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Agravo de instrumento contra decisão interlocutória de natureza complexa

A decisão ora comentada é inovadora e sua fundamentação, replicável em casos semelhantes, abre caminho para o tratamento a ser dispensado pelos tribunais com relação às decisões complexas.

23/7/2019

Com o julgamento do RESp 1.797.991/PR, o STJ apresentou tese jurídica relacionada ao cabimento de agravo de instrumento contra decisão interlocutória de natureza complexa1 que, acolhendo ou rejeitando a intervenção do terceiro, também se pronuncia sobre a necessidade, ou não, de modificação da competência em virtude da referida intervenção2.

Para compreender a tese apresentada, é preciso primeiro diferenciar-se o que antecedeu a formação de cada pronunciamento contido nessa decisão de duplo conteúdo.

No caso analisado, foi admitida a intervenção da Caixa Econômica Federal em demanda em trâmite perante a Justiça Estadual de primeiro grau. Ocorre que, a mesma decisão interlocutória que admitiu essa intervenção determinou, por consequência lógico-normativa (intervenção de empresa pública federal e vigência do artigo 109, I, da CRFB/88), a remessa dos autos à Justiça Federal de primeiro grau. Enquanto a intervenção da Caixa Econômica Federal se deu pelo reconhecimento de seu interesse jurídico na demanda, a declinação da competência se deu pela vigência de norma constitucional de competência ratione personae. Isto é, a despeito da relação de dependência lógica de uma para com a outra, são decisões que subsistem por razões diferentes. É dizer: na ausência do artigo 109, I, da CRFB/88, a mera intervenção da empresa pública federal não teria efeitos na competência do órgão jurisdicional.

A partir dessas premissas o STJ definiu critérios para analisar o cabimento do agravo de instrumento contra a decisão sobre a qual esse recurso foi manejado.

O primeiro critério foi o da preponderância de carga decisória. O STJ fez um esforço analógico com a teoria da classificação das ações de Pontes de Miranda3. Segundo a corte, o elemento “preponderante”, intervenção de terceiro, bastou para balizar a decisão complexa, uma vez que a alteração da competência só poderia ocorrer em razão da intervenção da Caixa Econômica, razão pela qual a admissão desta no feito foi considerado o pronunciamento judicial “mais relevante” para a decisão.

O segundo critério foi o da relação de antecedência-consequência. Aqui, o STJ fez também referência à ideia de questão prejudicial, o que, apesar de não expresso no acórdão, alude ao fato de que a declinação de competência decorreu da decisão anterior que admitiu a intervenção da Caixa Econômica, tornando esta última uma questão prejudicial em relação à primeira. Desse modo, a inexistência da questão antecedente (intervenção de terceiro) prejudicaria a existência da consequente (modificação de competência).

O terceiro e último critério utilizado pelo STJ foi o da irresignação da parte recorrente em suas razões recursais, isto é, foi verificado se a insurgência da recorrente foi direcionada à questão da intervenção de terceiros ou da competência. Entendemos que se trata da incidência do princípio da dialeticidade recursal e do efeito devolutivo do recurso. Afinal, se a parte apresenta em suas razões impugnação apenas quanto à competência, pode-se concluir que o efeito devolutivo do agravo de instrumento obsta que o órgão ad quem possa analisar a matéria da intervenção de terceiros, por não ser objeto do recurso. No mesmo sentido, não havendo impugnação à questão da intervenção de terceiro, presume-se a irresignação apenas quanto à modificação de competência.

Podemos, ainda, estender a análise do terceiro critério para aplicar o raciocínio do segundo critério, de antecedência-consequência, ao fato de que a anulação da decisão sobre a intervenção da Caixa Econômica implicaria necessariamente a anulação da modificação da competência para a Justiça Federal de primeiro grau, nos termos do artigo 281 do CPC4.

A decisão ora comentada é inovadora5 e sua fundamentação, replicável em casos semelhantes, abre caminho para o tratamento a ser dispensado pelos tribunais com relação às decisões complexas. A consequência positiva é a garantia de uma maior previsibilidade e, portanto, o atendimento ao ideal de segurança jurídica preconizado pelo CPC.

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1 Definiu-se que uma decisão é complexa quando “reúne, na mesma decisão judicial, dois conteúdos que, a despeito de sua conexão, são ontologicamente distintos e suscetíveis de inserção em compartimentos estanques”.

2 Atualmente tanto a decisão sobre admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros quanto sobre modificação de competência podem comportar o agravo de instrumento. A primeira hipótese por força do artigo 1.015, IX, do CPC, e, a segunda, da decisão proferida no sistema de recursos repetitivos (Tema 988/STJ) - desde que enquadrada nas razões de decidir desse precedente.

3 Pontes de Miranda defendia que as ações não possuem apenas uma natureza: declaratória, constitutiva, executiva ou mandamental - mas que o enquadramento em alguma dessas se dá pela preponderância de sua eficácia (PONTES DE MIRANDA. Tratado das Ações, Vol. I, II e III. Editora Revista dos Tribunais, 1971).

4 Art. 281. Anulado o ato, consideram-se de nenhum efeito todos os subsequentes que dele dependam, todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras que dela sejam independentes.

5 Dada a ausência de doutrina que tenha tratado especificamente desse tema, é preciso construir e estabelecer critérios decisórios para a solução da questão [...]

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*Eduardo Calich Luz é advogado de Trigueiro Fontes Advogados.

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