Migalhas de Peso

O respeito a liberdade de imprensa, as garantias individuais e coletivas e o exercício de fiscalização das notícias falsas e medidas judiciais necessárias

Imprensa livre não se confunde com imprensa irresponsável e danosa, que somente exerce seu poder fiscalizatório contra terceiros, omitindo-se de tal exercício em sua própria conduta.

3/9/2019

Ninguém, por mais ousado ou desrespeitoso que possa ser aos princípios que norteiam o Estado democrático de direito, há de ousar proposta para o controle sobre o exercício de uma imprensa livre.

De outra banda, sabemos que os poderes constituídos, Executivo, Legislativo e Judiciário são fiscalizados pela sociedade e por órgãos públicos destas instituições.

À imprensa cabe, também, o exercício desta fiscalização. Necessita, pois, ser livre e sem sistema de controle.

Mas, de qualquer forma, não creio que a imprensa não possa ser fiscalizada, o que difere de controle por qualquer órgão dos poderes constituídos.

Posto isso, me vem à baila o filme “A Dúvida” – que recomendo, para compreensão exata do que se pretende aqui afirmar (data de lançamento: 6 de fevereiro de 2009, Brasil, direção: John Patrick Shanley).

Em determinado momento, o Padre, um dos personagens principais (no caso de “A Dúvida", o diretor referido acima, nos coloca do lado do padre Flynn, interpretado, com rara maestria, por um dos protagonistas, Philip Seymour Hoffman), traz à tona um segundo sermão. Em breve síntese, uma religiosa, em confissão, busca o “perdão” a ser dado pelo padre, como representante de Deus.

O segundo sermão do padre é sobre a fofoca. Ele conta a história de uma mulher que perguntou a um padre se fofoca era pecado. O padre diz a ela para voltar para casa, pegar um travesseiro e uma faca, subir ao telhado e estripar o travesseiro com a faca. Ela faz o que ele pede e volta à igreja. Ele pergunta: “Qual foi o resultado?” Ela responde: “Plumas! Plumas em todos os lugares”. O padre, então, pede que ela junte todas as plumas novamente. Ela reclama: “Mas é impossível!” O padre conclui: “Então, isso é fofoca!”

O padre deixa claro que não basta se arrepender para receber o perdão. A honra de sua vizinha, atingida pelas fofocas já não pode se recompor. O mal causado se tornou irreversível.

Indago, se a imprensa, de igual forma, antes de veicular notícias, não deveria se certificar da veracidade de suas publicações. E, mais, como fiscalizar tais atos?

Não é crível que se confunda liberdade de imprensa e imprensa livre de fiscalização. Não adianta punir a imprensa quando divulga fatos não verdadeiros. O mal já foi causado. Não tem perdão que possa recuperar o dano causado àquele ou àqueles que foram atingidos pelas notícias divulgadas.

Há necessidade de se encontrar um meio que impeça a veiculação de notícias pela imprensa, sem que ela procure, a toda sorte, buscar, antes, a autenticidade de suas veiculações. Que se resguarde o sigilo da fonte. Mas se um fato chegou a imprensa, a ela cabe, sem dúvida, verificar e se certificar da autenticidade e veracidade do que torna público, sob pena, de se ter uma imprensa danosa e irresponsável.

Chega-se, de igual forma, aquilo que se convencionou chamar de “fake”, aplicável a toda a mídia, seja escrita, falada, televisiva, abrangendo, inclusive, a “internet”.

E, se a internet apresenta maiores dificuldades de fiscalização, como é fato, à imprensa cabe fiscalizar os atos falsos veiculados por este meio de comunicação. A ela, imprensa, cabe, a fiscalização dos próprios atos e também do quanto se faz vir a público por toda a forma de mídia.

Não se confunda, insista-se, em controle. Mas na obrigatoriedade de criação de órgãos internos da própria imprensa, para fiscalizar a publicidade, antes que seja tornada pública.

Se a todos os Poderes constituídos se exige uma conduta ética, moral e que respeite o Estado democrático de direito, a imprensa há de ter esta fiscalização. E não sem pensar em fiscalização externa, que se pudesse confundir com controle, este, inadmissível. Mas, fiscalização por “órgãos” criados pela própria imprensa e independentes. A globalização necessita de meios para se conter os danos que a própria imprensa causa aos interesses individuais e coletivos.

A final, de que adianta, noticiar que um determinado órgão, ou indivíduo, praticou esta ou aquela irregularidade ou crime, e, depois, verificada que a notícia não é autentica ou verdadeira, “exigir” que a imprensa faça publicar o fato como inverídico. O dano já foi causado. As plumas do travesseiro não podem mais ser recolhidas.

Posto para debates, o que se articula, atinge o interesse da imprensa que precisa ser chamada a tomar atitudes de prevenção, por ela própria, sem ingerência de forças externas. Mas, como está, não pode ficar.

Um projeto de lei (PL) regulando a atividade fiscalizadora a ser exercida por todos os meios de comunicação, determinando aos vários seguimentos da mídia que criem, cada qual, seu órgão fiscalizador, pode ser um passo inicial para afastar uma imprensa acima de todos os poderes constituídos, sem controle, mas com fiscalização a evitar danos ao cidadão e à sociedade.

E não seria, a me sentir, demais a previsão de medidas judiciais, como por exemplo, busca e apreensão, contra este ou aquele “órgão fiscalizatório”, quando manifestamente falho em sua conduta preventiva exatamente no que tange a não investigação de notícias que veicula sem o cuidado do exame da autenticidade e veracidade das informações, ou, ao menos, quanto a autenticidade daquilo que se publicou, buscando impedir a publicidade do que não se tem como autentico.

E não se necessita, para tanto, de ofender o direito da imprensa quanto a não passar a origem da fonte, menos ainda de se desrespeitar o princípio democrático da imprensa livre.

Imprensa livre não se confunde com imprensa irresponsável e danosa, que somente exerce seu poder fiscalizatório contra terceiros, omitindo-se de tal exercício em sua própria conduta.

Estou a defender a impossibilidade de se manter a imprensa em seu papel de informação e mesmo fiscalização em benefício da sociedade e permitir, para tal exercício, que nenhuma responsabilidade e conduta preventiva deva ser proclamada em lei, de forma a restringir o abuso na publicidade de atos e fatos antes de se investigar – no campo da fiscalização – a autenticidade do quanto será tornado público.

Esta é a questão posta para debates, para se criar, também para a imprensa, um sistema de freios e contra freios, tal qual existe em todos os poderes constituídos, sem ofender as leis e os preceitos Constitucionais de uma imprensa livre, porém responsável e colaborativa.

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*Feiez Gattaz Junior é advogado.

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