Depreende-se da Lei Processual Penal Geral em vigor no Brasil que o inquérito policial se destina à apuração de ilícitos penais, de modo que o titular da persecução penal ajuíze, se for o caso, a competente ação judicial e o Estado-Juiz exerça, após o devido processo legal, seu poder-dever de punir (ou não) os infratores da lei criminal.
Não obstante essa compreensão, há de se compreender que a investigação policial exercida por meio do inquérito é uma atividade que deve ser vista não apenas como aquela que busca a apuração de autoria e materialidade de delitos para posterior ajuizamento da ação penal, mas especialmente como legítima ferramenta estatal para a apuração da verdade dos fatos e resguardo da necessidade ou não do ajuizamento dessas persecuções penais.
Noutras palavras, o inquérito policial serve para que se verifique ou não a prática de crime, evitando, portanto, que desnecessárias ações penais acabem por constranger pessoas que sabidamente não cometeram delitos ou que o cometeram sob a batuta de alguma causa justificante. E o Delegado de Polícia é autoridade fundamental no resguardo do bom jogo investigatório, agindo como se um juiz fosse na delimitação do que efetivamente ocorreu.
O delegado de polícia, que é autoridade policial competente para presidir inquérito e desenvolve, para tanto, atividade tipicamente jurídica, para além da policial (lei 12.830/13, art. 3º), pela qual forma seu livre convencimento motivado – é o “primeiro juiz da causa” – ou para indiciar, ou para concluir pela inexistência de delito/autoria ou para empreender outra saída legal prevista na legislação penal (exemplos: reconhecimento de legítima defesa, estado de necessidade e ocorrência de prescrição).
Nesse sentido, o delegado de polícia, pelo inquérito policial, possui independência e imparcialidade para emitir relatório de acordo com o livre convencimento motivado – deve contas à lei e sua consciência -, não podendo o Ministério Público e o Juiz interferirem nessa atividade, que é a primeira fase do sistema acusatório penal. Posteriormente, se Ministério Público e juiz, cada qual em seu momento processual, compreenderem diversamente, a lei processual penal lhes faculta instrumentos para a modificação do entendimento da autoridade policial, tudo dentro dos sadios e desejados jogos democrático e da repartição rígida de competências.
Mais do que uma ferramenta somente destinada à apuração de infrações, é a investigação policial, por meio do inquérito, o instrumento estatal garantidor de que ações penais injustificadas não serão ajuizadas, ou se ajuizadas, serão bem instruídas. É a primeira tutela do sistema acusatório penal aos direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, notadamente aqueles ligados aos campos dos direitos penal e processual penal, sendo também o primeiro bom foco para o exercício da ampla defesa do investigado.
Evita-se, com isso, esforços desnecessários subsequentes por parte do aparato público componente do sistema acusatório – deixará o Ministério Público de ajuizar uma ação penal infundada, p.ex. -, bem como a ocorrência do indesejado "Estado Policialesco", tão contrário ao espírito do Estado Democrático de Direito, no qual a defesa dos direitos e garantias fundamentais se traduz na tutela e maximização do interesse público primário do Estado brasileiro, que é garantir ao cidadão uma vida livre, desimpedida e de confiança para com o Estado, nos limites da legislação. E, com isso, naturalmente chega-se o mais próximo possível ao conceito de justiça, ou seja, de paz social.
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*Alessandro Ajouz é advogado com 14 anos de experiência, inscrito na OAB/DF.