, prevê ela explicitamente a eliminação da sucessão tributária. A decisão da Justiça do Trabalho implicaria permitir que os trabalhadores voltassem atrás no renegociado para melhorarem as condições para si próprios. Já na parte referente à falência, diz a norma: "não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho". Aqui há referência explícita aos créditos trabalhistas justamente porque a falência não envolve negociação, e sim distribuição predefinida. Quais as conseqüências potenciais de estratégias como a do MPT-RJ e Justiça do Trabalho? Há quem aponte para a quebra de duas, em vez de uma empresa, mas o problema é bem maior. Tudo que pode afetar o crédito é antecipado pelos agentes econômicos. Esse cálculo é operado em dois momentos: o da concessão do crédito e o da opção pelo modo de recuperá-lo, via falência ou via recuperação. A eliminação da sucessão busca atrair adquirentes da empresa em crise.

 

Com a sucessão, a importância do passivo torna proibitivo o custo da aquisição. Não havendo ofertas pelo ativo da empresa em recuperação, o montante a distribuir aos credores será menor do que se houvesse oferta. Isto eleva o risco de recuperação do crédito, exigindo um retorno maior. A conseqüência a priori da sucessão na recuperação é uma taxa de spread mais elevada do que sem sucessão. As conseqüências a posteriori da sucessão na recuperação são: aceitando-se que apenas na falência há blindagem, o cálculo de vantagens relativas entre falência e recuperação resulta em que a empresa falida preserva mais valor que a empresa em recuperação, o que atrairá potenciais adquirentes. Os credores, então, preferirão a liquidação à recuperação. É difícil imaginar que o MPT-RJ e a Justiça do Trabalho tenham antevisto o resultado trágico descrito que seus atos poderiam causar.

 

Esses atos sugerem tratamento político a problemas jurídicos. A pretensa defesa dos interesses dos trabalhadores feita pelo MPT-RJ e pela Justiça do Trabalho faz lembrar o rei Pirro que, após a batalha de Ásculo, teria desabafado: "Mais uma vitória como esta, e estou perdido".

 

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* Advogada. Mestre pela University of Chicago. Pesquisadora e Professora da Escola de Direito da FGV-São Paulo. Doutoranda em Direito pela USP.

 

 

 




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