A relevância das decisões administrativas nos Crimes Ambientais
Daniela Villani Bonaccorsi*
Apesar de inserir em seu art. 3º a possibilidade de imposição de sanções administrativas e penais, não há delimitação sistêmica de infrações penais e administrativas. Muitas vezes sendo impostas as duas medidas numa mesma conduta.
Vale exemplificar que, na hipótese de autuação da empresa pela inobservância de autorização do órgão competente para exploração de atividade potencialmente poluidora, independentemente de dano, procede-se a instauração de procedimento administrativo e, na grande maioria das vezes, possibilitando a efetivação de Termo de Ajustamento de Conduta entre as partes.
Ocorre que, independentemente do grau de lesividade do resultado e, não obstante o acordo administrativo, em tais hipóteses, adota-se de forma prejudicial e pragmática o art. 3º da citada Lei1 sendo oferecida, também, denúncia pela suposta prática de crime ambiental.
Por óbvio, a pessoa jurídica que descumpre requisitos da legislação ambiental, e que trabalha com atividade potencialmente poluidora, deve obter um tratamento de coercibilidade da norma, pela prática de atos que constituem ofensa ao meio ambiente. Muitas vezes as normas administrativas podem ser insuficientes no combate a graves lesões contra o meio ambiente, justificando a tutela penal2, e não imputando-se, em todos os casos, sanções administrativas e penais, cumulativamente.
Adotando-se uma interpretação da lei adequada aos princípios garantidores do direito penal, como a fragmentariedade3, “a proteção penal justifica-se quando se tratar de um bem jurídico fundamental, se a utilização de todos os meios jurídicos não for suficiente para alcançar a defesa do bem (...)”4.
Vale explicar que, a tentativa de restringir a imputação de crime ambiental às hipóteses efetivamente danosas, não se busca amparo, aceitação ou defesa de práticas ofensivas ao meio ambiente, que certamente merecem aplicação de sanções penais em certos casos, mas, o que se propõe, é a delimitação de infrações, que são meramente administrativas, que possuem Termo de Ajustamento de Conduta firmado e, muitas vezes até a imposição de sanção administrativa e, ainda assim, o Ministério Público opta pela interposição de Ação Penal, simultaneamente5.
Trazendo tal crítica para uma visão prática, dentre as descrições de condutas lesivas ao meio ambiente, o art. 60 da Lei, descreve que constitui crime punido com pena de detenção “construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes”.
Nas hipóteses concretas, ainda que se firme Termo de Ajustamento de Conduta ou que se obtenha a regular autorização, durante o procedimento administrativo, paralelamente é instaurado procedimento criminal, conforme citado, oferecendo denúncia, designando audiência preliminar, e trazendo irreparáveis prejuízos para o suposto autor do fato.
Ora, “a lei contempla meios capazes de mitigar o resultado mais gravoso à empresa ao prever a celebração de termos de ajustamento de conduta com os órgãos competentes”6. Se não houve dano ao meio ambiente, se houve a efetivação de acordo junto ao Ministério Público, e, se o acusado cumpriu o mesmo, há flagrante ausência de justa causa para o oferecimento de Ação penal. Se existiu medida legal, previamente tomada, com vistas a evitar danos ambientais, consubstanciada no termo de ajustamento de conduta celebrado entre autor do ato danoso e Ministério Público ou órgão ambiental competente, qual o interesse de agir para o oferecimento de denúncia, se o Ministério Público, uno e indivisível7, já propôs e se deu por satisfeito no âmbito administrativo?
A afirmação de que são ramos diversos do direito não prospera neste caso, pois, “até para se preencher um princípio fundamental do sistema jurídico, o da unidade do Direito, é salutar que o tipo penal fique atrelado à decisão administrativa.”8 Utilizando os ensinamentos do ilustre professor e advogado Miguel Reale Jr, “a ilicitude penal ambiental não subsiste sem a ilicitude administrativo-ambiental” (..) justamente por isso, a penalidade administrativa “não pode ser um instrumento jurídico desconecto da área penal (...) não figurando mais admissível a independência entre a área ambiental e a penal, ainda mais quando firmado acordo no âmbito administrativo”.
Conseqüentemente, seguindo tal raciocínio, o acordo para a reparação do dano e sua efetiva reparação são medidas despenalizadoras, configurando um procedimento célere na solução de conflitos e evitando, assim, a imputação de prática criminosa.
Abandonando lições de política criminal e questões com justificativa meramente teórica, a própria Lei ampara tal entendimento, pois, a medida-provisória nº 2163-41 de 23 de agosto de 2001, em seu art. 1º, acrescentou à Lei 9.605/98 o seguinte art.:
“Art. 79-A - Para o cumprimento do disposto nesta Lei, os órgãos ambientais integrantes do SISNAMA, responsáveis pela execução de programas e projetos e pelo controle e fiscalização dos estabelecimentos e das atividades suscetíveis de degradarem a qualidade ambiental, ficam autorizados a celebrar, com força de título executivo extrajudicial, termo de compromisso com pessoas físicas ou jurídicas responsáveis pela construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores (...)“.
Tal interpretação, além de amparada em Lei, compatibiliza as decisões administrativas de caráter ambiental com os princípios de direito penal mínimo, prevendo a intervenção do direito penal tão-somente naqueles atos significativamente relevantes, ilustrando uma das principais características do Estado Democrático de Direito.
“Enquanto não houver enunciado expresso em lei, será legítimo advogar a suspensão das normas penais ambientais fundada em uma concepção sistêmica, sugerindo que as empresas, antes de assinarem qualquer termo de ajustamento de conduta, observem que não é possível a punição penal ambiental enquanto suspensa a eficácia da sanção administrativa atentatória ao meio ambiente."10
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1“Art. 3º - As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, os casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.
2PRADO, Alessandra Rapassi Mascarenhas. Proteção Penal do Meio Ambiente – São Paulo: Atlas, 2000. p. 168
3BARATTA, Alessandro.. Princípios del Derecho Penal Mínimo (para una teoría de los derechos humanos como objeto y limite de la ley penal). Doctrina Penal. Buenos
Aires: Depalma, 1987.
4Idem.
5SIRVINSKAS, Luís Paulo. Tutela Penal do Meio Ambiente – 2 ed. - São Paulo: Saraiva, 2002. p. 27
6JUNIOR, Miguel Reale et.al. As vicissitudes da legislação dos crimes ambientais no Brasil. Comentário Jurídico – Revista Brasil-Alemanha / Maio 2003.
7MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 6ª ed., Atlas, pág. 457.
8COSTA, Helena Regina Lobo. O direito penal ambiental e as normas administrativas – artigo escrito para o Boletim IBCCRIM – Ano 13 – nº 155 – Outubro 2005).
9MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 3ª edição, RT, pág.826.
10JUNIOR, Miguel Reale et.al. As vicissitudes da legislação dos crimes ambientais no Brasil. Comentário Jurídico – Revista Brasil-Alemanha / Maio 2003.
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* Advogada do escritório Homero Costa Advogados