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Sobre a importância da regulamentação estatal da atividade profissional de Relações Institucionais e Governamentais (RIG)

Instrumentos como lobby, advocacy - espécie de lobby indireto - e RIG são de suma relevância à sociedade moderna, pela qual grandes assuntos podem ser melhor debatidos e decididos pelas autoridades públicas com competência decisória.

25/9/2019

Volta-se no tempo para rememorar o lobby e seu respectivo ator operante, o lobista.

Tal atividade, por grande parcela da opinião pública, foi atrelada a atos de corrupção e de conchavo entre particulares e agentes públicos. Isso, provavelmente, pelo excesso de “camaradagem” nas relações interpessoais.

Naturalmente, tal atividade, no Brasil, carecia e ainda carece de regulamentação oficial pelo Estado.

O lobby é a atividade segundo a qual um dado profissional defende interesses diretamente junto às autoridades constituídas. Não é, por essência, maléfica; pelo contrário, é imperiosa e potencializa o diálogo entre atores relevantes.

Historicamente, ficou conhecida por se dar nos lobbies dos hotéis e parlamentos, daí o nome de batismo da atividade e de seu operador.

Mas nem sempre tal atividade foi exercida de forma leviana, com tráfico de influência. Há profissionais que a exerceram e ainda a exercem com impessoalidade e moralidade. 

No campo internacional, verifica-se a regularidade da atividade na Inglaterra e Estados Unidos dos séculos XVII e XVIII, respectivamente, onde o assunto já é regulado faz um bom tempo.

Avançando nos tempos, surge a atividade de RIG (Relações Institucionais e Governamentais), uma espécie de grande evolução do lobby, pela qual profissionais capacitados passaram a formal e de modo mais profissional representar interesses legítimos de atores sociais e econômicos junto às autoridades executivas e legislativas do Estado.

Em muitas empresas, hoje, verifica-se tal figura em seus quadros funcionais, prova de que se trata de atividade importante e com grande visibilidade social.

Ocorre que tal atividade continua sem regulamentação normativa específica no Brasil, pela qual sejam fixados direitos e obrigações para ambos os atores dessa relação Particular x Estado, inclusive regras pontuais sobre quais tipos de formação acadêmica seriam adequados ao perfil profissional.

A atividade de RIG se pauta na possibilidade de a sociedade civil organizada e empresas defenderem junto às autoridades públicas constituídas seus legítimos interesses. E esse jogo deve ter regras claramente definidas.

A sociedade em geral titulariza o direito de se conectar com o Poder Público, de influenciar positiva e democraticamente nas decisões relevantes.

Trata-se dos direitos e garantias fundamentais à comunicação, expressão, petição, reclamação, controles e obtenção de informação perante os órgãos e entes do poder público. Aqui reside um primeiro bom fundamento para que o Estado regule pormenorizadamente essa relação.

Há, ainda que indiretamente, o reconhecimento da atividade profissional de RIG, conforme descrição dessa atividade contida na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações, do extinto Ministério do Trabalho e Emprego - MTE), ocorrida em 2018. Mas ainda é pouco.

Não obstante, é imperiosa a regulamentação pontual dessa profissão/ofício/trabalho, dada a carga de complexidade, criticidade e singeleza das relações que se estabelecem.

Há em curso um projeto de lei da Câmara dos Deputados (PL 1.202/07) que contempla essa pretensão de regulamentação. Naturalmente, a sociedade civil organizada pode provocar a mobilização dos atores públicos competentes para pressionar a inserção de tal tema em pauta prioritária de análise e aprovação.

O diálogo entre os setores privado e público merece tratamento pontual e condigno da relevância constitucional que carrega.

A melhoria do nível dessas relações seguramente elevará o nível técnico das decisões políticas e tornará a relação Particular x Público mais confiável e transparente aos olhos do povo, o legítimo titular do poder à luz do artigo 1º da CRFB/88.

Não se deve esquecer, a despeito da inexistência de regulamentação da atividade profissional de RIG, que o ordenamento jurídico vigente contempla diversas leis inibidoras de relações espúrias entre agente particular e agente público, que também apresentam conteúdo ético.

São exemplos dessas normas, que estabelecem consequentes sanções aos infratores, sejam agentes privados, sejam agentes públicos (prisões e multas, p.ex.): Código Penal (arts. 316, 317, 321, 332 e 333), lei de improbidade administrativa (lei 8.429/92), lei de conflito de interesses no Poder Executivo federal (lei 12.813/13) e lei anticorrupção para pessoas jurídicas que se relacionam com o Poder Público (lei 12.846/13).

Já há, destarte, uma “intimidação legal” para que atos espúrios não sejam praticados nas relações entre agentes privados e agentes públicos, inclusive aplicável às relações interpessoais entabuladas a partir da atividade de RIG.

Portanto, instrumentos como lobby, advocacy - espécie de lobby indireto - e RIG são de suma relevância à sociedade moderna, pela qual grandes assuntos podem ser melhor debatidos e decididos pelas autoridades públicas com competência decisória.

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*Alessandro Ajouz é advogado e professor de pós-graduação.

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