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Condomínios edilícios x AirBnB: comentários sobre a possibilidade de hospedagem em condomínios edilícios por intermédio de plataformas virtuais

O presente artigo trata da possibilidade de locação de imóvel em condomínio edilício, por meio da plataforma virtual do “AirBnB”, questão esta que vem ganhando espaço nos Tribunais pátrios, contudo, ainda sem um posicionamento uníssono firmado.

23/9/2019

Com os avanços da tecnologia e a facilidade que os indivíduos passaram a ter para se relacionar, a cada dia, diversas são as novas situações com relevo no âmbito jurídico que passam a existir, modificando a forma pela qual a sociedade se comporta e exigindo maior atenção dos tribunais e legisladores, a fim de solucionar os mais variados conflitos que delas decorrem.

O presente artigo trata da possibilidade de locação de imóvel em condomínio edilício, por meio da plataforma virtual do “AirBnB”, questão esta que vem ganhando espaço nos Tribunais pátrios, contudo, ainda sem um posicionamento uníssono firmado, o que intensifica os debates existentes entre o proprietário locador e o condomínio do qual o seu imóvel faz parte.

A controvérsia existente quanto à permissibilidade de hospedagem em condomínios edilícios por intermédio do “AirBnB” – plataforma eletrônica, por meio da qual são ofertados serviços de hospedagem em casas, apartamentos ou, ainda, em apenas cômodos destes – reside na natureza jurídica deste negócio jurídico, que para uns consiste em locação e, para outros, em hospedagem, e a consonância que deve guardar com a convenção e o regimento interno do condomínio.

Inicialmente, convém elucidar, brevemente, o tratamento dado pela lei aos condomínios em edifícios no que concerne à matéria ora tratada.

O condomínio edilício, regulamentado pelos art. 1.331 a 1.358 do CC, corresponde ao condomínio vertical, no qual há a divisão entre partes comuns e partes exclusivas dos condôminos, nos termos do art. 1.331 do CC.

As partes comuns são aquelas relativas à sua estrutura interna, tais como o solo, o telhado, a rede geral de distribuição de água, esgoto, gás e eletricidade e as áreas de lazer quando existentes, as quais são de uso comum de todos os condôminos, não podendo ser divididas e alienadas separadamente. As áreas exclusivas, por sua vez, correspondem à fração ideal pertencente a cada condômino, autônoma e exclusiva das demais, de modo que, em função da liberdade do exercício da autonomia privada, podem ser livremente alienadas ou gravadas de quaisquer ônus, sem direito de preferência dos demais condôminos.

Quanto à instituição e criação dos condomínios, estes se dão por um ato de gestão, que deve observar dos requisitos formais elencados no art. 1.332 do CC, a saber: (i) a discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas uma das outras e das partes comuns; (ii) a determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns; e (iii) o fim a que as unidades se destinam, este fundamental para evitar a utilização indevida das dependências do condomínio, sob a qual podem recair sanções previstas em lei.

Cumpre salientar que o uso das áreas internas do condomínio, por parte de um condômino, que não respeite à finalidade definida pelos demais na convenção, depende da concordância dos demais.

Outrossim, a constituição da modalidade de condomínio ora analisada é feita pela Convenção, que deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, 2/3 (dois terços) das frações ideais, a fim de regular os interesses dos condôminos, de modo que, respeitado o quorum qualificado para a sua elaboração, se torna obrigatória a todos os titulares de direito sobre as unidades, bem como para aqueles que delas tenham posse ou detenção, independentemente de registro, de acordo com o que dispõem o art. 1.333 do CC e a súmula 260 do STJ.

A convenção, além de atender aos requisitos do art. 1.332 da lei geral civil, acima mencionados, deve determinar, dentre outros elementos obrigatórios previstos no art. 1.334 da referida lei, o regimento interno do condomínio, cuja instituição busca a fixação de regras básicas de convivência entre os condôminos ou possuidores, devendo, ainda, se atentar à realidade social na qual está inserido o condomínio, como forma de atender à socialidade e à eticidade.

O CC também elenca os direitos e deveres dos condôminos, bem como as sanções a estes aplicáveis, nos casos em que descumpridas as normas contidas na Convenção. Em seu art. 1.335, o Código define os direitos dos titulares das frações ideais, dentre os quais se encontra o de “usar, fruir e livremente dispor das suas unidades”. Tal direito decorre da teoria da propriedade integral, adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, e do direito constitucional de propriedade, o qual, apesar de considerado como fundamental, não é absoluto, podendo sofrer limitações.

À vista disso, deve o exercício da propriedade se atentar à função social da propriedade, à boa-fé e aos bons costumes, bem como às regras atinentes ao direito de vizinhança, previstas no art. 1.277 do CC, notadamente ao que diz respeito à segurança, ao sossego e à saúde dos demais proprietários. Tal dever se coaduna com o disposto no inciso IV do art. 1.336 da aludida codificação, segundo o qual é múnus dos condôminos “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.

Da inobservância destes deveres, é aplicável multa, em valor correspondente até cinco vezes a quota condominial, devendo a sanção ser imposta por deliberação de 2/3 (dois terços) dos condôminos na convenção ou, na hipótese de ser essa omissa, por 2/3 dos condôminos restantes, em Assembleia Geral, conforme determina o art. 1.336, §2º, do CC.

Apresentadas tais premissas, cumpre explicitar as razões pelas quais o uso de plataformas eletrônicas, como o “AirBnB”, para hospedagem em apartamentos tem se mostrado tão controvertido.

A grande maioria dos condomínios edilícios define na convenção que sua finalidade é estritamente residencial e familiar, sendo vedado o uso de suas dependências, inclusive das unidades exclusivas, com intuito comercial. À vista disso, consistindo em um dever do condômino dar à sua fração ideal a destinação que tem o condomínio, conforme definido pela convenção – obrigatória a todos –, assegurando, ainda, o sossego, a segurança e a saúde dos demais condôminos, torna-se vedada a exploração das unidades autônomas para fins que não sejam especificamente residenciais.

Diante de tal situação e do surgimento de plataformas virtuais intermediadoras de hospedagem, tal como o “AirBnB”, veio à baila a discussão acerca de sua natureza jurídica, eis que, dependendo da forma em que considerada, sua utilização resta proibida.

Uma primeira corrente considera que os alugueis via plataformas digitais constituem locação para temporada, sendo regidas, portanto, pela lei 8.245/91, e cuja destinação é voltada para a “residência temporária do locatário, para a prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão somente de tempo determinado, e contratada por prazo não superior a noventa dias [...]”, nos termos do que dispõe o art. 48, caput, da referida lei.

Desta forma, ainda que perdure por curto período de tempo, cujo prazo máximo é determinado em lei, a locação para temporada tem como finalidade a residência temporária, motivo pelo qual, para os adeptos deste posicionamento, a locação via “AirBnB” é plenamente possível, consistindo a sua proibição por parte dos condomínios verdadeira afronta ao direito fundamental de propriedade, já que deixariam os locadores de dispor livremente sobre os seus bens imóveis.

Em contrapartida, para uma segunda posição, a locação de apartamentos por intermédio de plataformas virtuais afronta diretamente a convenção de condomínio, na medida em que deixam de observar os locadores o seu dever de dar destinação compatível com as normas internas, qual seja, a utilização estritamente residencial.

Isto decorre do fato de considerarem esta modalidade de locação hospedagem para turismo, consistente, segundo o art. 23 da lei 1.771/08, na prestação de serviços de alojamento temporário, mediante instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança diária. Ademais, o §1º do aludido artigo determina a aplicação desta lei para os “empreendimentos ou estabelecimentos de hospedagem que explorem ou administrem, em condomínios residenciais, a prestação de serviços de hospedagem [...]”.

Diante disso, consistindo os serviços de hospedagem em atividades comerciais, e considerando a violação aos direitos de vizinhança dos demais condôminos, na medida em que a segurança, o sossego e a intimidades destes são potencialmente transgredidos, em razão do intenso fluxo de pessoas que passam a frequentar o condomínio, sem qualquer responsabilidade ou obrigação com este, defende-se a proibição do aluguel de apartamentos pelo “AirBnB”.

Ainda que não haja um posicionamento uníssono firmado, é possível observar a adoção do segundo posicionamento por alguns Tribunais de Justiça estaduais, conforme se depreende da análise das jurisprudências a seguir colacionadas:

APELAÇÃO CÍVEL – LOCAÇÃO DE IMÓVEL RESIDENCIAL VIA APLICATIVO “AIRBNB” PELA AUTORA – VEDAÇÃO DA LOCAÇÃO DIÁRIA DETERMINADA PELO CONDOMÍNIO – REGIMENTO INTERNO E CONVENÇÃO DO CONDOMÍNIO QUE PREVÊ DESTINAÇÃO RIGOROSAMENTE RESIDENCIAL E FAMILIAR – LOCAÇÃO VIA “AIRBNB” QUE POSSUI FINALIDADE DE HOSPEDAGEM, RELACIONADA A TURISMO – FINALIDADE QUE DESTOA DAQUELA PREVISTA NO REGIMENTO INTERNO – AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE – RECURSO DESPROVIDO (TJPR, Apelação 0007302-35.2018.8.16.0194. 9ª Câmara Cível. Rel. Des. Domingos José Perfetto. Julgamento em 01.08.2019)

APELAÇÃO – OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER – CONDOMÍNIO EM EDIFÍCIO – UTILIZAÇÃO DE MEIO ELETRÔNICO PARA LOCAÇÃO TEMPORÁRIA (AIRBNB) – Locação de unidade autônoma através de anúncio em plataformas digitais que constitui forma de hospedagem, e não de ocupação com finalidade residencial, dada a alta rotatividade de pessoas – Uso do imóvel de forma desvirtuada da finalidade estritamente residencial prevista em convenção condominial – Precedentes desde E. TJSP [...]. (TJSP, Apelação 1001199-30.2018.8.26.0642. 32ª Câmara de Direito Privado. Rel. Des. Luiz Fernando Nishi. Julgamento em 19.08.2019.)

APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRELIMINAR CONTRARRECURSAL. ILEGITIMIDADE ATIVA REJEIÇÃO. MÉRITO. DESRESPEITO À CLÁUSULA DE QUÓRUM. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO NESTE TÓPICO. PROIBIÇÃO DE ALUGUEL DE UM DOS QUARTOS DO APARTAMENTO DA COAUTORA VIA AIRBNB. SOBERANIA DAS DECISÕES TOMADAS EM ASSEMBLEIA. SENTENÇA INTEGRALMENTE MANTIDA. [...] Proibição de aluguel de um dos quartos do apartamento da coautora via airbnb. Soberania das decisões tomadas em assembleia. As decisões tomadas em assembleia geral são soberanas, na medida em que obrigam todos os condôminos, sobretudo quando não afrontam a lei ou a anterior minuta de convenção do condomínio. Sentença mantida na sua integralidade [...]. (TJRS. Apelação Cível 70080920614. 17ª Câmara Cível. Rel. Des. Giovanni Conti, Julgado em 23.05.2019)
 

Destarte, ainda que não haja um posicionamento consolidado dos Tribunais, vislumbram-se diversas decisões no sentido de vedar a locação para hospedagem de imóveis em condomínios edilícios, quando definida a finalidade deste como estritamente residencial, ocasião em que deverá prevalecer o disposto da Convenção, posto que é aplicável e obrigatória a todos os condôminos. À vista disso, a restrição ao direito de propriedade daquele que pretende oferecer o serviço de hospedaria, não se mostra ilícita ou abusiva, já que decorre de interesses da coletividade, em prol da manutenção dos direitos de vizinhança daqueles que possuem direitos de propriedade em um determinado condomínio.

Outrossim, vale ressaltar a possibilidade de aluguel via “AirBnB” nas hipóteses em que a Convenção nada dispor acerca da finalidade do condomínio, ou, ainda que contrária a esta, permitirem os demais condôminos, em Assembleia e respeitado o quorum definido em lei para a alteração de suas normas internas, que seja possível e exercício de serviços de hospedaria por plataformas eletrônicas e, eventualmente, as condições para tanto.

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*Vitória Valente Dal Bem é advogada no escritório Ramos & Brito Advogados Associados.

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