Migalhas de Peso

Da Hipoteca Judiciária

É o artigo 466 da Lei Processual que prevê como efeito secundário específico da sentença civil condenatória a constituição de título para a Hipoteca Judiciária. Sempre que a sentença condenar o réu à entrega de certa coisa, ou ao pagamento determinada quantia em dinheiro, nascerá para o autor o direito de garantia real sobre os bens do vencido, para ver satisfeito seu crédito.

4/10/2006


Da Hipoteca Judiciária

 

Charles Edouard Khouri*

É o artigo 466 da Lei Processual que prevê como efeito secundário específico da sentença civil condenatória a constituição de título para a Hipoteca Judiciária. Sempre que a sentença condenar o réu à entrega de certa coisa, ou ao pagamento determinada quantia em dinheiro, nascerá para o autor o direito de garantia real sobre os bens do vencido, para ver satisfeito seu crédito. Diz o artigo, in verbis:

“Art. 466 – A sentença que condenar o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, valerá como título constitutivo de hipoteca judiciária, cuja inscrição será ordenada pelo juiz na forma prescrita na Lei de Registros Públicos.

 

Parágrafo único. A sentença condenatória produz a hipoteca judiciária:

 

I – embora a condenação seja genérica;

 

II – pendente arresto de bens do devedor;

 

III – ainda quando o credor possa promover a execução provisória da sentença.”

De acordo com o texto legal, para que a sentença valha como título constitutivo de Hipoteca Judiciária, deve condenar o réu ao pagamento de prestação em dinheiro ou coisa, ainda que a condenação seja genérica. Por tratar-se de hipoteca, sua eficácia perante terceiros depende do registro, que se dará na forma da Lei de Registros Públicos.

 

Os incisos II e III do artigo, por sua vez, ampliam as hipóteses de incidência da Hipoteca Judiciária, declarando-a cabível ainda quando pendente arresto de bens do devedor ou quando a execução provisória da sentença possa ser paralelamente iniciada.

 

Assim, as condições estipuladas pela Lei Processual para a constituição da Hipoteca Judiciária são apenas três: (a) sentença condenatória; (b) consistente em dinheiro ou coisa; (c) sendo o condenado o réu da demanda.

 

A Lei não exigiu o trânsito em julgado da sentença, da mesma forma que não impôs qualquer outra exigência ao credor para que tenha a sentença que lhe conferiu o crédito garantida por hipoteca sobre os bens do devedor. Bastando a ocorrência das três condições acima, nasce o direito de garantia real. É o que diz o artigo 466 do Código de Processo Civil.

 

Da Incidência Sobre o Conteúdo Condenatório de Qualquer Sentença

 

A sentença que condena o réu no pagamento de uma prestação, consistente em dinheiro ou em coisa, é uma sentença condenatória, assim considerada tanto na classificação ternária, quanto na classificação quinária das sentenças. E se é condenatória, é também definitiva, pois o mérito foi apreciado.

 

O texto do artigo 466 do CPC confere apenas à sentença condenatória a validade de título constitutivo de Hipoteca Judiciária. Mas não prevalece tal restrição.

 

Pontes de Miranda já dizia que o instituto se adequa não só às sentenças condenatórias, mas também a todas aquelas em que haja incidência relevante de eficácia condenatória, quando diz que “qualquer decisão judicial a que a lei atribua eficácia condenatória imediata ou mediata, ainda que não seja ação de condenação e só se refira às custas, é inscritível.”1

 

Em que pese a restrição legislativa, o entendimento sobre sentença condenatória que aqui se aplica é o mais amplo possível. Não se aplica no cotejo do dispositivo em debate o conceito puro de sentença condenatória, mas o entendimento quanto se tratar de sentença que imponha o dever de cumprir, de pagar, de adimplir, a que título for, e que possa, por isso, constituir o título judicial.

 

Verifica-se desta forma que, tendo havido condenação na sentença, seja a que título for, mesmo que somente em honorários advocatícios, subsiste o efeito anexo ou secundário desta sentença e a mesma pode valer como título constitutivo de Hipoteca Judiciária, independentemente de tratar-se de sentença condenatória, declaratória, ou outra. Basta que haja condenação em dinheiro ou coisa, para que esta obrigação possa ser garantida por hipoteca sobre os bens do devedor da obrigação.

 

Da titularidade

 

O texto legal refere-se exclusivamente ao réu na ação, e dá a entender que apenas o autor da demanda poderá ser o titular do direito real de garantia decorrente da sentença judicial. Contudo, se aplica à hipótese o entendimento ampliativo.

 

Essa amplitude conduz, necessariamente, à conclusão de que a expressão “condenar o réu” não se refere somente ao réu, mas a qualquer das partes que possa vir a ser condenada na sentença, ao pagamento da verba que for, e em conseqüência, venha a sofrer a execução desta sentença que impôs condenação.

 

Isto significa dizer que a Hipoteca Judiciária poderá recair sobre os bens do próprio autor da demanda, na hipótese, por exemplo, de ter o mesmo sido condenado ao pagamento das verbas sucumbenciais. Sendo esta uma obrigação de pagar, decorrente de condenação em sentença, pode ser garantida por Hipoteca Judiciária.

 

Assim, mesmo não estabelecido no texto legal, que restringe aos bens do réu a susceptibilidade à Hipoteca Judiciária, pode, na hipótese de um revés processual, recair a hipoteca sobre os bens do próprio autor, seja pela condenação em honorários advocatícios, seja por outra verba qualquer, perdas e danos, multas, et cetera.

 

Nesta esteira, ampliando ainda mais a aplicabilidade do instituto, a Hipoteca Judiciária não se restringe apenas às partes. Sendo um direito real garantidor das obrigações decorrentes de sentença, todo crédito surgido em virtude da decisão judicial poderá ser garantido desta forma.

 

É um direito conferido não ao autor, nem ao vencedor, mas sim ao credor, cujo crédito se origina dentro do processo. Destaque-se, dentro do processo, porque a Hipoteca Judiciária surge exclusivamente com a sentença, sendo um efeito particular a ela, que por sua vez só pode ser produzida em um processo judicial.

 

Exemplificando o aqui exposto, poderá o advogado da parte contrária requerer ao juiz a inscrição de Hipoteca Judiciária, quando a sentença condenar, autor ou réu, ao pagamento de honorários advocatícios. Mesmo não sendo parte, consoante os artigos 23 e 24, § 1° da Lei 8.906/94, os advogados têm o direito autônomo de executar a sentença na parte relativa aos seus honorários nos próprios autos. Por se tratar de crédito decorrente da sentença, e exeqüível nela, caberá também ao advogado a garantia real em comento, mesmo não sendo parte do processo, repise-se.

 

Do trânsito em julgado

 

O artigo 466 do Código de Processo Civil não clama a necessidade do trânsito em julgado da decisão condenatória para que possa servir de título constitutivo de Hipoteca Judiciária. Ora, a finalidade desta hipoteca é garantir ao credor o recebimento daquilo que lhe foi concedido por sentença. É da natureza do próprio instituto garantir a sentença, ainda que pendente de recurso.

 

Neste particular, é da lei que se infere a faculdade de inscrever o gravame antes do trânsito em julgado, dada a redação do parágrafo único e respectivo incisos do artigo 466 do CPC. Seu escopo é garantir que o patrimônio do devedor não será dissipado no curso do processo, pois prevalece o direito de seqüela do titular do crédito hipotecário.

 

Também os tribunais admitem a inscrição desta garantia independentemente do trânsito em julgado da decisão. É o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal de Territórios, em decisão transcrita, que resume o posicionamento adotado em inúmeras decisões:

“EMENTA. AGRAVO REGIMENTAL – HIPOTECA JUDICIÁRIA – SENTENÇA CONDENATÓRIA PENDENTE DE LIQUIDAÇÃO E RECURSO. Para a concessão de hipoteca judiciária basta a sentença condenatória, ainda que pendente de liquidação e recurso.” (TJDF. 2ª Turma Cível. Agravo Regimental na Apelação Cível. Proc. 45.624/97, j. 20.10.1997. v. unânime).

Da Reforma do Julgado seus Reflexos na Hipoteca Judiciária

 

O artigo 512 do Código de Processo Civil diz que “o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou a decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso”. Desde que o recurso tenha sido efetivamente conhecido, diz a Lei que a decisão do tribunal, seja ela qual for, passará a valer em substituição à sentença. Noutras palavras, a sentença deixa de existir, passando o acórdão a fazer suas vezes.

 

Assim, a inscrição de Hipoteca Judiciária também poderá ser requerida após decisão proferida pelas instâncias superiores. Por hipótese, se o autor não obtém o provimento desejado em primeira instância, e, em sede de apelação, tem seu recurso julgado procedente, poderá garantir o que lhe é devido através desta modalidade de hipoteca.

 

Igualmente, caso o autor tenha saído vencedor em primeira instância, e inscrito Hipoteca Judiciária sobre os bens do devedor, na hipótese de decisão ulterior que venha a modificar o julgado, poderá a constrição ser cancelada.

 

Contudo, tal posicionamento não é pacífico. Para Pontes de Miranda,

“a tradição do Direito brasileiro é que o cancelamento não poderia ser feito em virtude de sentença sujeita a recurso, qualquer que seja seu efeito, inclusive o extraordinário, interposto para o STF.”2

Em que pese o brilhantismo do jurista, seu posicionamento não deverá prevalecer, por respeito ao princípio da isonomia processual. Se a hipoteca pode ser inscrita apesar de pender recurso da sentença, evidentemente poderia ser cancelada se a sentença foi modificada, mesmo que ainda possa ser interposto outro recurso.

 

Se o que constitui a hipoteca é a sentença condenatória, e o tribunal substituiu aquela decisão por outra em sentido oposto, deixa de existir a condenação que ensejou a hipoteca, e por conseqüência, deve o gravame ser desconstituído. O acessório deve seguir a sorte do principal. Desaparecendo a condenação, desaparece a garantia.

 

Inclusive, pode ocorrer a inversão da posição processual das partes, ou seja, quem era credor passa a ser o devedor e vice-versa. Com a nova decisão, poderá o antigo devedor, agora credor, além de cancelar a hipoteca que recaía sobre seus bens, promover a garantia sobre os bens do então credor, agora devedor.

 

Ainda que tal situação venha a gerar eventual tumulto, não parece sensato, muito menos justo e processualmente isonômico, manter a restrição sobre os bens daquele que era devedor, mas o deixou de ser, até o trânsito em julgado da decisão final do processo, pois significaria ter soluções diferentes para a mesma situação. Se quando da sentença não se necessita do trânsito em julgado, por conseqüência, não se deve aguardar o trânsito em julgado do acórdão, devendo lhe ser dado o mesmo tratamento, já que substitui a sentença.

 

Por fim, seria muito menos correto manter a constrição sobre os bens de quem, após decisão do tribunal, deixou de ser devedor. Sendo a Hipoteca Judiciária uma garantia que recai sobre os bens do devedor, a manutenção do gravame sobre os bens daquele que não mais o é se mostra completamente sem sentido.

 

Sentença Ilíquida

 

A doutrina se divide quanto à necessidade de liquidar a sentença para que possa valer como título constitutivo de Hipoteca Judiciária. Para alguns, a liquidez é requisito fundamental, ao passo que, para outros, é indiferente o fato da sentença ser ou não líquida.

 

Este é posicionamento exarado pelo já citado jurista Cássio Scarpinella Bueno, que assim se manifesta sobre a questão, verbis:

“é indiferente que a sentença seja ilíquida para os fins do dispositivo <_st13a_personname productid="em comento. Desde" w:st="on">em comento. Desde que a sentença tenha definido o an debeatur (condenando o réu a um determinado pagamento em dinheiro, por exemplo), é possível ao credor promover, desde logo, o registro da hipoteca judiciária, embora ainda haja a necessidade de encontrar o valor devido, o quantum debeatur (liquidação de sentença: CPC, arts. 586, §1°, e 603). É o que expressamente autoriza o inciso I do art. 466. Nessa hipótese, o credor arbitrará o valor a ser garantido pela hipoteca, servindo  o valor da causa como parâmetro concreto.”3

Tal posicionamento se mostra sensato, na medida em que não se está, nesta fase, executando o devedor, mas meramente garantindo o credor da obrigação conferida por sentença. Ainda não havendo execução, não há que se falar em liquidez do título, mas mera estimativa da repercussão financeira de sentença. O que constitui a Hipoteca Judiciária é a sentença condenatória, não o quantum resultante desta sentença.

 

Da Constituição por Tutela Antecipada e Deferimento Condicionado a Caução

 

Há quem sustente que a Hipoteca Judiciária, por ser efeito da decisão condenatória, pode ser objeto de requerimento de antecipação de tutela, pois a futura decisão de procedência do pedido terá como efeito secundário a instituição dessa espécie de hipoteca. Nesta seara, se a decisão antecipa os efeitos da tutela pretendida, também anteciparia os efeitos secundários desta tutela.

 

Ora, não parece razoável tal assertiva. A Hipoteca Judiciária é um direito real de garantia, garantia do crédito efetivamente conferido por sentença. Em outras palavras, garante valores que por decisão judicial passaram a pertencer ao patrimônio do credor, mas ainda não foram a ele incorporados por qualquer motivo, como, e.g., recurso pendente.

 

De fato, sendo a Hipoteca Judiciária um dos efeitos da sentença, e tendo os efeitos desta sido antecipados, faria sentido que fosse cabível sua inscrição. Contudo, não se deve esquecer o escopo deste instituto, qual seja, o de garantir o cumprimento da obrigação. Independentemente de tratar-se de um efeito da sentença, antes, a Hipoteca Judiciária é uma garantia da própria sentença. Se ainda não há sentença, não há que se falar em garantia, ainda que seus efeitos tenham sido antecipados e já se encontrem em pleno vigor, pois estar-se-ia garantindo algo que efetivamente ainda não existe.

 

Em que pesem tais argumentos, há decisões no sentido de deferir a inscrição de Hipoteca Judiciária em sede de antecipação da tutela, inclusive com o condicionamento à caução. Vejamos:

“EMENTA. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL. UNIDADE IMOBILIÁRIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA JUDICIÁRIA. DEFERIMENTO CONDICIONADO À CAUÇÃO. Merece ser mantida a r. decisão agravada que condiciona, em sede de ação de rescisão contratual, o deferimento da tutela antecipada à prestação de caução, visando a constituição de hipoteca judiciária sobre imóvel adquirido pela agravante, porquanto assim o magistrado está, com cautela, preservando possível direito da parte demandada. Recurso improvido.” (TJDF, 3ª Turma Cível. Agravo de Instrumento n. 1999.00.2003430-3, j. 02.10.200, v. unânime).

Da mesma forma, não se mostra razoável a prestação de caução para o deferimento de Hipoteca Judiciária, pois esta é conseqüência imediata da sentença, que se constitui automaticamente e prescinde de contra-cautela. Mesmo porque, tal exigência se mostra uma inobservância do próprio instituto.

 

Na medida em que se trata de uma garantia ao credor, ao prestar caução, estaria este garantido a sua própria garantia. Tem-se ainda que o bem hipotecado não ficará na posse do credor, mas sim na posse do próprio devedor da obrigação, de forma que a prestação de caução se mostra absolutamente desnecessária e contrária às finalidades da Hipoteca Judiciária.

 

Da Inscrição

 

A inscrição de Hipoteca Judiciária deve ser requerida pela parte ao juiz prolator da sentença, que então ordenará, através do mandado competente, ao oficial de registro que proceda conforme estabelecido na Lei de Registros Públicos (lei federal n° 6.015/73), que cuida do registro da Hipoteca Judiciária em seu artigo 162, inciso I, n. 2.

 

Caberá ao credor a localizar e indicar ao magistrado tantos bens do devedor quantos bastem para garantir a obrigação, apresentando juntamente o valor da condenação, ou a sua estimativa, requerendo a expedição do mandado de inscrição. Uma vez inscrita, valerá contra terceiros, e não poderá ser desfeita senão por outra ordem judicial em sentido contrário.

 

Não se trata aqui de requerer ao juiz o deferimento da Hipoteca Judiciária, pois esta é conseqüência imediata da sentença, que se constitui automaticamente, independentemente de pedido ou de expressa declaração judicial. O que se requer ao magistrado é tão somente a ordem dirigida ao oficial do registro, para que este proceda à inscrição.

 

Direito de Seqüela e Direito de Preferência

 

Trata-se de questão polêmica no estudo da Hipoteca Judiciária. Como é cediço, toda hipoteca tem entre seus efeitos, o direito de seqüela e o direito de preferência. Parte da doutrina, no entanto, entende que a judiciária não.

 

Ainda na vigência do Código Civil de 1916 este tópico já apresentava calorosos debates, e com a edição a codificação de 2002, houve uma quase imperceptível alteração, mas que causou profunda mudança quanto aos efeitos da Hipoteca Judiciária.

 

O Código antigo, em seu artigo 824, não conferia à hipoteca decorrente de sentença o direito de preferência que toda hipoteca devidamente registrada produz. Por tal razão, a doutrina, quase unanimemente, assegurava existir a seqüela, mas não a preferência nessas hipotecas. Assim dizia o artigo 824 do Código Civil de <_st13a_metricconverter productid="1916, in" w:st="on">1916, in verbis:

“Art. 824 – CC 1916: Compete ao exeqüente o direito de prosseguir na execução da sentença contra os adquirentes dos bens do condenado; mas para ser oposto a terceiros, conforme valer, e sem importar preferência, depende de inscrição e especialização.” (Grifou-se)

Ocorre que o Código Civil vigente não mais trata da Hipoteca Judiciária, e o dispositivo acima transcrito foi suprimido, não possuindo correspondente na atual Lei Civil. Assim, em que pese o respeitoso posicionamento de brilhantes doutrinadores que ainda sustentam que a hipoteca decorrente de sentença não carrega o direito de preferência, deixou de existir no Direito Pátrio qualquer embasamento legal que justifique esta opinião.

 

Ainda na vigência do Código de 1916, estando, portanto, em vigor o dispositivo contido no artigo 824 acima transcrito, parte da doutrina já entendia que se aplicava à Hipoteca Judiciária também o direito de preferência. Porém hoje, se a Lei não mais exclui da Hipoteca Judiciária o direito de preferência, não cabe ao aplicador do direito fazê-lo. Desta forma, revogado o dispositivo mencionado, aplica-se à Hipoteca Judiciária o quanto se aplica às demais espécies de hipoteca, de forma que apresentará como efeitos, tanto o direito de seqüela, como o direito de preferência.

 

Conclusão

 

Após a análise deste trabalho, a conclusão a que se chega é a de que a Hipoteca Judiciária é um instituto de extrema relevância e importância para o operador do direito que domina a matéria. Mesmo com toda a importância que detém, este instrumento permanece subutilizado na prática contemporânea. Presume-se que seu desuso se deva ao total desconhecimento de suas potencialidades, capazes de evitar a dissipação dos bens do devedor no lapso temporal entre a sentença e a fase executória do processo. A morosidade do Judiciário Nacional não é fato novo, e não raramente o condenado judicialmente logra êxito em dissipar seus bens em detrimento de seu credor.

 

Para muitos, a Hipoteca Judiciária não evita este acontecimento, e se mostra um instrumento inútil, tendo em vista que o credor poderá se socorrer na declaração de fraude à execução. Em nenhum momento procurou-se traçar um quadro comparativo entre a Hipoteca Judiciária e a fraude à execução. O estudo ateve-se exclusivamente à primeira, no sentido de provar que não se trata de instrumento inútil, mas um instrumento distinto do da fraude à execução, que deve ser analisado como uma opção a mais ao credor.

 

Neste sentido, em que pese o fato de o credor ter ao seu dispor a proteção da fraude à execução, esta depende de decisão do juiz. É o juiz quem verifica se houve ou não a fraude, para então decretá-la. Ela deve ser requerida, e cabe ao requerente fazer prova desta. Diferentemente, a Hipoteca Judiciária não depende de decisão do juiz. Não cabe ao juiz a análise do “mérito” do pedido. Com a sentença, nasce para o credor o direito de hipotecar os bens do devedor para garantir a condenação. O que se requer ao magistrado é tão somente a ordem, dirigida ao oficial do registro, para que proceda a inscrição da hipoteca.

 

Dependendo da situação concreta, a Hipoteca Judiciária se mostra uma alternativa muito mais simples e segura do que a via pela qual se requer a decretação de fraude à execução, ou, igualmente, nos casos em que couber o arresto dos bens do devedor.

 

Não há como se falar em inutilidade deste instrumento, pois se trata de uma garantia real que surge com a sentença. É seu efeito, independe de nova provocação. Na prática, todavia, o que pode vir a ocorrer, é o indeferimento da Hipoteca Judiciária, pois o instrumento é de tão baixa aplicação, que chega a causar espanto em alguns magistrados. Temendo cometer alguma ilegalidade, há quem indefira sua inscrição, ou condicione à prestação de caução, como se viu no excerto jurisprudencial trazido à colação. Neste tocante, repisa-se a crítica já colocada, considerando incabível o condicionamento à caução para inscrição desta hipoteca.

 

Da mesma forma, criticou-se o posicionamento daqueles que defendem o trânsito em julgado da sentença para que possa ser inscrita a Hipoteca Judiciária. Concluiu-se que basta a sentença com conteúdo condenatório para que surja o direito de garantir a condenação através de hipoteca. Não se exige uma sentença condenatória pura, mas sim qualquer condenação em dinheiro ou coisa, advinda da sentença que for, para que esta condenação possa ser garantida.

 

Concluiu-se que a titularidade da Hipoteca Judiciária será conferida ao credor da condenação, independentemente deste credor ser autor ou réu, ou até mesmo parte do processo, pois como se viu inclusive o advogado pode requerer a inscrição de hipoteca para garantir o recebimento dos seus honorários.

 

Concluiu-se que a Hipoteca Judiciária pode ser deferida às diferentes partes do processo, e que pode sofrer revezes ao longo do processo, sendo que o credor da obrigação terá o direito de hipotecar os bens do devedor apenas enquanto esta situação permanecer. Havendo decisão posterior que altere este status, a Hipoteca Judiciária sofre seus efeitos, e deixa de recair sobre os bens do então devedor, agora credor, e passa a recair sobre os bens do então credor, agora devedor, se as partes assim o requerem.

 

Concluiu-se também que a Hipoteca Judiciária poderá ser inscrita mesmo se a sentença for ilíquida, descabendo sua liquidação para inscrever a hipoteca, podendo se utilizar como parâmetro o valor atribuído à causa ou outra estimativa da condenação. Igualmente, mostrou-se ser descabida a pretensão de acolher a inscrição de Hipoteca Judiciária sobre bens do devedor através de tutela antecipada.

 

Por fim, o trabalho aborda a mais importante questão atinente à Hipoteca Judiciária, a qual para muitos doutrinadores é, ou era, a razão principal pelo seu desuso: seus efeitos, em especial, o direito de preferência.

 

Toda hipoteca carrega em si o direito de seqüela e o direito de preferência, mas tal não era o entendimento acerca da judiciária. Este entendimento baseava-se no dispositivo inserido no artigo 824 do Código Civil de 1916, que dizia não importar preferência ao credor da Hipoteca Judiciária. Como se expôs, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, o dispositivo elencado deixou de fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro.

 

Não havendo norma a excluir da Hipoteca Judiciária o direito de preferência, por conseqüência, a partir de Janeiro de 2003 também esta modalidade de hipoteca passou a comportar este direito, ao lado do direito de seqüela, conferindo-lhe todas características de hipoteca. Diversos doutrinadores ainda não se atentaram para esta mudança, como se verifica em obras publicadas já com a atualização de seus compêndios ao codex que passou a vigorar em 2002.

 

Lamentável situação apenas aprofunda o desconhecimento geral dos operadores do direito, sejam advogados ou magistrados, professores ou estudantes, e justamente este desconhecimento pode ser apontado como uma das causas para a baixa aplicação do instrumento estudado nesta dissertação. Não se cuidou aqui de apurar tais causas. Até a entrada em vigor da nova Lei Civil, certamente duas causas poderiam ser apontadas como principais pela pouca aplicação da Hipoteca Judiciária: a ausência do direito de preferência e desconhecimento da matéria pelos operadores do direito. Hoje, só há que se falar em uma delas.

 

Assim, espera-se ter sido dado um pequeno passo no sentido de divulgar a Hipoteca Judiciária.

___________

 

Bibliografia

 

CENEVIVA, Walter. Lei de Registros Públicos Comentada. 14ª Edição. Saraiva, São Paulo, 2001.

 

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. III. 4ª Edição. Malheiros, São Paulo, 2004.

 

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 4. 18ª Edição, São Paulo, Saraiva, 2002.

 

HOFF, Luiz Alberto. A Hipoteca Judiciária e sua Importância como Instrumento de Garantia. RT-674/81-87. São Paulo, 2001.

 

MARCATO, Antonio Carlos et al. Código de Processo Civil Interpretado. 1ª Edição. São Paulo, Atlas, 2004.

 

MARQUES, Azevedo. A hypoteca: doutrina, processo e legislação. 3ª Edição. RT, São Paulo, 1933.

 

MIRANDA, Pontes de. Comentários Código de Processo Civil. Tomo 5. Rio de Janeiro, Forense, 1974.

 

______ Tratado de Direito Privado. Tomo 2. Rio de Janeiro, Borsoi, 1954.

 

______ Tratado das Ações. São Paulo, 2ª Edição, v. I. RT, 1972.

 

MONTEIRO, Washington de Barros. 37ª Edição, revista e atualizada por MALUF, Carlos Alberto Dabus. São Paulo, Saraiva, 2003.

 

NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Anotado. 2ª Edição. São Paulo, RT, 2004.

 

RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 4ª edição, anotada e atualizada por SANDOVAL, Ovídio Rocha Barros. São Paulo, RT, 1997.

 

SILVA, Ovídio A. Baptista da. Sentença e Coisa Julgada. Porto Alegre, 2ª Edição. Sérgio A. Fabris, 1988. 

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. I, 38ª edição, Rio de Janeiro, Forense, 2002.

 

VECHIATO JÚNIOR, Walter. Comentários ao Código de Processo Civil. Processo de Conhecimento (arts. 1° ao 565). 1ª Edição. Juarez de Oliveira, São Paulo, 2001.

 

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. vol. V. 2ª Edição. São Paulo, Atlas, 2002.

__________________

 

1MIRANDA, Pontes de. Comentários Código de Processo Civil. t.5. Rio de Janeiro, Forense, 1974. p. 114.

 

2MIRANDA, Pontes de. Comentários Código de Processo Civil. t.5. Rio de Janeiro, Forense, 1974. p. 117.

 

3BUENO, Cássio Scarpinella . Código de Processo Civil Interpretado. 1ª Edição. São Paulo, 2004, Editora Atlas. p. 1434.

__________________


*Advogado do escritório Advocacia Dauro Dórea (ADD)


 

 

 

 

 

 

____________

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

Estabilidade dos servidores públicos: O que é e vai ou não acabar?

19/11/2024

O SCR - Sistema de Informações de Crédito e a negativação: Diferenciações fundamentais e repercussões no âmbito judicial

20/11/2024

Quais cuidados devo observar ao comprar um negócio?

19/11/2024