O encarceramento humano como pena se mostra cada vez mais promíscuo e ineficiente – principalmente no Brasil. Existe um alto custo para sua manutenção sem, entretanto, esse sistema (do encarceramento) apresentar respostas e soluções eficazes do que seria sua real finalidade no mundo moderno – qual seja: a ressocialização e reinserção dos/as presos/as em presídios ou penitenciárias ao convívio social fora das grades.
Como cediço, investe-se muito (muros e cercas das prisões) em nada (pouca ou quase nenhuma ressocialização e reinserção no mercado de trabalho e no convívio social fora das grades das prisões), criando-se a falsa ilusão (aos olhos da mídia e dos pouco informados) de que tudo está sob controle, vendendo-se a ideia de que a rigidez do sistema prisional está conseguindo reduzir e/ou acabar com a criminalidade – todos esses argumentos caem por terra quando somos noticiados (quase que diariamente) das diversões rebeliões que se estendem pelo país afora.
Além disso, existe ainda uma cultura, ou consciência popular, que só acredita no direito penal quando esse “coloca” os/as criminosos/as na cadeia” (direito penal do inimigo), bem como uma parcela irresponsável da mídia que “alimenta” a ideia de rigidez penal e prisional de forma inconsequente (sem se aprofundar no problema e buscar soluções reais e efetivas com diálogo e apresentação de pesquisas acadêmicas etc.).
Diante desse cenário de superlotações e caos cada vez maiores no sistema prisional brasileiro, é triste e alarmante (até sombrio por assim dizer) destacar que “mais de 700.000 mulheres se encontram encarceradas atualmente”1.
E mais: “alerta-se que a população carcerária feminina cresce em proporção maior que a masculina, registrando-se incremento de 50% nos últimos anos. Segundo dados oficiais veiculados, o Brasil ocupa a quinta posição mundial entre os países com a maior população de mulheres encarceradas, atrás de Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia (WORLD PRISON BRIEF, 2015)”2.
E ainda de acordo com informações do Conselho Nacional de Justiça, o número de presas multiplicou por oito em 16 anos3.
Como dito pelo Presidente do Conselho Nacional de Justiça em 2016, Ministro Ricardo Lewandowski, “o encarceramento de mulheres merece destaque. No período de 2000 a 2014 o aumento da população feminina foi de 567,4%, enquanto a média de crescimento masculino, no mesmo período, foi de 220,20%, refletindo, assim, a curva ascendente do encarceramento em massa de mulheres.”4
Ou seja, esse é um dos temas mais importantes e que merecem cada vez mais destaque e atenção na área do Direito Penal, Criminologia, Estudo Étnicos e Raciais e de Gênero, bem como para toda a sociedade brasileira e o mundo, pois envolvem não só a questão penal (sistema penitenciário – falido no caso do Brasil), mas, e principalmente, a área dos Direitos Humanos (que está cada vez menos sendo observado, principalmente para as mulheres, pois dentro de um sistema falido criado para homens as mulheres são invisíveis).
E como tentar explicar, em poucas palavras, sobre o encarceramento em massa de mulheres no Brasil, considerando os aspectos étnico-raciais e de gênero?
Conforme leciona a professora Luciana Boiteux:
“Acima de tudo, as presas no Brasil são mulheres pobres que não ocupam posição destacada no mercado ilícito [...]. Verifica-se claramente nesse perfil o fenômeno da feminilização da pobreza, que aponta que as mulheres são a maioria entre os mais pobres. Se os homens presos por tráfico no Brasil são os elos mais frágeis desse circuito extremamente lucrativo do mercado ilícito da droga, primários, presos com pequenas quantidades, sozinhos, desarmados, as mulheres são ainda mais vulneráveis e estão sendo presas cada vez mais, por crimes sem violência, portando pequenas quantidades de drogas e acusadas de tráfico.”5
O aumento do encarceramento feminino no sistema prisional (encarceramento em massa de mulheres) tem relação mais direta com o tráfico de drogas. Veja-se:
“No Brasil, quem efetivamente é encarcerado pelo tráfico de drogas são as pessoas pobres e, de maneira mais direta, as mulheres representam o setor que mais sofrem o efeito dessa coerção estatal, não só por uma ação proativa da dinâmica do tráfico que as expõe de forma mais direta ao sistema punitivo, como também pela atuação das agências punitivas. A coerção estatal não atinge todos os estágios da cadeia do tráfico.”6
Ou seja, a questão étnico-racial (negros, índios7 etc.), e de gênero (mulheres), expõe a fragilidade dessa parcela da sociedade que tem que cumprir penas no falido e podre sistema prisional brasileiro. É mais do que urgente e necessário que se faça uma mudança estrutural do sistema de encarceramento do país!
Além do mais, levando-se em consideração que em regra os presídios são construídos para homens, existem questões que necessitam de aprofundamento para sua real efetivação (os relatórios do CNJ e de outros órgãos são importantes, mas precisam buscar concretização de propostas de melhorias etc.), como, por exemplo, a questão do trabalho das mulheres presas (remição da pena pelo trabalho ou por estado – art. 126 da LEP - lei de execução penal – 7.210/84) – existe trabalho para as mulheres presas? – como é feito? – existem condições de estudo? – em caso afirmativo, tem apresentado resultados reais na remição e/ou na progressão do regime prisional – aplicação de alternativas penais, com enfoque restaurativo, em substituição à privação de liberdade8, etc.9
Em 2018 a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu HC coletivo para “determinar a substituição da prisão preventiva por domiciliar de mulheres presas, em todo o território nacional, que sejam gestantes ou mães de crianças de até 12 anos ou pessoas com deficiência, sem prejuízo da aplicação das medidas alternativas previstas no artigo 319 do CPP” – Habeas Corpus 143.641.
Essa decisão da 2ª Turma do STF é um avanço na visão da Corte Suprema na questão das mulheres presas, mas, infelizmente, ainda não é suficiente para resolver o grave problema do encarceramento feminino em nosso país, mas ainda se faz mais do que necessária a busca por soluções, caminhos e mecanismos que tragam mais efetividade para a diminuição do encarceramento feminino e/ou, ao menos, para a busca de maior dignidade no cumprimento de suas penas (individualização da pena – CF, art. 5º, XLI, trabalho e estudo das presas, verificação da aplicação da progressão de regime prisional etc.).
A sociedade civil, as Universidades, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, os Conselhos das Comunidades, Conselhos Penitenciários, Ministérios Públicos (Federal e Estadual), os Juízes (principalmente os de Execução Penal), os Tribunais de Justiça e, principalmente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) devem, pelo menos, ampliar os debates na busca de reais e efetivas soluções ao caos do sistema prisional brasileiro – inclusive com destaque especial para o encarceramento feminino, pois as mulheres encarceradas se tornam muito mais marginalizadas para a sociedade do que os homens encarcerados10.
Faz-se cada vez mais urgente acabar com a invisibilidade das necessidades das mulheres que estão encarceradas.
Oxalá ventos de mudanças abram novos horizontes para os olhos de todos/as!
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2 Ob. cit.
4 Regras de Bangkok. Série Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Clique aqui.
5 SANTORO, Antonio Eduardo Ramires; PEREIRA, Ana Carolina Antunes. Gênero e prisão: o encarceramento de mulheres no Sistema Penitenciário Brasileiro pelo crime de tráfico de drogas. Disponível em: file:///C:/Users/Usuario/Downloads/5816-19145-1-PB%20(1).pdf
6 RAMOS, Luciana de Souza. Por amor ou pelo dor? Um Olhar feminista sobre o encarceramento de mulheres por tráfico de drogas. 2012. 126 f., il. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de Brasília, Brasília, 2012
7 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 287, de 25.06.2019. Estabelece procedimentos ao tratamento das pessoas indígenas acusadas, rés condenadas ou privadas de liberdade, e dá diretrizes para assegurar os direitos dessa população no âmbito criminal do Poder Judiciário. Clique aqui.
8 CNJ – Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 288, de 25.06.2019. Define a política institucional do Poder Judiciário para a promoção da aplicação de alternativas penais, com enfoque restaurativo, em substituição à privação de liberdade. Clique aqui.
9 As palavras do Ministro Ricardo Lewandowski, à época presidente do CNJ, mostram claramente a necessidade de se individualizar o tratamento penal para as mulheres: “As mulheres em situação de prisão têm demandas e necessidades muito específicas, o que não raro é agravado por históricos de violência familiar e condições como a maternidade, a nacionalidade estrangeira, a perda financeira ou o uso de drogas. Não é possível desprezar, nesse cenário, a distinção dos vínculos e relações familiares estabelecidos pelas mulheres, bem como sua forma de envolvimento com o crime, quando comparados com a população masculina, o que repercute de forma direta as condições de encarceramento a que estão submetidas. Historicamente, a ótica masculina tem sido tomada como regra para o contexto prisional, com prevalência de serviços e políticas penais direcionados para homens, deixando em segundo plano as diversidades que compreendem a realidade prisional feminina, que se relacionam com sua raça e etnia, idade, deficiência, orientação sexual, identidade de gênero, nacionalidade, situação de gestação e maternidade, entre tantas outras nuanças. Há grande deficiência de dados e indicadores sobre o perfil de mulheres em privação de liberdade nos bancos de dados oficiais governamentais, o que contribui para a invisibilidade das necessidades dessas pessoas.” Regras de Bangkok. Série Tratados Internacionais de Direitos Humanos. Clique aqui.
10 “A fila de espera para visitar em presídios masculinos é enorme. A maioria das visitas é de mulheres, que vão ver seus filhos, seus maridos. Já no presídio feminino, não vai ninguém. Nem as famílias”. Ministra Cármen Lúcia, quando era presidente do STF. Clique aqui
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Alexandre Pontieri é advogado com atuação nos Tribunais Superiores (STF, STJ, TST e TSE), e no CNJ; consultor da área tributária com foco principalmente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF); Pós-Graduado em Direito Tributário pelo CPPG – Centro de Pesquisas e Pós-Graduação da UniFMU, em São Paulo; Pós- Graduado em Direito Penal pela ESMP-SP – Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Aluno Especial do Mestrado em Direito da UNB – Universidade de Brasília nos anos de 2018 e 2019.