Lei e Justiça Eleitoral
Adriano Pinto*
Ao proferir seu voto-vista, o ministro Gerardo Grossi colocou na LC 64/90 (clique aqui) força superior aos princípios e valores constitucionais: "Tenho de me ater à lei complementar". Pior, deu à essa lei, uma expressão de engessamento do controle judicial da qualificação moral e social que deve ser exigido para o registro de candidaturas à representação popular, que nem mesmo sua interpretação literal autoriza. De fato, como argüiu o Ministro Asfor Rocha, o art. 23 da LC 64/90 é solarmente explícito quanto ao procedimento de apreciação jurisdicional dos pedidos de registro de candidatos, enunciando que o Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.
Quem responde a nove processos judiciais, sendo oito penais e uma por improbidade administrativa, acusado de falsificação de documentos públicos, crimes contra o sistema financeiro e tributário, ausência de contribuições previdenciárias, injúria. difamação, furto e lesão corporal, revela total e absoluta ausência de confiabilidade social que deve existir para a representação popular.
A dificuldade colocada pelo Ministro Gerardo Grossi quanto à fixação do prazo de inelegibilidade é artificial e nega ao TSE sua principal característica institucional de produzir soluções para o processo eleitoral <_st13a_personname productid="em curso. Bastava" w:st="on">em curso. Bastava considerar que se cuidava, especificamente, de exercer o controle judicial sobre o registro de candidatura e, portanto, este seria negado para o processo eleitoral em curso, remanescendo para o futuro, as conseqüências resultantes dos julgamentos das ações criminais ainda sem decisão definitiva.
Colocar em pauta comparativa, a aplicação da LC 5/70 (clique aqui), sem existir ainda, os valores proclamados pela CF/88, assim como estabelecer paralelo entre a situação de um notório destinatário de iras políticas dos governantes autoritários, como foi Juscelino Kubitschek e, um declarado virtuoso de aproveitamentos pessoal das funções públicas, é, no mínimo, esforço interpretativo equivocado.
A luminosidade dos votos proferidos pelos Ministros Carlos Ayres Britto e César Asfor Rocha, reflete sobre quaisquer pontos sombrios construídos pela cegueira dogmática, reavivando expectativas de que a Justiça Eleitoral autue para a cidadania e não para as meras pretensões políticas dos candidatos aos mandatos populares.
Lamentável, porem, que, logo em seguida, as expressões de desempenho institucional da Justiça Eleitoral sejam frustradas pelo assentimento obsequioso à maioria ocasional do TSE, no julgamento dos Recursos Especiais Eleitorais - Respe 26395 e Respe 26437 -, na sessão plenária de quinta-feira (21/9/2006), quando foi confirmado o entendimento firmado no caso do registro de candidatura de Eurico Miranda (RO 1069) e desproveu, por unanimidade, os recursos do MPE/RO.
Embora tenham os ministros Cesar Asfor Rocha, Carlos Ayres Britto e José Delgado, consignado ressalvas de que acompanham o entendimento da Corte, mas resguardam suas convicções pessoais sobre o assunto, estão, na prática, ajudando a consolidar o entendimento de uma maioria ocasional, eis que, infelizmente, para toda e qualquer referência futura, sempre vai prevalecer a unanimidade formal.
Sempre consideramos que a submissão da divergência à maioria deliberativa, sem a mudança do convencimento pessoal, deveria ser evitada para que o julgamento não tenham um extrato formal sem o correspondente conteúdo.
Ademais, essa submissão obsequiosa, também produz um verdadeiro desvio de finalidade do ato judicial, quando a formação da maioria fecha a via recursal.
Em suma, a orientação adotada pelo TSE desconsidera que o bem jurídico a ser tutelado prioritariamente no controle judicial do registro de candidatura à mandato popular é o interesse geral da sociedade e não o individual do candidato.
A militância política está em crise, em dissonância com os valores e sentimentos socais, existindo gritante disparidade entre a demanda social e a resposta política.
A posição adotada pela maioria do TSE revela distorção entre a lei e os anseios sociais, consagra a ineficiência da realização da justiça eleitoral que se engessa nos códigos formais, desconsiderando a realidade social.
Ao aplicar as leis pertinentes, o juiz não pode proceder de maneira estática, devendo ter presente a finalidade social da lei à vista dos valores e princípios proclamados pela ordem constitucional.
Faz-se, finalmente, função institucional da Justiça Eleitoral, socorrer a submissão dos eleitores às contingências fisiológicas, oferecendo a reação que os partidos políticos não fazem contra o registro de candidaturas que o sentimento geral silencioso repudia.
Cabe, pois, à Justiça Eleitoral uma atuação criativa fundada nos valores constitucionais que possam oferecer solução pronta e eficaz diante dos abusos, vindo ao encontro do interesse público e visando impedir que manipuladores do poder econômico e político tomem posse do mandato popular, por efeito da demora processual que podem alongar para a apuração dos crimes que lhe são imputados, enquanto exaurem o exercício de funções para as quais não ostentam credibilidade social.
Se a fraude na contagem de um simples voto é repugnante, muito mais é a obtenção de milhares de votos com a prática do abuso do poder econômico e político, uma vez que o candidato eleito ilegitimamente não tem qualquer compromisso com os cidadãos, com a cidadania, mas somente com os grupos que, em última análise, lhe conferiram o mandato.
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* Advogado do escritório Adriano Pinto & Jacirema Moreira - Advocacia Empresarial
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