A malsinada Resolução no 13 do CNMP sobre investigação pelo Ministério Público
José Barcelos de Souza*
Deu no Migalhas (1.510 - 4/10/06 - clique aqui) que uma das justificativas para a resolução n. 13 (clique aqui), de 2 de outubro de 2006, do Conselho Superior do Ministério Público, que estabelece as regras gerais para a instauração e a tramitação dos procedimentos de investigação criminal no MP – publicada na íntegra pelo prestimoso periódico –, é, segundo a conselheira relatora, “assegurar que os direitos básicos garantidos ao cidadão pela Constituição da República sejam respeitados em quaisquer investigações desenvolvidas por membros do MP”.
Se foi essa a intenção, a resolução passou de certo modo longe.
Está lá, bem claro, no art. 13, parágrafo único:
”A publicidade consistirá:
I – na expedição de certidão, mediante requerimento do investigado, da vítima ou seu representante legal, do Poder Judiciário, do Ministério Público ou de terceiro diretamente interessado;
II – no deferimento de pedidos de vista ou de extração de cópias, desde que realizados de forma fundamentada pelas pessoas referidas no inciso I ou a seus advogados ou procuradores com poderes específicos, ressalvadas as hipóteses de sigilo;”
Ora, como de há muito ensinou o mestre Joaquim Canuto Mendes de Almeida, tomados depoimentos por termo já não seria de impedir seu conhecimento pelo indiciado, interessado em preparar sua defesa.
Assegurar mesmo é o que tem feito o colendo Supremo Tribunal Federal. Para citar só uma, e certamente sua mais recente decisão ligada à matéria, mencione-se o hc n. 88.190, relator o Ministro Cezar Peluso (DJ de 3-8-2006), no sentido de assegurar-se ao investigado pelo Ministério Público acesso aos atos de procedimento instaurado para a apuração de infração penal.
Segundo está em sua ementa, trata-se de resolução que, “Regulamenta o art. 8º da Lei Complementar 75/93 (clique aqui) e o art. 26 da Lei n.º 8.625/93 (clique aqui), disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, e dá outras providência”. Em realidade, não regulamenta os dispositivos legais citados coisa nenhuma, pela simples razão de que não cuidam eles, de modo algum, de uma imaginada investigação pelo Ministério Público.
Não há, com efeito, nos dispositivos citados, uma única referência a semelhante investigação. O que ali se vê diz respeito a providências de natureza civil ou administrativa, estranhas à área criminal, como, aliás, tive oportunidade de mostrar tempos atrás, em comentário a acórdão publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais. Nem seria de ser de outra maneira, visto que a regra geral que se extrai da Constituição é caber a promoção da ação penal ao Ministério Público (isso, hoje, privativamente), e às autoridades policiais a apuração de infrações, aqui com as exceções de que trata a lei. Apontei-as em sucinto artigo, originalmente escrito para coluna de jornal, e que o Migalhas também publicou.
O mal-entendido que tem havido a respeito da matéria resulta da interpretação equivocada e elástica que se quer dar a um dispositivo de Lei Complementar que faculta ao Ministério Público “notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada”, mas isso, é bem de ver, “nos procedimentos de sua competência”. Procedimento de sua competência, porém, é o inquérito civil público, não também assim um inquérito penal. Quanto à matéria penal, o que lhe é concedido é o direito de ”requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial” (Constituição Federal, art. 129, VIII). E também, conforme Lei Complementar, o de acompanhar as diligências e o inquérito. Não passa disso. O que é atribuição do Ministério Público é fiscalizar a falta de apuração das infrações penais em geral, entre elas o homicídio, o abuso de autoridade, e tantas outras.
O fato de grande parte da doutrina ter o entendimento de que não cabe ao Ministério Público, em geral, aquela função própria da polícia, já seria suficiente para deixar a matéria a cargo do Poder Legislativo. Tanto mais quanto, como é sabido, questionada em juízo a validade de processo resultante de investigação ministerial, o caso pende de decisão no Supremo Tribunal Federal, já com votos em um sentido e outro. Não custava esperar um pouco mais. Mesmo porque se trata de assunto que merece cuidadoso estudo e tem interessado a muitos juristas. Lembro-me de que, no último concurso para professor titular de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da USP, pouco tiveram os examinadores de indagar, muito menos objetar, dada a excelência do candidato. Uma curiosidade, porém, foi observada: por causa de uma simples passagem da tese que fez referência àquele tipo de investigação, todos os cinco examinadores argüimos sobre aspectos da questão.
Estou em que pode o Ministério Público promover procedimento investigatório dentro de certos limites, visto que todo mundo pode investigar e ele tem interesse na completa elucidação de um fato delituoso.
E é muito útil que o faça para seu governo, ou para complementar o trabalho policial. Teria sido por isso mesmo, razoável uma instrução a esse respeito. O que causa espécie, porém, é haver o Conselho, a título de regulamentar leis que nada têm a ver com a matéria, ido além dos limites e chegado a legislar.
Muito mais útil ainda teria sido uma regulamentação daquilo que também é função constitucional do Ministério Público, de grande importância, mas que ainda carece de uma regulamentação legal. Trata-se do exercício do controle externo da atividade policial. E em caso dele, parece-me, pode o Ministério Público investigar oficialmente, assumindo mesmo a presidência de inquérito policial, como autorizavam antigas leis orgânicas estaduais e talvez ainda autorizem algumas delas, quando outras medidas não surtissem efeito para a apuração de crimes. Lembro-me de que, nos velhos tempos em que exercia as funções de Promotor de Justiça no Estado de Minas Gerais, talvez o maior problema que enfrentava era de vencer a má-vontade de alguns delegados de polícia em apurar algumas infrações penais, situação que não encontrei depois no Ministério Público Federal, com uma atuante polícia, rigorosa também com seus próprios membros. Em benefício de alguns deles requeri o arquivamento de inquéritos.
O que, porém, não me parece exato é tomar o lugar da polícia sem necessidade.
Parece-me um excesso falar a resolução em “intimação” (art. º, VII). Um “convite” seria mais adequado, certo que, exatamente por falta de autorização legal, ninguém poderá ser intimado a comparecer sob as penas da lei, visto não estar sujeito a penalidade alguma. Comparece se quiser. O pior foi falar em requisitar a “condução” do recalcitrante, faculdade de que – tenho sustentado há décadas – nem mesmo a polícia civil goza. Condução coercitiva, disse Pontes de Miranda, é detenção <_st13a_personname productid="em caminhada. Por" w:st="on">em caminhada. Por isso mesmo, só vale se estiver bem autorizada na lei.
Excedeu ainda a resolução ao autorizar a iniciativa “de ofício” indiscriminadamente. Não ressalvou sequer os crimes de ação privada e os de ação pública condicionada a representação ou a requisição. É o que se tira do art. 3º, verbis: “O procedimento investigatório criminal poderá ser instaurado de ofício, por membro do Ministério Público, no âmbito de suas atribuições criminais, ao tomar conhecimento de infração penal, por qualquer meio, ainda que informal, ou mediante provocação”.
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*Diretor do Departamento de Direito Processual Penal do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais
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