Migalhas de Peso

Breve história do FGTS

De tempos em tempos volta à tona o FGTS. Já se pensou em suprimi-lo, em reduzir a indenização de 40%, e na flexibilização do saque. Permanece, porém, insolúvel o problema da proteção eficaz da relação de emprego contra despedida arbitrária ou injusta, como propõe o I do art. 7º da Constituição.

31/7/2019

Para este país vítima de uma espécie de mal de Alzheimer coletivo, onde fatos ocorridos há poucos anos já se perderam na memória, julgo necessário escrever breve história do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Segundo Luís Viana Filho, ministro chefe do Gabinete Civil do presidente Castelo Branco, a ideia surgiu no início de 1966 no Ministério do Planejamento, chefiado por Roberto Campos “impressionado com as dificuldades criadas à produtividade pela estabilidade, que também provocava constantes desarmonias nas relações empresariais”. O governo desejava livrar-se da Fábrica Nacional de Motores, mas não encontrava interessados em adquiri-la, diante da quantidade de empregados estáveis. (O Governo Castelo Branco, José Olympio Editora, RJ, 1975, pág. 489). Por outro lado, havia necessidade de recursos para o Banco Nacional da Habitação (BNH), fundado pela lei 4380/64 com o objetivo de financiar a construção de habitações populares (extinto e incorporado à Caixa Econômica Federal em 1986), ao qual seria atribuída a gestão do Fundo “constituído pelo conjunto das contas vinculadas” (art. 11).

A proposta do ministro Roberto Campos encontrava fortes obstáculos jurídicos. Determinava o artigo 141, § 3º, da Constituição de 1946, que ”a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. O artigo 157, XII, por sua vez, incluía, entre os direitos dos trabalhadores, a “estabilidade, na empresa ou na exploração rural, e indenização ao trabalhador despedido, nos casos e nas condições que a lei estatuir”. A matéria era disciplinada pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), cujo art. 492 dizia: “O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas”.

A válvula de escape consistiu na opção prevista no art. 1º do projeto do qual resultou a lei 5.107, de 13/9/66, onde se dizia que “Para garantia do tempo de serviço, ficam mantidos os Capítulos V e VII da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), assegurado, porém, aos empregados, o direito de optarem pelo regime previsto na presente Lei”.

A contribuição patronal, estipulada em 8% ao mês, da remuneração paga no mês anterior, teria por objetivo assegurar ao optante a paridade entre os depósitos do FGTS e a indenização prevista na CLT. Aos demitidos sem justa causa o art. 6º garantia “importância igual a 10% (dez por cento) dos valores do depósito, da correção monetária e dos juros capitalizados na sua conta vinculada, correspondente ao período em que o empregado trabalhou na empresa”. Quanto aos estáveis, o art. 17 os autorizou a rescindir o contrato de trabalho a qualquer tempo, “por livre acordo entre as partes”, mediante pagamento de importância não inferior a 60% “do que resultar da multiplicação dos anos de serviço contados em dobro, pelo maior salário mensal percebido pelo empregado na empresa”. A possibilidade de receberem razoável indenização, aliada a pressões dos chefes e encarregados, em pouco tempo reduziu a quase nada a existência de garantidos pela estabilidade.

Logo os trabalhadores se deram conta do engodo; a opção mostrou-se obrigatória aos não estáveis, e a indenização recebida pelo FGTS era inferior àquilo que lhes seria pago segundo as regras da CLT. Sobre o assunto escrevi o artigo Indenização ou Fundo de Garantia Equivalente, publicado em março de 1978 pela Revista LTr. Vitoriosas as primeiras ações trabalhistas, ajuizadas com o objetivo de garantir a satisfação das diferenças, apressaram-se os empregadores a mobilizar esforços em sentido contrário. Logo depois, em junho de 1980 o Tribunal Superior do Trabalho aprovou a súmula 98, cujo texto diz: “A equivalência entre os regimes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e da estabilidade da Consolidação das Leis do Trabalho é meramente jurídica e não econômica, sendo indevidos quaisquer valores a título de reposição de diferenças”. Equivalência jurídica não se traduzia em dinheiro vivo. Logo, aos optantes restou arcarem com os prejuízos.

O problema só viria a ser solucionado pelo art. 10, I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que elevou o valor da indenização de 10% para “quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e § 1º, da lei 5.107, de 13 de setembro de 1966”, hoje § 1º do art. 18, da lei 8.036/90. Essa, portanto, a origem da multa de 40%.

De tempos em tempos volta à tona o FGTS. Já se pensou em suprimi-lo, em reduzir a indenização de 40%, e na flexibilização do saque. Permanece, porém, insolúvel o problema da proteção eficaz da relação de emprego contra despedida arbitrária ou injusta, como propõe o I do art. 7º da Constituição. A melhor das defesas contra o desemprego consiste na economia forte e em constante crescimento, capaz de dar sustentação a vigoroso mercado de trabalho. Quando desejou extinguir a indenização e a estabilidade o governo o fez mediante a opção obrigatória pelo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. Hoje, com a crise que se arrasta há vários anos, sob o regime do FGTS temos 13 milhões de desempregados.

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*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do TST.

 

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