Nada mais frustrante do que sair vitorioso em processo judicial e não conseguir materializar seu intento quando o escopo da demanda era essencialmente financeiro.
O mais afoito logo indaga por qual razão aquele que venceu o processo não conseguirá materializar no mundo prático a sentença que condenou o perdedor a pagar determinada quantia e a resposta é simples: ou o perdedor de fato não possui dinheiro para satisfazer o débito reconhecido em sentença ou se tem ocultou com fito inescrupuloso de eximir-se das obrigações.
Daí ser frustrante encarar processo judicial moroso como é a regra para ao final ter às expectativas dizimadas pela ausência financeira do derrotado, seja ela verdadeira ou dissimulada.
A lentidão do processo ajuda a contribuir para que o demandado dissipe seus bens quando ciente da demanda, quanto mais sabedor que sua perspectiva de vitória é praticamente nula meritoriamente falando.
A Constituição Federal assegura a todos a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º LXXVIII).
No mundo prático esse dispositivo constitucional não se materializou devendo os patronos conduzir o processo estrategicamente no sentido de tentar fazê-lo findar o mais rápido possível e um desses pressupostos é possuir um conjunto probatório já consolidado nos autos.
Na esmagadora maioria das vezes nem sempre é possível iniciar o processo com conjunto probatório consolidado, já que este somente será fabricado com o caminhar moroso do processo.
Ora, a prova é sem sombra de dúvidas o meio que garante a celeridade do processo ou ainda a vitória propriamente dita.
É dizer, se pudesse a parte ajuizar a demanda com a prova já produzida oficialmente certamente a parte adversa não teria muito que contradizer e assim o processo marcharia velozmente - com o advento do Código de Processo Civil 2015 isso já é possível em alguns casos. (art. 381 CPC).
Conforme já mencionado pouco adianta o Estado-Juiz dar a sentença favorável (condenatória) e no mundo prático ela não se materializar pela razão que o devedor se aparelha ardilosamente para esconder seus bens.
Entendo que a celeridade processual é um importante protagonista para colocar fim ao processo judicial, ou seja, dizendo o Estado-Juiz a quem o direito assiste, todavia, não é a celeridade processual um meio hábil à pacificação social, objetivo intrínseco de todo processo judicial. A pacificação social de uma lide é assegurada pelos meios que garantem a celeridade e não propriamente pela celeridade processual única e tão somente, eis que, o processo pode findar-se sem materializar seu intuito em termos práticos, quando seu objetivo é financeiro, repisa-se.
Ora, então quais são os meios que garantem a celeridade? Entendo que são as medidas excepcionais que visam viabilizar o intento do reivindicante à satisfação de seu crédito, tais como, cautelar de arresto, desconsideração da personalidade jurídica, quebra de sigilo bancário etc.
Não que tais medidas fazem mágicas, entretanto, quando deferidas amansam o âmago tanto da parte quanto do causídico que a representa, pois, sabedores que naquele processo todas as medidas possíveis à satisfação do crédito foram efetivadas.
Entendo também que é dispensável prova consolidada para efetivação dos meios citados, bastando mero indício de que o devedor age para eximir de sua obrigação, devendo a decisão que defira os meios mencionados possuir boa fundamentação (art. 93, IX da CF), já que a prestação jurisdicional envolve interesse social, devendo também, o magistrado zelar pela rápida solução do litígio repelindo qualquer ato contrário à dignidade da justiça e para isso se deve fazer uso dos meios que viabilizam a celeridade (art. 139, III do CPC).
Então perceba que a princípio a preocupação do processo judicial na constituição de prova para levar à celeridade processual é um ponto fundamental para alavancar o desenvolvimento processual, contudo, a celeridade em si não é o cerne que impede a parte contrária de mascarar seu patrimônio, daí utilizar os meios que levam a celeridade.
Ao contrário do que ocorre, deve o Poder Judiciário colaborar com o deferimento de medidas excepcionais, pois, não basta o Estado-Juiz dizer a quem o direito socorre, devendo também se preocupar com a materialização desse direito, já que a existência do Estado-Juiz é justamente para evitar a ocorrência da autotutela daqueles que estão inseridos no meio civilizatório.
Ora, se o Estado-Juiz não permite o esgotamento de todos os meios de satisfação de crédito do demandante este pode desacreditar da funcionalidade do Estado-Juiz e aplicar a “justiça” que entenda pertinente, o que certamente não é a melhor solução, mas, factível.
Assim, encerrados os meios ordinários à satisfação do crédito sem êxito, o princípio da proporcionalidade que nada mais é que a adequação entre meios e fins conjugado à garantia constitucional de acesso à justiça (art. 5º XXXV da CF) permite o levantamento do sigilo do devedor a fim de fazer deste meio a esperança de satisfação do crédito; negar o pedido de quebra de sigilo bancário a meu ver é negar vigência ao texto constitucional que prevê “a lei e não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
As demandas consubstanciadas v.g. em título executivo extrajudicial deixa à superfície o contraditório e a ampla defesa levando-se a uma boa celeridade a ponto de o devedor ser comunicado para pagar a dívida em até 3 (três) dias tratando-se de execução de pagar quantia certa. Recebido a citação para pagamento nada obsta que o devedor em apenas num clique computacional transfira seus ativos financeiros existentes em sua conta bancária para outra, impedindo o bloqueio judicial exitoso quando requerido, ficando insolvente propositalmente, daí a compreensão empírica de que a celeridade única e tão somente não leva à pacificação social.
Ocorrido essa situação fica o reivindicante na luta diária de tentar localizar bens do devedor na tentativa de que seu crédito seja adimplido.
Muitas vezes o devedor contumaz possui um padrão de vida contraditoriamente ao demonstrado nos autos - nos autos está declarado seu estado de penúria, pois, pesquisas realizadas com o fito de localizar seus bens (Bacenjud, Renajud, Infojud, Arisp etc.) demonstram que o devedor nada possui, entretanto, o reivindicante sabe que o devedor possui o carro do ano, faz passeios internacionais, um verdadeiro “bon vivant”, em um verdadeiro estado de luxúria.
No mesmo substrato discorrido acima, qual causídico nunca se deparou com empresas que por algum subterfúgio possuem zeradas contas bancárias, mas, mantém sua rotina e seu faturamento fático em atitude contraditória, inclusive deixando na ostensividade a contratação de funcionários?!
Daí questiona-se, um processo que tramitou por anos e teve a chancela final do Estado-Juiz que determinou a quem o direito socorre deve ir ao arquivo se esgotadas todas tentativas ordinárias de satisfação do crédito em face do devedor?
A resposta aparentemente é no sentido de que o causídico nunca deverá deixar o processo ir para o arquivo devendo ter a criatividade de criar meios para que se possa chegar à satisfação do crédito.
Mas a verdade é que sempre há aquela determinação judicial que coage o causídico a promover os meios de satisfação do crédito sob pena de arquivamento dos autos – podendo nascer daí a prescrição intercorrente, conquanto, todos os meios ordinários já foram realizados.
Assim, havendo indícios de que nos autos está declarado o estado de penúria do devedor, entretanto, na prática este vive em estado de luxúria não possuindo bens em seu nome, deve o causídico requerer a quebra do sigilo bancário do devedor com anuência do Poder Judiciário, pois, a contradição aparentemente demonstrada pode denotar um possível atentado a própria função jurisdicional do Estado-Juiz.
Na maioria das vezes o Poder Judiciário indefere tal pedido sob o argumento de violação ao art. 5º, X, XII da Constituição Federal esquecendo que de fato o que está sendo violado é o meio que garante a celeridade processual e a composição satisfativa do litigio em si (art. 4º CPC). Também já observei recusa a tal pedido sob o argumento que não há amparo legal, o que é um verdadeiro equívoco ou desprezo com a parte reivindicante que procura o Judiciário para ter auxílio à satisfação de seu crédito e recebe como resposta o descaso.
O indeferimento da quebra de sigilo bancário quando demonstrados indícios de que o devedor dribla a função jurisdicional dá suporte à perpetuação da fraude, a má-fé processual, bem como, fere a própria dignidade da justiça.
O simplificado argumento de que a quebra de sigilo bancário violaria a intimidade do devedor por via transversa faz nascer o descrédito na Justiça, assim, certamente numa ponderação de valores este argumento não pode subsistir e não quer me parecer razoável que a proteção à intimidade seja suficiente para sobrepujar-se os demais direitos, pela razão que, se por um lado o devedor possui direitos que no caso seria a proteção da intimidade, por outro lado é bem verdade que o credor também possui o direito de ver satisfeito o seu crédito.
Por óbvio à concessão de ordem de levantamento do sigilo deve ser limitada ao tempo em que se promoveu a execução/cumprimento de sentença, daí o entendimento de que o levantamento do sigilo é pertinente.
É sabido por todos da área que a pesquisa Bacenjud precisa ser sempre renovada o que possibilita o devedor monitorar o processo que contra si é movido e verificar se nos autos há pedido de pesquisa Bacenjud podendo eventualmente retirar numerários que esteja em sua conta ou ainda impedir que eventuais e futuros numerários ingressem na mesma até que seja efetivada a consulta Bacenjud.
Em que pese a pesquisa Bacenjud ter que ser renovada, é verdade que o art. 13 § 4º da Resolução Bacenjud prevê que é obrigatoriedade da Instituição financeira (...) manter a pesquisa de ativos do devedor durante todo o dia, até o horário limite para a emissão de uma Transferência Eletrônica Disponível (TED) do dia útil seguinte à ordem judicial ou até a satisfação integral do bloqueio, o que ocorrer primeiro (...).
Nota-se que o monitoramento diário a ser realizado pela instituição financeira parece ser humanamente impossível, pois, quantas determinações judiciais não deve haver por dia?
Mas a meu ver, nada obsta a criação de um mecanismo baseado em inteligência artificial para que cumpra essa finalidade prestigiando a determinação judicial, já que previsto na própria resolução do Bacenjud essa incumbência da instituição financeira, aliás, a criação desse sistema artificial tornaria materializável o art. 378 do CPC já que desnecessário seria a solicitação sazonal da pesquisa Bacenjud.
Então perceba que o levantamento do sigilo bancário do devedor pode revelar de imediato a fraude à execução perpetrada pelo demandado já que este pode estar transferindo numerários de sua conta bancária para outra conta bancária para impedir à satisfação do crédito do credor, daí, em pleno século XXI o sigilo bancário se torna escudo protetivo para o cometimento de ilicitudes com anuência daquele que é incumbido de evitar a autotutela. Ao agir fraudulosamente realizando transferências de ativos financeiros de sua conta bancária para outra numa observação apressada pode se imaginar a configuração do instituto da doação, que nada mais é que o ato de transferir do seu patrimônio com liberalidade ou não, bens ou vantagens para o de outra (art. 538 CC).
Nota-se que nesse caso a transferência de ativos financeiros feito a terceiros além de ineficaz (art. 792, IV do CPC) faz com que o terceiro seja mero possuidor dos numerários objeto da transferência, abrindo caminho para aplicação do art. 790, III do nosso Diploma Processual Civil.
Lembrando que diferentemente da fraude contra credores em que se exige a comprovação do elemento subjetivo do devedor, qual seja, a vontade de enganar, o intuito ardiloso de lesar outrem com confecção do negócio jurídico, na fraude à execução não se exige a comprovação do elemento subjetivo, é dizer, todo negócio jurídico firmado pelo executado em que se sabe que o faz para se tornar insolvente ou não, é ineficaz, ou seja, o critério é objetivo.
A LC 105 de janeiro de 2001 que também dispõe sobre o sigilo bancário, e seu art. 1º§ 4º prevê “A quebra de sigilo poderá ser decretada, quando necessária para apuração de ocorrência de qualquer ilícito, em qualquer fase do inquérito ou do processo judicial (...)”.
Assim, me parece crível e razoável que uma execução frustrada por si só já caracteriza ato ilícito, quanto mais qualificada com informações que demonstram que o devedor na realidade desfruta de uma vida pomposa ao contrário do que se demonstrou no processo, daí ser perfeitamente possível o levantamento do sigilo bancário conforme já discorrido, até porque, a inadimplência a meu ver é um ato ilícito (art. 186 CC) e uma possível resistência injustificada ao processo no sentido de mascarar o patrimônio que seria destinado a satisfação do crédito pode configurar fraude à execução nos termos do art. 179 do CP, daí o respaldo legal para o levantamento do sigilo.
É certo que uma mente arguta pode contestar aduzindo que a vida pomposa do devedor não necessariamente pode ser mantida por ele razão pela qual somente sua ostentação extra autos não serviria de indício à concessão da ordem de quebra de sigilo. Entretanto não esqueçamos que há julgados no sentido de que se o devedor é casado no regime da comunhão parcial de bens, e infrutífera à execução em face deste, permite-se a pesquisa de ativos financeiros em face de seu cônjuge por força dos Artigos 1658 e 1.660 CC.
Não podemos esquecer também que o art. 773 do nosso Diploma Processual Civil também viabiliza ao Estado-Juiz mecanismos de efetividade processual ao prever que “O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias ao cumprimento da ordem de entrega de documentos e dados. ”
Ora, se o próprio juiz de ofício pode requerer a entrega de dados e documentos por qual razão não atender os suplícios do reivindicante que traz indícios de que o devedor age fraudulosamente? E mais, referido dispositivo legal por si só rechaça o argumento de que o levantamento do sigilo bancário do devedor carece de amparo legal. Inclusive, a própria Resolução do Bacenjud prevê a possibilidade do magistrado de requisitar extratos bancários do devedor, devendo tal requisição ser atendida em 30 dias pela instituição financeira com os envios dos extratos limitados aos últimos 10 anos, se nessa amplitude forem requisitados (art. 17, § 3º e § 4º da Resolução Bacenjud).
Com a posse dos extratos bancários do devedor é possível verificar se existe um padrão de movimentação financeira, a exemplo, transferência de numerários contemporâneos ao início da execução judicial de uma conta bancária para outra e, caso positivo, restou nitidamente comprovada a fraude à execução. É certo que os valores transferidos eletronicamente/digitalmente, apesar de não tangíveis, não deixam de ser dinheiro.
A partir daí, nada impede ao meu sentir a aplicação do art. 790, III do Código de Processo Civil que prevê que são sujeitos à execução os bens do devedor, ainda que em poder de terceiros.
Logo, comprovado a transferência de ativos financeiros a uma determinada conta bancária e verificado um padrão de transferência com a finalidade de simular a insolvência ou não - desnecessário a comprovação do elemento subjetivo - é perfeitamente possível o deferimento de ordem judicial para o bloqueio de ativos financeiros transferidos à conta que participou do “consilium fraudis” justamente para resguardar a satisfação do crédito do demandante, já que, nessa hipótese restou configurado a fraude à execução.
E não esquecendo, no que toca a quebra do sigilo bancário como meio de verificar se há fraudes perpetradas pelo devedor é necessário que seja decretado o segredo de justiça nos autos resguardando assim a intimidade das partes.
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*Carlos Henrique de Souza Pimenta é advogado no escritório Fábio Berti Advogados.