A tributação dos lucros gerados no exterior – Uma década de erros e acertos
Luciana Rosanova Galhardo*
Giancarlo Chamma Matarazzo*
Passados dez anos desde sua adoção, a jurisprudência administrativa do Primeiro Conselho de Contribuintes começa a firmar posição a respeito da interpretação das regras que adotaram o princípio da universalidade da renda. O objetivo deste trabalho é apontar os acertos e os erros mais relevantes da jurisprudência administrativa aplicável ao tema1.
I. - Breve resumo da legislação
A tributação dos lucros gerados através de sociedades coligadas e controladas sediadas no exterior teve três fases distintas. A primeira delas foi relativa aos anos de 1996 e <_st13a_metricconverter productid="1997. A" w:st="on">1997. A legislação do IRPJ pretendeu tributar os lucros gerados pelas sociedades coligadas e controladas sediadas no exterior, independentemente de essas sociedades distribuírem tais lucros para a sociedade controladora brasileira. Tratava-se da tributação automática, no Brasil, dos lucros gerados pelas controladas e coligadas sediadas no exterior no final de 31 de dezembro de cada ano.
A segunda fase do princípio da universalidade da renda foi introduzida pela Lei nº 9.532, de 1997 (“Lei 9.532/97” - clique aqui). Vigente entre 1998 e 2001, nesse período a legislação tributária brasileira determinava que os lucros gerados no exterior somente seriam tributados no Brasil quando efetivamente disponibilizados para a sociedade controladora brasileira. A partir de outubro de 1999, o princípio da universalidade da renda foi também adotado para a Contribuição Social sobre o Lucro (“CSL”).
Desde 2001, com as alterações introduzidas pela Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001 (“MP 2.158-35/01” - clique aqui), iniciou-se a terceira fase da aplicação do princípio da universalidade da renda. Nesse período, a legislação criou uma ficção jurídica, considerando disponibilizados, ao final de cada ano-calendário, os lucros gerados por sociedades controladas e coligadas sediadas no exterior. A MP 2.158-35/01 supostamente se baseia na alteração promovida pela Lei Complementar nº 104, de 2001 (“LC 104/01” - clique aqui), que acrescentou um novo parágrafo 2º ao artigo 43 do Código Tributário Nacional (“CTN”), estabelecendo que “na hipótese de receita ou de rendimentos oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência” do imposto sobre a renda.
A diferença entre a primeira e a terceira fase é sutil, mas importante. Na primeira, a legislação tributava os lucros no final do ano em que gerados no exterior. Na terceira, embora a tributação ocorra quando os lucros são disponibilizados, a legislação cria a ficção de que os lucros são automaticamente disponibilizados ao final de cada ano.
II. - Os acertos
Variação cambial
Com o advento da terceira fase, a Secretaria da Receita Federal (“SRF”) publicou a Instrução Normativa nº 213, de 2002 (“IN 213/02”). O artigo 7º daquele normativo determinava a tributação de toda e qualquer incremento no valor dos investimentos mantidos em sociedades controladas e coligadas no exterior. A redação em total desacordo com a legislação fiscal em vigor daquele dispositivo determinava a tributação, no Brasil, do resultado da equivalência patrimonial registrado na contabilidade da empresa brasileira referente ao investimento mantido na sociedade controlada ou coligada sediada no exterior.
Ocorre que o resultado de equivalência patrimonial engloba outros valores que não apenas os lucros gerados no exterior. A variação cambial é um exemplo de uma grandeza que se insere no resultado de equivalência patrimonial, mas não se confunde com os lucros gerados no exterior. Por essa razão, o resultado da variação cambial dos investimentos mantidos no exterior não pode estar sujeito à tributação no Brasil.
A jurisprudência do Primeiro Conselho de Contribuintes vem, sistematicamente, reconhecendo a não tributação pelo IRPJ e pela CSL da variação cambial associada aos investimentos em sociedades controladas e coligadas sediadas no exterior2, corrigindo o equívoco constante na IN 213/02.
Redução de Capital
O Primeiro Conselho de Contribuintes reconheceu3, todavia, que a operação de redução de capital da sociedade investidora brasileira não implica disponibilização de lucros, não havendo na legislação de regência e na sua regulamentação qualquer autorização para tributar esse tipo de operação.
III. - Os erros
Interpretação da expressão “emprego dos lucros”
Durante a segunda fase do princípio da universalidade da renda (<_st13a_metricconverter productid="1998 a" w:st="on">1998 a 2001), a tributação dos lucros gerados no exterior somente poderia ocorrer na hipótese em que tais lucros fossem efetivamente disponibilizados para a sociedade controladora sediada no Brasil. Dentre as várias hipóteses previstas na legislação, a Lei 9.532/97 determinava que seriam considerados como disponibilizados os lucros gerados no exterior no momento em que tais lucros fossem empregados em favor do sócio brasileiro.
A correta interpretação desse dispositivo restringe sua aplicação aos casos em que a empresa controlada ou coligada no exterior empregar efetivamente tais lucros em benefício do sócio residente no Brasil. Ou seja, na hipótese de a empresa estrangeira pagar uma dívida da empresa brasileira investidora, ou entregar seus lucros a um terceiro por conta e ordem do sócio sediado no Brasil.
Em que pese essa interpretação, a jurisprudência administrativa4 tem se inclinado por interpretar esse dispositivo de forma abrangente. Assim, no caso de o sócio brasileiro alienar o investimento ou entregar o investimento em pagamento de uma dívida sua (ainda que os lucros permaneçam acumulados no exterior), ficaria caracterizado o emprego (ainda que indireto) dos lucros gerados no exterior, o que seria suficiente para ensejar a tributação desses lucros pela sociedade controladora sediada no Brasil. A nosso ver, essa interpretação equivocada não está em acordo com a legislação de tributação dos lucros gerados no exterior.
Tratados Internacionais – As isenções
Alguns tratados internacionais de que o Brasil é signatário adotaram a “isenção” como forma de evitar a dupla tributação econômica da renda. Não se trata de um benefício fiscal, mas apenas de uma opção dada ao legislador (ou, nesse caso, aos países contratantes). Nesses casos, ao invés de assegurar um crédito equivalente ao imposto pago no exterior, os lucros gerados no exterior são “isentados” nas mãos dos beneficiários, evitando-se assim a dupla tributação dessa renda (do lucro).
Em que pese existirem disposições claras em alguns dos tratados de que o Brasil é signatário (Tratado Brasil-Espanha e Tratado Brasil-Argentina), a jurisprudência administrativa5 vem negando eficácia a tais dispositivos e permitindo a tributação, no Brasil, dos lucros gerados em controladas e coligadas sediadas nesses países.
Esses julgamentos são contrários ao texto dos tratados e à própria jurisprudência administrativa que, em atenção ao disposto no artigo 98 do CTN, sempre reconheceu a prevalência dos tratados sobre as disposições da legislação interna. Nesse ponto, espera-se que o Conselho de Contribuintes reveja sua posição e volte a respeitar o texto dos tratados internacionais de que o Brasil é signatário.
Tratados – o Artigo 7º
Virtualmente todos os tratados para evitar a dupla tributação em matéria de imposto sobre a renda seguem (ao menos em relação ao Artigo 7º) a redação proposta pelo Modelo de Convenção apresentado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (“OCDE”). Em termos gerais, esse artigo estabelece que os lucros gerados por uma empresa sediada <_st13a_personname productid="em um Estado Contratante" w:st="on">em um Estado Contratante somente pode ser tributado naquele Estado Contratante6. A tributação pelo país em que estiver localizado o sócio da empresa somente poderá ocorrer sobre os dividendos distribuídos pela empresa, mas não sobre os lucros ali gerados e ainda não distribuídos.
Em relação à aplicação do Artigo 7º dos tratados de que o Brasil é signatário, o Conselho de Contribuintes acertou e errou. Acertou ao reconhecer que, para os lucros gerados entre 1996 e 1997, o Artigo 7º dos tratados impedia a tributação, no Brasil, dos lucros que permanecessem acumulados (não-distribuídos) no exterior.
Entretanto, errou ao aplicar esse conceito apenas aos anos de 1996 e 1997, na premissa de que as alterações trazidas na legislação pela Lei 9.532/97 e pela MP 2.158-35/01 poderiam alterar as disposições contidas nos tratados. Por força do artigo 98 do CTN, as alterações na legislação interna não podem alterar as disposições contidas nos tratados internacionais tributários.
Assim, apesar do acerto na decisão do Conselho de Contribuintes para os lucros gerados na chamada primeira fase de tributação dos lucros gerados no exterior, entendemos que equivocou-se aquele órgão ao não aplicar o mesmo raciocínio para os anos subseqüentes.
Aliás, confirmando que o texto dos tratados efetivamente restringe a tributação anual (através da ficção de sua distribuição automática – a chamada terceira fase) dos lucros gerados no exterior, ressaltamos o recente Tratado celebrado entre o Brasil e o México7 que, para permitir a aplicação das regras de tributação dos lucros no exterior (também chamadas Controlled Foreign Corporation – CFC legislation), fez ressalva expressa no texto do Tratado. Para todos os tratados em que não há essa ressalva, em princípio, a legislação de tributação dos lucros no exterior estaria (ao menos em relação ao momento de sua tributação) restrita pelos tratados internacionais tributários de que o Brasil é signatário.
IV. - Conclusão
A legislação que adotou o princípio da universalidade da renda possui algumas ilegalidades e inconstitucionalidades. Muitas dessas ocorrências poderiam ser sanadas apenas com a correta interpretação dos dispositivos aplicáveis. Em alguns casos, mantendo sua tradição histórica, o Conselho de Contribuintes aplicou corretamente a legislação tributária e já corrigiu as inconsistências argüidas pelas autoridades fiscais.
Como apontado acima, esse mesmo órgão perdeu algumas boas oportunidades de corrigir os equívocos incorridos pelas autoridades fiscais. Para esses casos, fica a expectativa de que as conclusões equivocadas possam ser alteradas em novos julgamentos do Conselho de Contribuintes ou ainda da Câmara Superior de Recursos Fiscais. Caso contrário restará aos contribuintes apenas o Poder Judiciário como remédio para sanar os equívocos na aplicação das normas que regulam o princípio da universalidade da renda.
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1Foge ao escopo deste trabalho a análise das ilegalidades e inconstitucionalidades das normas que adotaram o princípio da universalidade da renda, restringindo-se apenas às questões meramente interpretativas.
2Primeiro Conselho de Contribuintes: Ac. 101-94.747, de 22.10.04; Ac. 101-95.304, de 8.12.2005; e Ac. 101-95.302, de 8.12.2005.
3Primeiro Conselho de Contribuintes: Ac. 103-22451, de 24.5.2006. Ressalte-se que essa decisão ainda não teve sua íntegra publicada, sendo que essas conclusões foram obtidas pela decisão oralmente dada no respectivo Processo Administrativo.
4Primeiro Conselho de Contribuintes: Ac. 101-94.747, de 22.10.04; Ac. 101-95.304, de 8.12.2005; e Ac. 101-95.302, de 8.12.2005.
5Primeiro Conselho de Contribuintes: Ac. 108-08.765, de 23.3.2006; e Ac. 101-94910, de 13.4.2005.
6A tributação somente poderia ocorrer no outro Estado Contratante, caso a empresa de um Estado Contratante possua um estabelecimento permanente no outro Estado Contratante, através do qual a empresa realize atividades comerciais, e na medida em que lucros possam ser atribuídos a esse estabelecimento permanente situado no outro Estado Contratante.
7Para maiores informações, vide o nosso trabalho de 25.4.2006 (anexo ao BI nº 1906), dispondo sobre o “Tratado entre o Brasil e o México para Evitar a Dupla Tributação do Imposto sobre a Renda”
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*Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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