Conseqüências trágicas de atos nobres
Deborah Kirschbaum*
A nova lei prevê a exclusão da sucessão em dois artigos, um para a recuperação e outro para a falência. Ambos eliminam a sucessão de qualquer natureza. Apesar disso, o MPT-RJ insiste que a blindagem total ocorre somente na falência, apenas porque o dispositivo relativo à falência faz referência explícita aos créditos de natureza trabalhista, enquanto na recuperação tal referência é implícita. E o é por uma razão simples: na recuperação os trabalhadores renegociam o passivo trabalhista, socializando as perdas com os demais credores. A repactuação extingue a dívida antiga. Esta não pode ser ressuscitada e passada adiante. Essa é a idéia central da recuperação: os credores, incluídos aí os trabalhadores, repactuam a estrutura de capital da empresa, obrigando-se pelo renegociado.
Já na falência não há negociação. A lei determina quanto deve ir e para quem, conforme a hierarquia dos credores. Para a recuperação judicial, a lei prevê que "não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária". Justamente porque a lei não leva o Fisco à mesa para negociar, prevê ela explicitamente a eliminação da sucessão tributária. A decisão da Justiça do Trabalho implicaria permitir que os trabalhadores voltassem atrás no renegociado para melhorarem as condições para si próprios. Já na parte referente à falência, diz a norma: "não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho". Aqui há referência explícita aos créditos trabalhistas justamente porque a falência não envolve negociação, e sim distribuição predefinida. Quais as conseqüências potenciais de estratégias como a do MPT-RJ e Justiça do Trabalho? Há quem aponte para a quebra de duas, em vez de uma empresa, mas o problema é bem maior. Tudo que pode afetar o crédito é antecipado pelos agentes econômicos. Esse cálculo é operado em dois momentos: o da concessão do crédito e o da opção pelo modo de recuperá-lo, via falência ou via recuperação. A eliminação da sucessão busca atrair adquirentes da empresa em crise.
Com a sucessão, a importância do passivo torna proibitivo o custo da aquisição. Não havendo ofertas pelo ativo da empresa em recuperação, o montante a distribuir aos credores será menor do que se houvesse oferta. Isto eleva o risco de recuperação do crédito, exigindo um retorno maior. A conseqüência a priori da sucessão na recuperação é uma taxa de spread mais elevada do que sem sucessão. As conseqüências a posteriori da sucessão na recuperação são: aceitando-se que apenas na falência há blindagem, o cálculo de vantagens relativas entre falência e recuperação resulta em que a empresa falida preserva mais valor que a empresa em recuperação, o que atrairá potenciais adquirentes. Os credores, então, preferirão a liquidação à recuperação. É difícil imaginar que o MPT-RJ e a Justiça do Trabalho tenham antevisto o resultado trágico descrito que seus atos poderiam causar.
Esses atos sugerem tratamento político a problemas jurídicos. A pretensa defesa dos interesses dos trabalhadores feita pelo MPT-RJ e pela Justiça do Trabalho faz lembrar o rei Pirro que, após a batalha de Ásculo, teria desabafado: "Mais uma vitória como esta, e estou perdido".
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* Advogada. Mestre pela University of Chicago. Pesquisadora e Professora da Escola de Direito da FGV-São Paulo. Doutoranda em Direito pela USP.
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