Na última semana do mês de julho do corrente ano, foi anunciado pelo governo a liberação parcial do Fundo de Garantia (FGTS) para os trabalhadores que possuem saldo tanto em contas ativas como inativas, facultando-se primeiramente o saque imediato no valor de R$ 500,00, o que já está em andamento, com outros cronogramas já fixados para o próximo ano vinculados a datas de aniversário, quando maiores valores poderão ser liberados.
A questão interfere na esfera trabalhista na medida em que em regra - salvo exceções específicas previstas em lei, como casos de aposentadoria, doenças graves, obtenção de casa própria, dentre outras situações peculiares e emergenciais - o FGTS era liberado ao trabalhador apenas quando do término do contrato de trabalho sem justa causa por iniciativa do empregador, isso além de mais recentemente, após a denominada reforma trabalhista, o saque ter sido permitido, ainda que parcialmente, também para os casos de rescisão contratual por mútuo consentimento.
Assim, a atual hipótese de liberação parcial imediata do FGTS no curso dos contratos de trabalho - o que se aplica também às denominadas contas inativas antes com cronogramas de liberação sujeitos à carência - trata-se de nova modalidade de saque que, pelo que tudo indica, tem por finalidade o incentivo ao consumo, além de oportunizar pagamento de dívidas diversas, etc.
Ocorre que a referida nova possibilidade de saque no curso do contrato de trabalho está levando muitos trabalhadores, isso no anseio de utilizarem a verba, a consultarem os saldos de suas contas vinculadas, tendo como surpresa em muitos casos, a constatação de ausência ou de irregularidade dos depósitos ao longo da prestação da prestação de serviços; e isso não obstante os valores terem sido indicados em holerites e/ou descontados pelo empregador para depósito.
Nesse sentido, cumpre destacar que o atual ordenamento jurídico prevê que as ações judiciais, no que tange às diferenças de depósitos de FGTS a serem quitadas pelo empregador, são de competência da Justiça do Trabalho, tendo em vista a relação de emprego envolvida.
E nesse contexto o TST, última instância trabalhista, ao julgar recentemente questões relativas à ausência de depósitos de FGTS, tem entendido que além da necessidade de reposição dos valores pelo empregador, que isso se trata de conduta grave o suficiente para ensejar uma ruptura do contrato por iniciativa do próprio empregado, o que é denominado pela legislação como rescisão indireta, com hipótese prevista no artigo 483, alínea “d” da CLT. Isso equivale ao pagamento ao trabalhador das mesmas verbas relativas a uma dispensa sem justa causa por iniciativa do empregador, incluindo aviso prévio, multa de 40% sobre todo o saldo de FGTS devido durante o contrato, além de possibilidade de liberação do benefício do seguro desemprego.
E nesse sentido, quanto à gravidade da conduta e hipótese de rescisão indireta, recente ementa de julgado da 7ª turma do TST:
"AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RESCISÃO INDIRETA. IRREGULARIDADE NOS RECOLHIMENTOS DOS DEPÓSITOS DO FGTS . Esta Corte Superior tem trilhado o entendimento no sentido de que a ausência ou irregularidade no recolhimento dos depósitos do FGTS constitui motivo suficiente para ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, nos termos do artigo 483, "d", da CLT. Agravo conhecido e não provido" (Ag-RR-11102-46.2015.5.01.0323, 7ª Turma, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 05/07/2019).”
Inclusive, não obstante as consequências já destacadas, em muitas hipóteses é possível, e mais ainda diante da nova regra de liberação, pleitear também indenização por danos morais em decorrência da conduta omissiva do empregador ao não depositar o FGTS regulamente. Isso pois, como já dito, o obreiro tem mensalmente a expectativa de que aquilo que é apontado em seu contracheque está sendo efetivamente depositado em sua conta vinculada; e mais que isso, que ele poderia, e mais ainda diante da nova hipótese de liberação durante o contrato aqui tratada, utilizar prontamente de tais valores para o sustento próprio e/ou familiar, algo que se torna impossível pela violação de direito cometida pelo empregador ao não depositar a verba.
Infere-se então, que com a nova hipótese de liberação, e diante do aqui explanado, caso o empregado tenha o saldo de seu FGTS suprimido, poderá pleitear as diferenças não depositadas perante a Justiça, além de possuir a faculdade de romper o contrato de trabalho por justo motivo pleiteando judicialmente a rescisão indireta se assim desejar, isso sem prejuízo de pleitear danos morais diante da conduta do empregador, algo que tem o potencial de ultrapassar a esfera material.
Já o empregador, caso verifique que não procedeu com o recolhimento de forma correta do FGTS de seus colaboradores, ainda que haja uma falha apenas parcial e mesmo não proposital, poderá de pronto depositar as diferenças corrigidas com multas aplicáveis, isso de modo a evitar as consequências jurídicas acima focadas, sejam elas de natureza trabalhista, o que envolve além de tudo riscos de fiscalizações pelo Ministério do Trabalho com imposição de multas por autos de infração sem prejuízo de atuação do Ministério Público do Trabalho na esfera coletiva por meio de procedimentos e inquéritos, sejam de natureza diversa, podendo a empresa, ao contrair dívidas perante à União, sofrer restrições na emissão de Certidão Negativa de Débitos (CND), sofrendo prejuízos na obtenção de créditos, restrição na participação de licitações, dentre outros impedimentos relativos a alteração da estrutura empresarial, e/ou mesmo sanções criminais por hipótese análoga à apropriação indébita em caso de ausência injustificada de repasses.
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*Marcelo Tavares Cerdeira é sócio advogado do escritório Cerdeira Rocha Advogados e Consultores Legais.