O presente artigo tem como escopo elucidar a interpretação da jurisprudência acerca do cargo de gerência em bancos. Será que o gerente de relacionamento de contas das pessoas físicas/jurídicas detém realmente o cargo de confiança? Detém a fidúcia inerente ao cargo para desempenhar a função de direção, gerência, fiscalização, chefia ou equivalente?
Da mesma forma, o gerente de negócios ou comercial detém a autonomia administrativa suficiente para se falar em cargo de confiança?
Pode ser considerada a simples figura do gerente como cargo de confiança? Não há uma confusão entre os cargos, e realmente somente se viabiliza a função de confiança ao gerente geral (e administrativo) da agência?
Eis algumas dúvidas que serão respondidas à luz da interpretação da Justiça do Trabalho sobre a função de gerência, principalmente considerando a transformação digital e o impacto de demissões1 diante da inteligência artificial, entre outros avanços da tecnologia na esfera trabalhista, bem como a necessidade do gerente demitido ser respeitado à luz da legislação trabalhista.
Destaque-se que inteligência artificial é positiva, desde que alinhada com garantias constitucionais, conforme bem o senador Styvenson Valentim, no projeto de lei 5051/192, que estabelece os princípios para o uso da Inteligência Artificial no Brasil:
"Como se observa, não se trata de frear o avanço da tecnologia, mas de assegurar que esse desenvolvimento ocorra de modo harmônico com a valorização do trabalho humano, a fim de promover o bem-estar de todos.
Destaco que, nos termos da proposição, todo sistema de Inteligência Artificial terá a supervisão de uma pessoa humana, de forma compatível com cada aplicação. Com isso, é possível aliar as vantagens trazidas por essa inovação tecnológica com a necessária segurança, evitando que eventuais equívocos do sistema automatizado provoquem consequências indesejadas.
Além disso, a fim de dirimir eventuais dúvidas acerca da responsabilidade por danos decorrentes de sistemas de inteligência artificial, o projeto define que a responsabilidade será, sempre, do supervisor humano do sistema.
A proposição estabelece ainda diretrizes específicas para a atuação do Poder Público, entre as quais destaco a criação de políticas específicas para a proteção e para a qualificação dos trabalhadores. Com isso, pretende-se mitigar eventuais efeitos negativos dessa nova tecnologia."
No entanto, adentrando-se ao objeto de discussão, para se falar em cargo de confiança, o art. art. 224, §2º, da CLT estabelece que:
Art. 224 - A duração normal do trabalho dos empregados em bancos, casas bancárias e Caixa Econômica Federal será de 6 (seis) horas contínuas nos dias úteis, com exceção dos sábados, perfazendo um total de 30 (trinta) horas de trabalho por semana. (Redação dada pela Lei nº 7.430, de 17.12.1985)
(...)
§ 2º As disposições deste artigo não se aplicam aos que exercem funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes ou que desempenhem outros cargos de confiança desde que o valor da gratificação não seja inferior a um terço do salário do cargo efetivo. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 754, de 1969)
No mesmo sentido, segue a verbete da súmula n. 102, do Colendo TST:
Súmula nº 102 do TST
BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA (mantida) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A configuração, ou não, do exercício da função de confiança a que se refere o art. 224, § 2º, da CLT, dependente da prova das reais atribuições do empregado, é insuscetível de exame mediante recurso de revista ou de embargos. (ex-Súmula nº 204 - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)
II - O bancário que exerce a função a que se refere o § 2º do art. 224 da CLT e recebe gratificação não inferior a um terço de seu salário já tem remuneradas as duas horas extraordinárias excedentes de seis. (ex-Súmula nº 166 - RA 102/1982, DJ 11.10.1982 e DJ 15.10.1982)
III - Ao bancário exercente de cargo de confiança previsto no artigo 224, § 2º, da CLT são devidas as 7ª e 8ª horas, como extras, no período em que se verificar o pagamento a menor da gratificação de 1/3. (ex-OJ nº 288 da SBDI-1 - DJ 11.08.2003)
IV - O bancário sujeito à regra do art. 224, § 2º, da CLT cumpre jornada de trabalho de 8 (oito) horas, sendo extraordinárias as trabalhadas além da oitava. (ex-Súmula nº 232- RA 14/1985, DJ 19.09.1985)
Sendo assim, para se falar em fidúcia do gerente, é necessário que o obreiro exerça poder de mando (direção/chefia) ou, que ainda, detenha subordinados para realizar a fiscalização do trabalho no PAB (Posto de Atendimento Bancário), de modo a caracterizar o exercício de cargo de confiança, caso contrário, estará o gerente sujeito a disciplina legal de seis horas de trabalho, com quinze minutos de descanso, com aplicação do divisor 180.
Por outro lado, ao gerente, em pleno exercício de gestão, ou pelo cargo presumível (gerente-geral da agência bancária), será aplicada a interpretação da súmula 287, do TST (Gerente-geral de agência bancária não obtém direito a jornada de 6h3):
Súmula nº 287 do TST
JORNADA DE TRABALHO. GERENTE BANCÁRIO (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
A jornada de trabalho do empregado de banco gerente de agência é regida pelo art. 224, § 2º, da CLT. Quanto ao gerente-geral de agência bancária, presume-se o exercício de encargo de gestão, aplicando-se-lhe o art. 62 da CLT.
Com efeito, para melhor elucidar cada caso, não basta se falar na mera descrição do cargo, vez que a interpretação sumular exige a análise das provas de cada caso, em cotejo aos fatores essenciais (somados a outros específicos):
1 – O gerente exerce poder de direção e chefia? Contrata e/ou dispensa funcionário? Exerce fiscalização de seus subordinados, com aplicações de advertências, etc?
2 – A quem está subordinado?
3 – Recebe gratificação não inferior a 1/3 de seu salário?
4 – Qual a período de jornada diária, e intervalo?
5 – Partilha o comando com mais outros gerentes?
Para entender melhor, vamos ao exemplo de um caso concreto, acerca da colheita dos depoimentos das partes, de um Reclamante que desempenhava a função de gerente de relacionamento “Van Gogh II” (Autos n. Processo Nº RO-0012133-80.2016.5.18.0004, do TRT 18):
Depoimento de testemunha:
“...que trabalhou com o reclamante na agência da cidade Jardim; que o horário médio de trabalho era das 08:30 Às 17:30/18, com 01h de intervalo; que esse horário era registrado efetivamente no ponto; que após 08h de trabalho o ponto é bloqueado; que não tem tarefa que posse ser feita fora do sistema; que alguma conferência pode ser feita fora do sistema; que não sabe se todos batem o ponto e já vão embora; que o reclamante cuidava de uma carteira de clientes; que era uma carteira própria; que nessa carteira ele fazia cobrança empréstimos, vendas de produtos; que ele assinava abertura de contas e concessão de empréstimos em conjunto com o gerente geral; que se faltasse assinatura do reclamante a área administrativa devolvia para ele assinar; que a depoente não tem procuração para representar o banco; que não sabe quais cargos tem essa procuração; que o reclamante era o backup da gerente geral; que ele ficava responsável na ausência da gerente geral; que existe comitê de crédito na agência; que o reclamante participa do comitê; que não sabe de que forma ele participava;...que nem sempre a depoente via o reclamante ir embora; que a reclamante geralmente vai embora às 18/18:30; que não sabe se os créditos era aprovados apenas pelo sistema ou matriz...”
Com base nas provas acima, o eminente relator desembargador Elvecio Moura dos Santos, em seu voto, decidiu:
“No caso, para a configuração do cargo de confiança do empregado bancário é imprescindível que o empregador delegue a ele poderes de mando e gestão, ainda que parciais, do contrário caracterizar-se-á a função de agente repassador de ordens, e para isto não há razão para excluí-lo da jornada de 06 (seis) horas diárias de labor. Depreendo de tais depoimentos que claramente o reclamante não detinha de fidúcia bancária especial no banco. Com efeito, verifico que o reclamante não tinha subordinados e não detinha qualquer poder de concessão de crédito, realizando as tarefas de empréstimo e liberação de crédito somente em conjunto com o gerente geral, ou seja, não tinha efeito poder de decisão nessas operações. O fato de realizar visitas aos clientes não pode ser interpretado como um poder especial, pois ele apenas vendia produtos do banco. De igual forma, o fato do obreiro ter acesso a documentos e informações sigilosas ou privilegiadas não caracteriza fidúcia especial, haja vista que referidos acessos eram indispensáveis para a realização de seu trabalho técnico. Diante desse contexto, resta patente que o obreiro não detinha fidúcia especial, limitando-se às atividades operacionais que não envolviam poder de decisão. Considerando todos esses fatos, concluo que o autor não exerceu funções que exigiam fidúcia especial, ao longo de todo o período imprescrito, razão pela qual estava submetido à jornada de 6 horas diárias de trabalho.”
Da mesma forma, em casos semelhantes as decisões dos tribunais têm sido firmes em reconhecer a jornada de 6 horas ao bancário que não exercer a real função de confiança:
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. PESSOA NATURAL. DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. DECLARADO PELO TRABALHADOR SUA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA, PRESUME-SE VERDADEIRA TAL CONDIÇÃO PARA A CONCESSÃO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 790, § 3º, DA CLT, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.537/2002, E DO ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO ITEM I DA SÚMULA Nº 463 DO TST. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE PROVIDO PARA CONCEDER A ELE O BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMADO. PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS. SÚMULA Nº 451 DO TST. EM QUE PESE PREVISÃO NORMATIVA EM SENTIDO CONTRÁRIO, É DEVIDO O PAGAMENTO DA PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS E RESULTADOS RELATIVO AO ANO DA RUPTURA DO CONTRATO DE TRABALHO, CALCULADA DE FORMA PROPORCIONAL AOS MESES TRABALHADOS. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ISONOMIA E DO ENTENDIMENTO CONSUBSTANCIADO SÚMULA Nº 451 DO TST. PROVIMENTO NEGADO. RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE E DO RECLAMADO. ANÁLISE CONJUNTA DA MATÉRIA COMUM. BANCÁRIO. HORAS EXTRAS. GERENTE DE RELACIONAMENTO. GERENTE DE EMPRESAS. ARTIGO 224 X ARTIGO 62, II, DA CLT. 1. Estando o bancário ao abrigo das regras especiais contidas nos artigos 224 a 226 da CLT, exclui-se, por expressa disposição legal, da incidência da norma de caráter geral do artigo 62 consolidado. Negado provimento ao recurso do reclamado. 2. Sujeita-se à jornada de seis horas o empregado cujas funções não são inerentes ao grau de confiança mais elevado do que aquele atribuído aos trabalhadores bancários em geral. A percepção de gratificação de função em valor excedente a um terço do salário do cargo efetivo não é suficiente para atrair a incidência do parágrafo segundo do artigo 224 da CLT, quando não revelada a existência defidúcia diferenciada, de verdadeiro cargo de confiança bancária. Provido o recurso do reclamante. (TRT 4ª R.; RO 0021682-52.2017.5.04.0010; Quarta Turma; Relª Desª Ana Luiza Heineck Kruse; DEJTRS 13/08/2019; Pág. 358)
BANCÁRIO. JORNADA DE TRABALHO. CARGO DE CONFIANÇA. ART. 224, § 2º, DA CLT. NÃO CONFIGURAÇÃO. Para o enquadramento da jornada na exceção prevista no § 2º do art. 224 da CLT, é necessário que haja a demonstração inequívoca das reais atribuições do empregado com efetivo exercício de função desconfiança (Súmula nº 102, I, do TST). Restando provado que o Reclamante no exercício do cargo de Gerente de Relacionamento, não estava investido de fidúcia especial ou função de confiança do banco ao ponto de enquadrá-lo na exceção do § 2º, do art. 224, da CLT, são devidas as horas extras excedentes da 6ª hora diária trabalhada. (TRT 18ª R.; RO 0012133-80.2016.5.18.0004; Terceira Turma; Rel. Des. Elvecio Moura dos Santos; Julg. 26/06/2019; DJEGO 22/07/2019; Pág. 197)
HORAS EXTRAS. BANCÁRIO. CARGO DE CONFIANÇA. BANCO DO BRASIL. O exame de tais atribuições do cargo de gerente de relacionamento não revela nenhuma especial fidúcia suficiente à caracterização do cargo de confiança, de modo a excluir os substituídos do regime previsto no art. 224, caput, da CLT. Entendimento prevalecente da Turma, vencido o Relator. (TRT 4ª R.; RO 0020397-80.2017.5.04.0541; Quarta Turma; Rel. Des. André Reverbel Fernandes; DEJTRS 18/06/2019; Pág. 349)
Ainda, em recente decisão, Colendo Tribunal Superior do Trabalho decidiu, no processo n. 10671-39.2015.5.03.00054, que a gerência geral de agência compartilhada não caracteriza cargo de gestão, senão vejamos:
“É incontroverso nos autos que o reclamante exercia a função de Gerente Comercial e que a estrutura administrativa da agência apresentava, no topo, o próprio reclamante juntamente com o Gerente Operacional.
Em outras palavras, o exercício da autoridade máxima da agência era partilhado entre o reclamante (Gerente Comercial) e o Gerente Operacional.
Em casos como tal, a jurisprudência do TST se firmou no sentido que aqueles que exercem a gerência comercial ou a gerência operacional, não se revestem individualmente de autoridade máxima na agência.
A gerência partilhada da unidade afasta a incidência da exceção do art. 62, II, da CLT.”
Portanto, ao profissional que dedicou anos de trabalho na agência bancária, para o caso do exercício do cargo de gerência, sem o exercício da confiança inerente ao cargo (funções de direção, gerência, fiscalização, chefia e equivalentes, ou seja, de autoridade máxima), encontrando-se no prejuízo em relação a seus direitos trabalhistas em caso de demissão, orienta-se que procure a Justiça do Trabalho.
Principalmente, frisa-se, quando houver real e clara subordinação a superiores, ou seja, recebimento de comandos e ordens (até mesmo pelo whatsapp e e-mails), sem autonomia de gestão ou gestão partilhada, exercendo cargo fictício de gerente em jornada de trabalho extenuante, para que veja reconhecida na Justiça do Trabalho a jornada de seis horas, com todos os direitos consectários: disciplina legal de seis horas de trabalho, com quinze minutos de descanso, com aplicação do divisor 180.
Por derradeiro, é de se ponderar a parcimônia necessária em relação à viabilidade jurídica da ação, sendo dever do advogado alertar acerca dos riscos da ação pós-reforma trabalhista, vez que os valores pretendidos nas ações judiciais dos gerentes são consideráveis, com a consequência de sucumbência e pagamento de custas processuais em caso de insucesso, logo, as provas devem ser concretas e alinhadas com a jurisprudência (forma mais segura de sucesso).
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1 Sobre as demissões que ocorrem, vejamos recente notícia acerca de um dos maiores bancos que atuam no Brasil: clique aqui
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*Vitor Ferreira de Campos é advogado em Londrina/PR, no escritório “Vitor Ferreira de Campos – Sociedade Individual de Advocacia”.
*Thiago Lapuse Fernandes de Oliveira é advogado em Londrina/PR, no escritório “Lapuse Sociedade Individual de Advocacia”.