Há pouco mais de um ano, foi publicada a lei 13.665, de 25 de abril de 2018, que trouxe alterações ao decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 (LINDB), através da inclusão de dez novos artigos, os quais buscaram garantir maior segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do direito público.
Mencionada alteração se tornou alvo de diversas críticas, na medida em que órgãos controladores, tal como o TCU, a consideraram como instrumento facilitador do enfraquecimento do controle da Administração Pública. Todavia, em contraposição, é amplamente difundida a ideia de que o instrumento normativo veio a conceder maior confiança ao gestor público de boa-fé, que muitas vezes deixa de agir em prol de inovações, por temer sua responsabilização pessoal, em função de mero entendimento diverso do controlador.
Dentre os dispositivos inseridos da LINDB, merece destaque o art. 28, cuja redação determina que “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”. Da análise do tipo legal é possível concluir pela imprescindibilidade da produção probatória que demonstre não somente a ocorrência do dano, mas, também, o elemento subjetivo do agente público quando da prática do ato ímprobo, para que seja possível a imposição de sua responsabilização pessoal.
Destarte, é o art. 28 aplicado àqueles que decidem ou emitem opiniões técnicas e, com elas, causam prejuízos à Administração, imbuídos de vontade e consciência para a prática do ato e obtenção do resultado danoso (dolo), ou quando agem com erro grosseiro, “que decorreu de uma grave inobservância de um dever de cuidado, isto é, que foi praticado com culpa grave” (TCU, acórdão 2391/18 – Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler, data da dessão: 17/10/18).
Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, a “culpa grave é caracterizada por uma conduta em que há uma imprudência ou imperícia extraordinária e inescusável, que consiste na omissão de um grau mínimo e elementar de diligência que todos observam” (FARIAS, Cristiano Chaves de. ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. São Paulo: Atlas, p. 169 apoud TCU, Acórdão 2391/2018 – Plenário, rel. Min. Benjamin Zymler, Data da Sessão: 17/10/2018).
Com a reorientação jurisprudencial no sentido de que o agente público será responsabilizado nos casos em que agir com dolo ou culpa grave, o novo art. 28 da LINDB passou a representar verdadeira antinomia à regra contida no art. 10 da LIA, segundo a qual configura ato de improbidade que causa prejuízo ao erário a ação ou omissão, dolosa ou culposa, que resulta em perda patrimonial dos sujeitos apresentados no art. 1º, caput, do mesmo diploma. Neste dispositivo, portanto, a culpa simples é apta a ensejar a responsabilização do agente público por ato de improbidade administrativa por dano ao patrimônio público, no qual estão compreendidos os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, nos termos do art. 1º, §1º, da lei 4.717/65.
Da incompatibilidade legislativa acima explanada, duas correntes de pensamento já se mostram existentes: a primeira, majoritária, defende que o art. 28 da LINDB pretendeu a revogação parcial do art. 10 da LIA, em função da aplicação do critério da incompatibilidade para a solução da controvérsia. O mencionado mecanismo encontra previsão no art. 2º, §1º, da LINDB, que determina que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”. Desta forma, deixar-se-ia de punir os atos ímprobos praticados com culpa stricto sensu, para punir aqueles praticados com dolo ou culpa grave.
A segunda corrente, minoritária, se posiciona do sentido de que não houve a derrogação do art. 10 da LIA, porquanto a antinomia presente pode suprida pela aplicação do critério da especialidade, elencado no art. 2º, §2º, da LINDB, cuja redação dispõe: “a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”. Assim, sendo a LINDB uma norma geral abstrata, deve prevalecer a aplicação da lei de Improbidade Administrativa e, apenas no que couber, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Outrossim, é possível encontrar tribunais posicionando-se de modo ainda mais divergente, ao considerar que os atos de improbidade administrativa que importam em dano ao erário, elencados no rol exemplificativo do art. 10 da LIA, não são mais punidos quando praticados na modalidade culposa, independente do grau de culpa, como se verifica do Enunciado nº 10 do TJPR: “o artigo 10 da lei 8.429/92 foi alterado pela lei 13.655/18, não mais sendo admitida a caracterização de ato de improbidade administrativa que cause lesão ao erário na modalidade culposa”.
Desta feita, ainda que a lei 13.665/18 tenha sido editada a fim de conferir maior credibilidade e segurança jurídica aos gestores públicos, para que possam atuar sem o temor de serem responsabilizados pessoalmente, e de forma discricionária, livrando-se da chamada “Administração Pública do Medo”, a redação dada ao art. 28 da LINDB, apesar de afetar a aplicação do art. 10 da LIA, ainda permite ampla discussão e divergência na jurisprudência, quanto à possibilidade de aplicação de sanção para os atos ímprobos praticados com erro grave, porquanto consistente em um conceito jurídico indefinido. Tal dispositivo representa um avanço jurídico na tratativa dos agentes públicos aos quais são imputados de improbidade, mas não dá a efetiva segurança jurídica a que se propôs.
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*Vitória Valente Dal Bem é advogada no escritório Ramos & Brito Advogados Associados.